quarta-feira, 27 de julho de 2016

Mãe carrasca

Arthur resolveu comer. Foi até a geladeira, abriu a porta e já ia escolhendo umas uvas quando eu vetei.
Não. Já tinha dado o aviso dos cinco minutos para o jantar.
Ele ficou chateado, claro. Disse que estava com fome, argumentei que tinha o jantar, disse que não queria agora. Negociamos.
Expliquei que ele podia comer salada. Qualquer verdura ou legume que escolhesse. Ele quis alface.
Tentou, então, beber leite. Não antes do jantar, expliquei. Pediu água. Me senti carrasca.
Aí, me chamou para sentar ao lado dele no quarto, disse que queria conversar. Pousou o pote com alface na cadeira, a garrafa de água também e conversou. Conversamos.
No meio da conversa, ele avisa que a alface era pipoca e a água era leite com chocolate.
E eu ali, vendo meu menino comer alface e beber água, me sentindo a mãe mais carrasca do mundo.
Queria fazer todas as vontades, fazer as coisas difíceis por ele, isolar sua alminha pura de todas as coisas ruins, frustrantes, decepcionantes, amedrontadoras e doídas do mundo. Mas não posso.
É muito duro ser mãe, porque, às vezes, é preciso o algoz da pessoa que você mais ama na vida. É muito ruim fazer o bem sendo ruim. Ruim naquela hora, negadora, cerceadora, não raro apenas observadora - de quando, por exemplo, cai e se machuca depois de ter sido advertido tantas vezes. Ruim para fazer calejar, permitir nascer o bem, o controle, a auto-estima, a força, a confiança, a percepção de si e do outro. Ruim para nutrir, cuidar, proteger, mas sem alijar.
É duro. Ando dorida. Ando partida. Verduga. Continente contendo o mar bravio que se derrama da infância tempestuosa.

4 comentários:

  1. Mãe carrasca hoje para mãe perfeita amanhã. Isso tudo não é em vão. Sabemos que educar dói mais em nós do que neles muitas vezes. Admiro muito pais que conseguem manter sua posição em meio a esse sentimento de que estamos sendo os pais mais chatos do mundo.
    Beijos.
    jovensmaesblog.blogspot.com

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  2. Te entendo perfeitamente....ainda mais no meu caso...com os avós dizendo sim pra tudo e eu com a maioria dos não.
    Eu tento pensar que é como vacina...poxa vacina machuca...ninguém quer machucar um filho, mas é necessária.
    Minha mãe sempre usou a frase "antes debaixo do meu chinelo do que apanhando dos outros na rua"...eu não bato (apanhei muito...era terrível...rs), mas acho que o não de agora vai torna-lá alguém melhor...bem melhor no futuro!
    Beijos

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