domingo, 27 de janeiro de 2019

O parto — parte 2

O quarto era simples, em termos estéticos, mas com tudo que eu precisava para parir, em termos de equipamentos.
Na visita que fizemos ao hospital no começo do terceiro trimestre, nos informaram de várias coisas que considerei bem chatinhas. Uns protocolos irritantes, tipo acesso venoso obrigatório, monitoramento contínuo obrigatório, impossibilidade de parir dentro da banheira, só para citar os mais inconvenientes para mim.
Entrei, portanto, esperando uma chuva de obrigatoriedades, mas parir com midwife é tudo de bom, e meu monitoramento foi intermitente e não tive acesso venoso!
O esquema de trabalho lá é assim: eu tenho a midwife que me acompanha particularmente, o hospital tem a midwife de plantão e a estudante sob sua supervisão porque se trata de hospital-escola. Assim, a midwife do hospital e sua aprendiz vieram se apresentar a mim. Não faço ideia do nome delas. Mas foram as duas que controlaram os monitores cardíacos (um para mim, um para o bebê) no começo do TP, e foram elas que perguntaram uma série de coisas, tipo: eu aceitava credê? E vacina de hepatite B? E injeção de vitamina K? Como eu planejava lidar com a dor?
Autorizei a estudante, a vacina e a vitamina K. Vetei colírio e circuncisão. A midwife da clínica disse que eu não precisava de acesso venoso e nem de monitoramento contínuo, então neguei isso também.
Já eram umas 6 da manhã, e as contrações estavam super tranquilas ainda. Eu conversava e brincava entre elas.
Foi então que me deu uma fome horrorosa !Aliás, eu tive fome no começo do TP também, e a midwife falou que esse era um sinal de que eu NÃO estava em TP ativo.
Beleza.
Falei que estava com fome e rolou aquele constrangimento, porque eu não poderia comer no hospital. A midwife comentou que tinha uma cafeteria no hospital, que seria bom eu dar uma caminhada para ajudar nas contrações, e eu, idiotamente, não entendi que ela estava dando um jeito de dizer onde e como eu poderia arranjar comida no hospital. Além de estar em TP, sou caxias demais para burlar regras assim, então nem me liguei.
Fui à cafeteria para comprar café para marido e para caminhar. A cafeteria fica bem longe da ala da maternidade, e eu fui numa boa, tirando foto fanfarrona, fazendo graça, mas já voltei com dores mais fortes, parando para respirar/contrair naquele looooongo corredor.
Voltei sem comida e a midwife, então, precisou pedir as únicas coisas que eu poderia comer: gelatina, suco de maçã e caldo de galinha. Comi uma gelatina aos bocadinhos porque não queria vomitar. Mas aí minha glicose dei aquele show que vinha dando: subiu rápido, desceu rápido e eu fiquei miserável! Pediram, então, o caldo, que tomei com muita alegria ao longo do TP e que me salvou legal em termos de energia e tapeação da fome.
Aliás, isso foi bem diferente do parto do Arthur, quando eu perdi totalmente o apetite e não comi nada do que eu tinha comprado para enfrentar o processo. Dessa vez eu estava faminta, e me senti assim mesmo já avançada na dilatação.
Bom, entre 6 e 9 da manhã eu fiquei em trabalho de parto latente, conversando, comendo, bebendo, acompanhando as conversas entre marido e a midwife, monitorando as taxas todas no painel de exames, uma beleza! Entrei na banheira, andei pelo quarto, fiz tudo que meu corpo pedia. A medidam e marido se revezavam para fazer massagens na minha lombar — outra diferença em relação ao primeiro trabalho de parto, quando eu não queria ninguém pensando em encostar a mão em mim, menos ainda durante as contrações!
Antes de deixar o plantão, a midwife perguntou se podia fazer um toque. Autorizei, até porque eu estava muito curiosa e bem tranquila. Ela mediu e eu estava com 4cm. Debi, esse era o nome dela, uma vovozinha fofa e de voz calma, se despediu e começou o plantão da Barbara. Bróder, meu santo não cruzou com o dela! Nem no pré-natal, nem na hora, nem depois. Ela foi muito correta durante meu TP, mas foi só isso. Sei lá, não deu aquele clique legal, sabe?
Bom, como eu não tinha escolha, foquei no trabalho de parto, tentando me desconectar do mundo ao redor e mergulhar no processo, em mim, buscando me conectar de maneira profunda com meu filho.
Eu fechava os olhos, abria a boca, relaxava os músculos faciais, vocalizava e buscava a melhor posição. Naquelas horas de trabalho de parto latente, usei bola, banheira, massagens, cama, chão, banqueta, tudo! Exauri os recursos do quarto.
A coisa começou a engrenar às 10 da manhã. Entrei, nitidamente, na fase ativa. Já estava mais aérea e distante das pessoas ao redor, as contrações vinham bem doloridas e eu já estava começando a xingar — um hit para meus partos desde 2012. Também a memória ficou confusa, parece que tudo foi um grande embolado de sensações e não um continuum de tempo e fatos. Sei que tomei mais caldo de galinha, chupei gelo, mudei bastante de posição porque todas doíam muito, em algum momento parei de falar "oh my goodness" e comecei a berrar, urrar e gritar "oh my fucking goodness", porque, sim, ao contrário do que eu imaginei, eu pari em inglês, e isso fez com que meu lado racional ficasse alerta e operante durante toooooooodo o TP! Isso foi beeeem diferente em relação ao primeiro parto, e dessa vez eu não consegui mergulhar naquele estado de entrega absoluta, porque eu precisava estar presente e responder de maneira coerente à equipe que mal me conhecia — mesmo a Barbara tinha me visto uma única vez durante o pré-natal
Quando chegamos perto de meio-dia, Barbara pediu para fazer novo toque. Deixei. Estava com 8cm.
Nessa hora eu me desesperei!
(Continua na próxima postagem)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O parto — parte 1

