sábado, 22 de dezembro de 2012

Sororidade, protagonismo e outras estranhezas do amor

Minha maternagem tem um pouquinho de cada mãe que conheço ou conheci. Suas histórias, seus relatos, seus traumas, suas vontades, desejos, anseios, ansiedades, expectativas, teorias e intuições. Cada experiência que troco me faz ser mais mãe, mais inteira, mais completa.
Por isso, minha mensagem de fim de ano no ano mais importante da minha vida é de agradecimento.
Obrigada a todas as leitoras e blogueiras que, ao comentarem, partilharem, abraçarem, consolarem e relatarem, recriaram (e resgataram) a importantíssima rede de sororidade (o feminino de fraternidade) que ajuda a resgatar o protagonismo feminino nesta nossa sociedade tão machista.
Em outras palavras: conhecendo facetas de cada uma de vocês, vou criando um arcabouço de padrões e conhecimentos que me tornam, enfim, a mãe que quero ser. Uma mãe consciente, crítica, que busca as melhores soluções dentro das condições, e que quer muito, muito, muito amar e ser amada, porque Arthur fez crescer em mim um amor infindável!
Desejo que o novo ano traga muitas alegrias (e algumas poucas tristezas, que nos ajudam a crescer e a valorizar os bons momentos), muitas conquistas e realizações. Que 2013 seja um ano bom, um ano humano, um ano feminino.
Quanto a mim, meu desejo pessoal para 2013 é que eu continue tendo muitos motivos para agradecer.

Boas festas!
Bons bebês!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

6 meses e nós conseguimos!

O meu bico plano não facilitou a primeira mamada. Nem as demais. Visitei um centro de referência em amamentação com reputação internacional e me disseram que não era impeditivo ter um bico plano ou mesmo um invertido. Não era impeditivo e não foi, mas doeu e dói até hoje.
Os dois cistos que eu tinha no mamilo não fizeram da amamentação um mar de rosas. Até hoje, de vez em quando, Arthur pega de mal jeito e me faz ver estrelas sem olhar para o céu (e sem qualquer poesia). Fui visitada por uma especialista em amamentação, mestre (de verdade, pela UFF!) no assunto, que me garantiu que o melhor tratamento para os cistos inoperáveis que moravam no meu mamilo seria a boquinha voraz de meu filho, mamando. Doeu horrores, muitíssimo, mais que qualquer rachadura, e ainda dói, mas um dos cistos sumiu de fato. O outro está bem menor e menos dolorido. Só de vez em quando sobem as lágrimas (e não são lágrimas de felicidade ou emoção, garanto).
Sair do hospital com uma monília que não foi diagnosticada tão cedo não facilitou minhas primeiras semanas. Eu ouvia, de todas as mães a quem me queixava, que as dores passariam logo, e que depois do primeiro mês tudo melhoraria muitíssimo e dar de mamar seria fantástico. Não foi nada assim. Arthur fez dois, três, quatro meses e a primeira abocanhada me fazia querer chutar o mundo, me retorcia os dedos do pé, numa tentativa inútil de desviar a atenção da dor intensa e aguda para outra parte do corpo, de preferência uma bem distante. Seis meses depois, ainda dói, porque a monília que me pegou é carente e encontrou em mim uma mãe carinhosa, dedicada, afetuosa; apaixonou.
Sentir meu corpo ferver e amolecer em um febrão no momento em que as que pariram comigo estavam começando a gostar muito de amamentar não ajudou a construir uma ideia positiva do meu futuro como provedora de leite do meu filho. A mastite e seus medicamentos abalaram minha ideia romântica de amamentar meu pequeno, embalando-o na cadeira de balanço, com um sorriso nos lábios e toda a placidez que tal imagem evoca. No entanto, não abalou minha vontade de querer insistir em oferecer ao Arthur o melhor alimento que eu poderia.
Ter um bebê alérgico à proteína do leite de vaca, o que me obrigou e ainda obriga a seguir uma dieta rígida e bastante limitadora, não tornou minha vida mais prática. O trabalho que uma mãe que oferece fórmula tem, eu também devo ter. O gasto que essa mesma mãe tem, eu também devo ter. Menos o desgaste emocional de não saber por que seu filho chora e vomita, menos a vontade que passo por não comer chocolate, leite condensado, bolos, manteiga e outras delícias. Limita, dói, incomoda.
Voltar a trabalhar depois de apenas quatro meses e meio não fez com que minha vida se tornasse libertadora. Ir para o trabalho, além do próprio trabalho, implicou em jornada extra: em casa, com o pequeno, é claro, mas também no trabalho, três ou quatro vezes por dia trancafiada num quartinho de depósito gelado como o inferno (detesto passar frio, logo, o inferno deve ser gelado!), ordenhando, lutando para manter estoque para o bebê que, na creche e em casa, longe de mim, mama de tres a quatro mamadeiras diárias com cerca de 150ml cada. É preciso muita disciplina e foco, para conseguir dar conta de toda a jornada.
Colocar o Arthur na creche, que tem uma psicóloga toupeira, que vive insinuando que eu devo inserir alimentos sólidos na dieta do meu filho (entre outras bizarrices irritantes), não foi receber exatamente o apoio de que eu precisava nesse momento de transição. Muito menos com as ameaças subjacentes ao discurso ensaboado de quem lida com "mãezinhas" o tempo todo: olha, ele vai ficar subnutrido, ele precisará de mais calorias, ele pode não se adaptar à mamadeira, e como ficamos?, vai deixar seu filho com fome? Precisei acreditar em mim, nas minhas escolhas e convicções, e buscar apoio em outros lugares, no pediatra, no marido, em outras mães. Doeu e deu medo de estar escolhendo errado. Mas os números do crescimento do filhote não deixam mais espaço para dúvidas.
Bico plano, empedramento, bicos rachados, faltando um pedaço, cistos no mamilo, monília, mastite, dieta para ALPV, ordenha no trabalho, ordenhas na madrugada para manter a produção. Amamentar foi e continua a ser um desafio para mim. Dói, incomoda, cerceia e exige.
Por isso, hoje, quando Arthur completa seis meses, eu venho aqui, com muitíssimo orgulho, me achando o suprassumo humano, para anunciar que conseguimos! Amamentação exclusiva! Nem água, nem chá, nem suquinho, nem fórmula. Só peito. Seis meses perfeitos em sua imperfeição. Seis meses muito sofridos, doloridos física e emocionalmente, mas, como acontece em maratonas e outras situações em que precisamos superar as limitações do corpo, da mente e do espaço (físico e temporal), eu venci! Nós vencemos! E isso dá um prazer, um orgulho de rei, de rainha, de mãe: eu que fiz, eu que nasci, eu que fiz crescer!
Agora, vamos em frente.
Arthur começará a experimentar frutinhas, e depois comidinhas salgadas. E nós continuaremos com a amamentação, que pode agora durar muito ou durar pouco, ele escolhe, mas certamente foi fundamental para que construíssemos um vínculo maravilhoso, este sim eterno em nossa perenidade.
Arthur, meu filho, nós podemos mais! Nós podemos tudo!

