terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Derrota

 Abri a internet e dei de cara com uma matéria de uma revista famosa que trazia na foto uma ex-colega de faculdade. Um sucesso a empresa dela: o reflexo de uma carreira feita em grandes e prestigiosas corporações.

Fiquei muito feliz, sempre gostei da moça que, além de talentosa, sempre foi uma pessoa boa e generosa. Em um país pingando de fel e mau caratismo, dá gosto ver alguém bacana se dando bem para variar.

Enquanto isso, vou enfileirando derrotas. 

Sou um fracasso profissional e mal consigo manter a cabeça para fora da água. Pequenos sucessos cometeram a crueldade de me dar esperança, só para depois confirmarem minha incompetência: eis as chances, todas desperdiçadas. Concursos literários, entrevistas de emprego, projetos bem estudados, planos de carreira. Nada sobrevive ao terremoto que sou. À bomba atômica. Arraso o que se erguer diante de mim, transformando tudo em uma grande planície, para que, quando enfim jazer meu corpo no campo de batalha, todos possam distinguir, sem hesitação ou confusão, a única responsável por esse fracasso.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Voltei

 Em junho.

A mudança foi a coisa mais difícil que já fiz até agora. Não o dia em que entregamos o apartamento. Não quando entramos no avião. O processo completo.

Começou em março, com a pandemia. Eu tinha um trabalho, marido também. Arthur na escola, Gael com a gente em casa e, BUM, veio o caos. As passagens estavam compradas, já sabíamos da mudança, já era um plano. Mas a pandemia elevou tudo a novas potências.

Eu atrasei a entrega do trabalho. Marido idem. Arthur e Gael e eu e marido e o peixe trancados dentro de um apartamento de quarto e sala, longe da família, vendo as notícias das mortes, assistindo os colapsos, nos perguntando tantas coisas (e se pegarmos? e se não conseguirmos sair? será que no Brasil também veremos caixões pelas ruas? quem perto de nós vai morrer?). O trabalho nos pesava muito, porque não dávamos conta e sentíamos culpa, medo, ansiedade.

Chorei incontáveis vezes. Eu jurei que entraria em colapso. E acho que entrei. Fui diagnosticada com transtorno do estresse pós-traumático, embora eu ache que tenha sido a mistura bombástica de estresse e ansiedade.

Eu empacotei minhas coisas aos prantos. Joguei fora móveis, papéis, brinquedos, livros, roupas. Me despedi de sete anos em Chicago. Mas não uma despedida adequada: não foi possível visitar os lugares que gostaríamos, não conseguimos ver as pessoas, falar adeus para nossa rotina.

Chorei muito. Muito mesmo. De exaustão, medo, ansiedade e sofrimento por ir embora assim, meio fugida. Fugindo do vírus.

O processo durou de março até junho e nunca briguei tanto com as pessoas ao meu redor. Doía tudo: corpo e alma. Sozinha. Só nós 4 e o peixe, que foi doado porque não dava para trazer conosco. Sei lá se morreu. Não tive coragem de perguntar à nova dona. O aquário foi para outra pessoa, uma brasileira que morava perto. A bicicleta foi para o lixo, o sofá a gente vendeu para os garotos que estavam se mudando para o apartamento do lado, onde antes morava um jogador de futebol americado com mais de 2m de altura e que se desmanchava em sorrisos quando via Gael. 

Foram 11 malas despachadas, 4 malas de mão, um carrinho, uma cadeirinha de carro e duas crianças. Era muita responsabilidade para só dois adultos.

No aeroporto foi tenso. O voo foi um pesadelo, com gente sem máscara espirrando e tossindo perto de nós. A mulher na cadeira ao lado pediu para comprar uma passagem de primeira classe ali, na hora, já dentro do avião. Não tinha como. Tudo lotado, disse o comissário de bordo. Lotado. Dormi mal, arrastei todas as malas, carreguei as crianças, coloquei as crianças para dormir, alimentei. Assisti "O diabo veste Prada" - já tinha visto antes. E acho que mais um filme. Não me lembro.

Chegamos e viajamos mais, porque não ficaríamos no Rio.