Eu estava finalmente dormindo. Tinha tomado um remédio para insônia, porque nos últimos meses de gravidez estava bem difícil dormir. No meu sonho, eu sentia contrações e ia para o hospital. Chegando lá, a única sala de parto com banheira estava ocupada por uma japonesa. E eu falava "não acredito que mais uma vez eu não vou ter o quarto com banheira por causa de uma japonesa".
Acordei rindo, porque não teve nada disso no primeiro parto e eu estava em casa ainda, grávida de 40 semanas e 2 dias, conformada de que Gael nasceria só depois das 41 semanas.
Mas aí, meu riso virou surpresa, porque o que me fez acordar não foi a japonesa ladra de banheira, nem a insônia insistente, mas sim contrações. As contrações que eu vinha sentindo no sonho eram reais!
Comecei a cronometrar. Estavam vindo mais ou menos de 2 em 2 minutos.
Acordei marido e disse "alô, povão, agora é sério :chora cavaco!". Começamos a entrar em semi pânico juntos.
Era madrugada, contrações bem juntinhas, segundo filho — que geralmente nasce mais rápido que o primeiro, é isso no meu caso era meio assustador porque eu tive um TP ativo rápido para uma primípara. Nossas principais preocupações eram deixar Arthur bem com um amigo que mora aqui perto e chegar no hospital a tempo, sem parir no uber, sem sujar o carro alheio.
Liguei para a midwife, mesmo sabendo que ainda era muito cedo, porque eu precisava de respaldo profissional no monitoramento das contrações. Eu ainda achava que iria conseguir desligar meu lado racional e mergulhar fundo no trabalho de parto.
Ela confirmou que era cedo e que, apesar do curto espaço entre contrações e da possibilidade de ter um parto rápido, eu ainda estava sem sinais de TP ativo, com contrações fracas.
Fiquei em casa monitorando, portanto, por algumas horas. Sempre ligando para a midwife e tentando contato com o amigo que cuidaria do Arthur. Quando ele finamente atendeu o telefone, decidimos que deixaríamos Arthur com ele e iríamos para o hospital em seguida. Acordamos Arthur, contamos que Gael estava chegando, perguntamos se ele preferia ir ao hospital conosco ou ficar na casa do amigo. Ele escolheu o amigo, e marido foi levá-lo lá — o amigo mora no quarteirão do lado.
De repente, esse amigo liga. Para a nossa sorte, ele tinha alugado um carro para ir buscar a irmã no aeroporto! Teríamos, então, carro para ir ao hospital e a irmã dele para cuidar do Arthur enquanto ele nos levava lá.
Arrumamos o que faltava na mala — que preparei de novo em cima da hora, coisa de alguns dias antes — e fomos. As contrações estavam mais fortes e continuavam nos 2 minutos de intervalo.
Cheguei no hospital — Felipe, o amigo, entrou com o carro na contramão da emergência, para dar aquela emoção — e fui para a ala da maternidade.
O hospital daqui é imeeeeeeenso, com várias especialidades e alas. Foi onde fiz o check-up cardíaco, onde levamos Arthur quando ele deu uma cambalhota de mal jeito e machucou o pescoço alguns dias antes (eu estava de 39 semanas e tal!), enfim, é um hospital bem grande mesmo.
Na recepção, me fizeram assinar o tempo de consentimento e de ciência (de que poderia morrer em decorrência de complicações, algo bem legal), colocaram uma pulseira de identificação em mim e me encaminharam para o quarto. A midwife da clínica estava lá, preenchendo papéis, e disse que já iria nos encontrar. Pedi que me colocassem no quarto com banheira e... não tinha japonesa alguma ocupando o lugar, e a midwife já tinha reservado ele para mim.
Aqui, as coisas funcionam no sistema de plantão. Ao menos na clínica que escolhi. A midwife que estava de plantão não era a minha favorita. Na verdade, nem curtia muito ela. Mas ao longo do trabalho de parto me afeiçoei a ela e foi difícil a troca do plantão!
Entrei no quarto com marido, a midwife veio logo atrás.
(Continua na próxima postagem)