sábado, 15 de dezembro de 2012

Pé de pato, mangalô, três vezes!

O dia começou com uma dorzinha incômoda. Ali, na direita, doía quando eu caminhava ou fazia movimentos bruscos. Continuei, vida normal.
Mas de tarde comecei a ficar enjoada, a sentir mais e mais o incômodo e comentei com alguém (eu estava numa festa cheia de gente da área de saúde), que logo sugeriu uma apendicite.
Claro! Eu estava com todos os sintomas clássicos! Se não fosse pelo mero detalhe que eu já retirei o apêndice (e senti exatamente o que estava sentindo quando a crise estourou), certamente eu correria para o hospital mais próximo.
Assim, na falta de apêndice para ser retirado, fui mesmo foi para a casa mais próxima, que era a da minha sogra. Tomei um banho, almocei (o enjoo poderia ser fome), me deitei no ar-condicionado e fiquei brincando com Arthur, esperando a ziquezira passar. Como a casa da sogra não é baby friendly, o brinquedo disponível era o controle remoto, que, sem as pilhas, foi parar na mãozinha do meu filhinho tão lindo e pequenininho.
Tudo ia bem, exceto pelo fato de que eu continuava com a dorzinha chata, incomodada com aquele enjoo e cogitando seriamente em me mandar para um hospital.
- Eu chamo minha mãe para ficar com Arthur, que tal?
Marido pensando junto, até que...
POF!
(Assim mesmo!)
Meu filhinho tão pequenininho e delicadinho enfiou o controle remoto no meu olho!
Lágrimas involuntárias rolaram, mas eu ri do ridículo enquanto corri para buscar gelo e minimizar a tragédia.
Fui ágil o suficiente para não ficar cega, mas lerda demais para me desviar, e agora estou com um inchadinho no olho esquerdo, que ficou ligeiramente arroxeado e dói quando encosto.
Daí, marido, depois que o susto passou, quis saber:
- Você melhorou da dorzinha chata do lado direito?
- Não.
- Quer, então, ir mesmo para o hospital?
- Acho melhor não. Se eu chego no hospital com uma dor estranha e o olho roxo, a primeira pessoa que vai me atender será a assistente social, querendo saber se você vai ser enquadrado na Maria da Penha. Por via das dúvidas, melhor ficar em casa e ver se melhora tudo.