Ah, que eu não me esqueça que antes disso tivemos passagem cancelada à revelia, compramos briga no guichê do aeroporto porque nos venderam as malas extras erradas e queriam que pagássemos pelo erro deles. E teve correria para fazer passaporte. E trouxemos livros da biblioteca por engano, estou devendo uma fortuna de multa porque ainda não tive tempo de parar e resolver nada. Aliás, eu estava no mercado, na vila com menos de mil habitantes onde estamos, quando tocou o telefone e era a secretária da escola, da ex-escola do Arthur perguntando se eu já sabia para onde iríamos, porque saí de lá sem saber muito bem para onde transferir meu filho. Avisei que estava no Brasil, pedi os documentos. Foi o que consegui resolver até agora.

A mudança, repito, foi muito difícil. Uma mudança internacional, com 15 malas, um carrinho, uma cadeirinha de carro, 2 crianças, no meio de uma pandemia.

Voltei. Daqui a pouco eu chego.

sábado, 21 de março de 2020

Começo do desespero

Este é nosso décimo dia de isolamento.
Hoje o governador do estado de Illinois decretou que todos os habitantes devem permanecer em casa, a não ser para realizar atividades essenciais. São atividades essenciais :comprar comida e medicamentos, cuidar de membros da família que precisam de suporte, levar cachorros para passear, ir ao médico, ir à loja de material de construção, praticar atividades físicas individuais.
O mais difícil do isolamento, para mim, é parar de pensar no que está acontecendo. Os números crescentes, a distância dos meus amigos e familiares e o impedimento de sair de casa me angustiam muitíssimo.
Sei que estamos no começo apenas. As próximas duas ou três semanas serão duríssimas para os EUA, mas sobretudo para o Brasil.
Minha expectativa é terrível: milhões de mortos, falta de hospitais e materiais, meses de sofrimento, saques, depressão econômica, crise política e muito desespero. Serão anos para vermos qualquer sinal de recuperação.
Tomara que eu esteja errada.

sábado, 14 de março de 2020

A chegada da pandemia

Eu nunca estive nas manchetes. Furacões, atentados, epidemias e outras desgraças sempre foram palavras impressas. Um privilégio danado, eu sei. Ou melhor, eu agora sei.
Ontem (sexta 13) foi o dia D na cidade onde moro: as escolas anunciaram o fechamento, o clube e a à biblioteca pública seguiram de perto, os supermercados ficaram com as prateleiras absolutamente vazias e a Universidade vizinha a nossa casa divulgou o primeiro caso de covid-19. Em menos de 24h a quarentena ficou real e presente.
Já prevendo o fechamento inexorável da biblioteca, saí de manhã com as crianças (Arthur já não frequentava a escola desde quinta) para ir buscar livros e garantir um pouco de entretenimento diante da estada compulsória dentro de casa.
As ruas da cidade estavam bem menos movimentadas. O funcionário que entregou os livros a mim parecia tão temeroso quanto eu e o banho de álcool gel que tomei no saguão da parte infantil não causou estranheza a nenhuma pessoa ali presente, muito pelo contrário.
O clima aqui é de muita expectativa tensa. Os mercados vazios estão causando muita ansiedade, afinal, todes precisamos comer e a simples de ideia de passar fome já nos deixa apavorados. Outro privilégio, também sei.
Ontem fui ao mercado fazer estoque de alguns itens. Um caos! Hoje marido foi resolver pendências no trabalho que não poderiam esperar o fim da onda e nem poderiam ser realizadas virtualmente.
Amanhã não pretendo sair de casa. Aliás, nem amanhã, nem ao longo desta semana. Na próxima, precisaremos fazer compras, até porque a Amazon, que geralmente usamos para a entrega das comidas básicas do dia a dia, está com o estoque defasado e as entregas atrasadas.
O clima é bem intenso. Meus vizinhos formaram um grupo no Facebook e a imensa maioria está alerta, preocupada e engajada no confinamento por duas semanas.
Eu estou tensa, ansiosa e preocupada.
O Brasil será o próximo na lista da pandemia. Não se iludam, pessoal! É para levar a sério e se cuidar. Lavar as mãos, deixar as unhas bem aparadas, não partilhar objetos, não beijar/abraçar/apertar a mão como forma de se cumprimentar, se puder ficar em casa, fique! O objetivo é diminuir a circulação do vírus e isso só é possível com a diminuição da circulação de pessoas.

Por hoje é só isso.

Volto em breve com outras notícias da pandemia por aqui.

Lavem as mãos!