Melhorei.

E por via das dúvidas, melhor colocar aqui um galhinho de arruda, porque é peito, é barriga, é olho... Credo!

Xô uruca!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Só por amor

Uma palavra: mastite.
Duas palavras: de novo!
Três palavras: só por amor.

Entrei de novo no antibiótico, antifúngico e antitérmico. Mas vamos em frente, porque pela saúde do meu pequeno, todo sacrifício é nada.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Tá calor aí?

Aqui no Rio, com certeza, está muito mais!
Duvida?
Então vem comigo, para mais este passeio pelos caminhos insanos da minha vida cotidiana!

De dentro do ônibus avistei: trinta e nove graus, às dez e quinze da manhã. Ponderei se seria melhor descer no ponto antes do meu e comprar um sanduíche, "pra mó de evitá caminhá de debaixo do solão na hora do almoço", pensei preguiçosamente. Mas eram trinta e nove graus. Às dez da manhã. Achei melhor me enfiar o quanto antes no ar-condicionado.
E fui.
Porém, estômago não tem termômetro, e era uma da tarde, sol a pino, quando precisei sair para comer.
O relógio de rua marcava 13h14 e singelos 42°C. Sensação térmica de combustão espontânea.
Entrei correndo no restaurante, pensando se estaria mais assada que a comida que serviam ali. Mas era um japonês, e mesmo tendo levado tanto sol na cabeça, ainda sabia que sushi não se assa ou cozinha.
Sentei-me, pedi o cardápio, escolhi. Enquanto esperava, distraí os olhos observando os esbaforidos que chegavam da rua e os já confortavelmente acomodados dentro do restaurante. E então, de repente, sem qualquer aviso prévio, eu avisto, a uma cadeira de distância, ele: Rodrigo Santoro! Ainda mais bonito que na TV. Charmoso. Comendo sushis variados. Ali, bem do meu ladinho.
Dentro das possibilidades hormonais e sociais, me contive e consegui terminar a refeição. Ele se levantou, pagou e foi-se embora, deixando atrás de si uma labareda a setenta e cinco graus que nem toda babação feminina conseguiu apagar.

Viu como aqui está bem mais quente?

domingo, 9 de dezembro de 2012

ahahahah (mas só por dentro)

Estávamos passeando aqui por perto: eu, marido e pequeno. Como chuviscava, filhote ia dentro do carrinho, com a capota protetora toda arriada, deixando só o pezinho gordo do lado de fora. (Puro amor!)
Numa esquina, aponta um rapaz que, pelo sorriso, logo vi que conhecia marido. Não deu outra: oi, oi, quanto tempo, pois é, ih, que novidade é essa? virou papai? pois é... há seis meses, blá-blá-blá.
Abrimos capota (chuviscava mais brandamente) e Arthur se derreteu para o amigo do papai. Riu, fez charminho, chutou o brinquedinho. Achei até que o amigo ia tentar levar meu molequinho embora de tanto que se entreteu com e amou as gracinhas.
E aí, ele se vira e anuncia, em regozijo indisfarçável:
- Também vou ser papai. Fulana já está de três meses.
- Ah, que lindo. Oh, parabéns. Vixi, que beleza, que maravilha! Oba, oba, oba!
- Pois é... estamos animados.
- Poxa, vamos marcar uma cervejinha dia desses? Te passo umas dicas.
- Claro, claro! Vou precisar.
- Ah, é. Sempre bom ouvir histórias e experiências porque o primeiro mês é MUITO difícil.
- Já ouvi falar. Mas acho que nem vou sentir tanto o impacto.
[Não precisei olhar para marido. Eu sabia a cara que ele estava fazendo e praticamente escutei seus pensamentos. E seus pensamentos eram mais ou menos assim: "hã...? ele disse que não vai sentir o impac...AHUAHAUHAUAHUAHUAHAAU {risada histérica} AHUHAUHUAHUAHUAHUAHUA"]
Placidamente, com um sorriso apenas amistoso nos lábios, marido perguntou:
- Ah, é? Mas por quê?
- Ah, eu tenho trabalhado muito, sabe? Tenho dormido tarde, acordado cedo.
- Bom, nesse caso... ["AHUAHUAHUHAUAHUAHUAHU"]
- É... - olhando agora para mim, que também oferecia um amistoso sorriso - Fulana vai até ter um descanso, vai se dar bem: vou ficar trabalhando até tarde e vou aproveitar para olhar o bebê para ela dormir.
["AHUAHAUHAUAHUAHAUAHUAHAUAHAUHAUAHAUHAUAHAUAHUAHAUHAUAHU"]
- Ah, que maravilha! Sua mulher é uma sortuda! ["AHUAHUAHAUHAUAHUAHAU"]
- Pois é. Estou animado. Vai ser moleza.
- Vai, vai, sim, rapaz. Parabéns! ["AHUAHUAHUAHAUHAUAHU"]
- A gente se vê.
- Valeu! Bora marcar o chope, heim...

E estamos rindo até agora.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Consumismos

Eu ando com dois buracos por aí: um no peito e outro no bolso. Passar horas longe do meu pequeno realmente me abalou de maneira profunda, e tenho ocupado muito do meu tempo livre (e, às vezes, até do comprometido) em consumismos loucos.
Tirando a parte engraçada do causo do sapato, pisca dentro de mim o sinal vermelho da infelicidade, da insatisfação e da ansiedade. Todos os dias quero comprar brinquedos lindos e educativos, pensando em quanto será divertido empilhar, fazer rolar, balançar e emitir sons diversos com meu filho. Diariamente penso nas roupinhas que quero lhe comprar, para tirar fotos lindas, que ficarão para a posteridade e registrarão o crescimento do meu filho. Não se passa um dia em que eu não pense no que possa estar faltando em casa, para comer, trocar fralda, beber, enfim, viver. Tão vendo o tamanho do buraco, da solidão, da tristeza em não estar em tempo integral com meu filho? Brinquedos para tornar divertidas as ridículas (em termos de duração) horas que passo com Arthur. Roupas que não vejo ou verei ele usar, porque estou enfurnada num escritório, e que marido fotografa para que saiba como ficaram. Itens de higiene, hortifritigranjeros, bebidas de todas as naturezas, tudo que não pode faltar, tudo o que nutre e traz bem-estar.
Veem como é triste isso?
Veem como parece desesperador?
E é. Triste e desesperador, porque quando me vê, ao chegar da creche, Arthur não quer brinquedo e nem me importo com o que ele veste: só queremos nos abraçar, nos amar, nos aconchegar. Claro que brincamos, claro que fico toda prosa quando vejo meu filhote lindo dentro de uma roupinha fofa ou gaiata que escolhi para ele. Mas se ele estivesse pelado e tudo o que me restasse fosse minha voz, nós estaríamos lindos e entretidos.
E aí, além disso, penso em como é triste também constatar que, de repente, eu entendo muito aquelas mães (e aí a minha se inclui) que querem fazer todas as vontades materiais dos filhos, eu entendo a importância equivocada que "ter" tem na nossa sociedade. E deprimo um pouquinho, sabem? Porque eu trabalho feito uma mula manca para ter dinheiro para pagar a creche que acolhe meu filho enquanto eu ganho dinheiro para preencher na nossa relação um buraco imensurável, que é do tamanho de 10 horas diárias de separação, do tamanho de mamadas fora do peito, de choros sem o meu colinho, de dormidas sem o meu calor. É um buraco tão grande, mas tão grande, qque muitas vezes faz de buraco negro, e suga todas as luzes ao redor. Menos, é claro, o sorriso do Arthur. E minha preocupação é justo com isto: o sorriso do Arthur. Mantê-lo, cativá-lo, prendê-lo no rostinho do meu filho. E sinto que falho.
Querem saber? Para mim, o ideal seria largar emprego, carreira, dinheiro e canudo, porque Arthur é muito maior, muito melhor que tudo isso junto. Detesto ir trabalhar e saber do dia do meu filho por uma tabela pré-impressa, com categorias planas e tão vazias de sentido: alimentação, evacuação, sono, observações.
Meu filho é mais, muito mais, infinitamente mais complexo que categorias estanques numa página de agenda. Mas, por enquanto, ele é isso também, porque não posso tirá-lo da creche, porque não posso largar o emprego.
Daí, hoje, exatamente hoje, vem aquele bafafá todo sobre infância, consumismo, reality show de bebês e mães. Fiquei mal, pensando em como as coisas às vezes saem da proporção e entram numa perspectiva doida e enganosa.
Enganosa? Não me iludo, apenas me engano, me distraio, porque preciso aprender a processar emoções e experiências que não estavam aqui até bem pouco tempo atrás. Então, quero crer, numa distorção que hão de me perdoar, que meu consumismo equivale ao processo catártico aristotélico, e que na falta de tempo para ler, assistir a peças, filmes ou espetáculos artísticos, me fio no espetáculo do consumo para tentar experimentar novas formas de lidar com todo esse espaço que sobra (e que paradoxalmente comprime, aperta, estrangula). Um espaço de 64cm e 7,5kg. Dimensões objetivas bem definidas, dimensões subjetivas impossíveis e inomináveis.
Sigo, então consumindo produtos, me consumindo em dores e angústias, sendo consumida pelos dias.
Espero que meu consumismo não saia do controle (e controle aqui é me reconhecer consumista e ligar o sinal de alerta) e que eu consiga não perder a perspectiva de que o importante aqui não se compra, não se vende, não se empresta: damos.

(Quase) sem pé, (totalmente) sem cabeça (para outra coisa)

Eu sou a rainha das coisas mais estaparfúdias acontecíveis. Sério. Se existir algo bem improvável e digno de roteiro de comédia pastelão, isso vai acontecer comigo!
E a maternidade não mudou isso.

Encosta aí na cadeira, afofa o travesseiro nas costas e vem comigo, para o fantástico mundo de Ártemis, onde tudo vai acontecer e a louca serei eu.

Acordei bem. O dia prometia uma rotina bacana. Me arrumei, vesti um vestido dos tempos de grávida, uma sandália dos tempos de não grávida e a mala dos tempos presentes, tempos de amamentação exclusiva, tempos de bombinha, potinhos, bolsas térmicas e muita disciplina.
Fui caminhando calma e atentamente. Com calma porque não consigo correr com a mochila imensa que carrego todos os dias. Atenta porque tem tido uma onda de assaltos aqui perto de casa, um horror!
Então tomei o ônibus, quase não peguei trânsito e cheguei cedo no trabalho. Até pensei que seria um dia insosso, como muitas vezes eu merecia ter. Mas não! Óbvio que não! Murphy deve ter vindo no ônibus atrás do meu e logo estava nos meus calcanhares.
No trabalho, tudo correndo bem, apesar de uma dorzinha no pé. Trabalhei, lanchei e bateu, enfim, a fominha da hora do almoço. Desci, comi, ri e... a dor no pé.
Como eu disse, o sapato que escolhi era pré-gravidez, e devido aos hormônios, encolheu. (Ou meu pé cresceu um pouquinho, como custo a crer.) E as tiras (era uma sandália com padrão de pele de cobra. Uau!) começaram a estrangular meus pobres dedinhos, que pareciam reféns amarrados no fundo de um quarto escuro (acho que eles começaram a ficar roxos).
Pensei: droga! Vou comprar um sapato novo, mas jamais uma Havaianna (porque mamãe me ensinou a não andar de chinelo na rua e porque estou no trabalho, e com esse vestido tão lindo e tão pouco Havaianna friendly). E fui.
A primeira sapataria era de um ex-interno do Pinel. A sapatilha Moleca estava a 129,90. Você não leu errado! Três dígitos para uma Moleca. Os meus dedinhos pediam clemência, mas ainda respiravam e estavam conscientes. Arrisquei negociar com o sequestrador e atravessei para ir ao shopping. A Mr. Cat era a primeira loja de sapatos. Ponderei que sequestrador por sequestrador, melhor manter o que estava no meu pé, que além de não me custar nada, já era familiar e poderia até me render uma Síndrome de Estocolmo (como geralmente sapatos-meliantes bem-apessoados costumam fazer; ou vai me dizer que você tem coragem de jogar fora aquele sapato DI-VI-NO, mas que trucida seu pé?!), e fui para outro piso. Duas lojas surtadas, cobrando duzentinhos em pisantes que não valiam sequer cinquentinha. Até que achei uma sapataria bacaninha, com uma sandália delicinha, por cem reais. Pensei: tô sem sandália, verão taí, décimo terceiro tava aí até ontem, cem reais é um frila, tem meu número. Por que não? Experimentei, gostei, separei e fui pagar. Abri minha carteira e... cadê o cartão? Pausa dramática. Atendentes me olham, lágrimas se equilibram em meus olhos, mãos vasculham nervosamente o fundo da bolsa até que o cérebro relembra: em cima da mesa da sala! Mão no telefone e marido confirma a tristeza. Ok, sem dramas, sem pânico: bora usar o outro cartão, da outra conta. Bip-bip-bip. Sua senha, senhora. Senha inválida. Bom, vou ali tirar dinheiro, então, e já volto. Separa aí. Desço ao térreo, entro no banco, pego a fila (sem o Arthur não sou preferencial, droga!) e chego ao caixa: oi, vim sacar um dinheiro da minha conta, mas estou sem o cartão. Sem problemas, senhora, sua identidade, por favor. Ok, um momento. Revira, remexe, rebola: ficou na mochila! Droga, droga, droga!!!
Ok, respirei fundo e fui ao outro banco, do outro lado da rua. Desse eu tinha o cartão, só precisava sacar o dinheiro na boca do caixa porque estava sem função débito. Entrei. Uma fila caracolesca para os caixas eletrônicos. Ainda bem que vou ao caixa normal. Porta giratória e testa no vidro. Lá de longe vem um guardinha (moço, aqui embaixo!, gritavam meus dedinhos reféns) meio esbaforido e pergunta: objetos de metal? chave, guarda-chuva, moeda, celular? (eles devem ser treinados pelo pessoal do Spoletto). Não tenho nada disso. Mas o guardinha desconfia e pede para ver dentro da minha bolsa: vazia, um papel solitário rola. Entro e a fila dos caixas é gigantesca. Saio e penso: o que faço? Meus dedos gritam por socorro, resolvo comprar uma bala de hortelã e voltar ao escritório. Sentada, sem usar os pés, hei de raciocinar melhor.
Entro na sala mancando. Minha dor agora irradia perna acima, me causando arrepios involuntários. Sinto que se tirar a sandália, nunca mais conseguirei calçar nada com tiras, tamanho o inchaço dos dedos e adjacências. Eles continuam arroxeados. Olho para um lado, olho para o outro e... minha colega está almoçando! Vou telefonar e pedir ajuda.
Telefone toca e ela atende rápido. Conto brevemente minha saga e peço, adivinhem?, uma Havaianna. Qualquer cor, qualquer modelo, tamanho 35 porque preciso dar folga para meus pés (calço 34). Ela me informa que o banco da fila gigante tinha a fila quilométrica e o guardinha mau-humorado porque foi assaltado. Acabou de ser assaltado e por pouco não fico refém junto com meus dedinhos do pé (que agora agonizam e já não se mexem). Meus peitos doem, estou descalça no trabalho e louca de vontade de fazer xixi. Vou até o banheiro arrastando correntes, digo, sandálias não calçadas, faço xixi e volto para ordenhar. Ordenho. Na minha cadeira, quando volto, tem um embrulho da Havaiannas. Dentro, uma sandália roxa e rosa, que eu jamais compraria porque detesto esta combinação Barbie.
Penso: ok, tudo já aconteceu! Sapato machucando, cartão esquecido, banco assaltado, Havaianna no pé e o expediente está acabando. Falta pouco e tudo vai terminar bem!
De fato, o dia de trabalho termina e eu, minha mochila de viajante, meu chinelo roxo e rosa e minha  urucubaca vamos pegar o ônibus rumo à creche.
Claro que o ônibus quebrou! Mas cheguei na creche a tempo, voltei para casa, encontrei meu cartão (corremos pela praia até nos abraçarmos ao som de Endless Love) e, claro, resolvi assuntar na internet. Cartão a mão, cem reais "mais rica" (ahahahah... Ah, a lógica feminina!), claro que vou consumir. Decido comprar um mimo para o Arthur, outro para o marido e, claro, um para mim.
Arthur ganhou um bichinho de pelúcia com chocalho. Marido, uma furadeira de alto impacto. E eu, bem....eu ganhei mesmo foi um massageador de pés. Acho que traumatizei.