segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Sobre estar aqui

Quase todas as pessoas para quem eu conto que estou passando um tempo na Bélgica comentam comigos coisas do tipo "nossa, quem me dera!" ou "ah, que máximo!" ou "um sonho! uma maravilha!". E emendam com um "aproveite!".
Não chega a me irritar, mas acho curioso como as pessoas têm uma ideia completamente equivocada do que significa, na vida real, morar fora, sobretudo em um lugar temporário.
Se eu tivesse grana, a história toda seria diferente, porque eu poderia viajar e passear e curtir a ideia de "morar na Europa" que as pessoas têm. Mas como não tenho grana e a pouca que tenho está comprometida com coisas supérfluas, tipo pagar um teto e comer, então morar fora significa mesmo é passar perrengue em outras línguas e com as quatro estações do ano bem marcadas.
Também não estou reclamando. Nem posso. Mesmo com os perrengues é uma coisa incrível estar aqui, ver e viver coisas que eu nunca veria ou viveria no Brasil (para o bem e para o mal), perceber que estou começando a pescar uma ou outra palavra em holandês (palavras escritas, que fique bem claro, porque para as faladas eu precisaria de mais uns cinco anos aqui), comer chocolate bom todos os dias e beber cerveja famosa pagando bem menos.
Acho que estou desabafando, aqui, no meu cantinho, porque quando as pessoas me respondem, com os olhinhos brilhando, noooooooossa, que beleza morar na Bélgica, eu não posso e nem quero falar que é muito chato e deprimente ficar em um lugar onde só chove, ou que me sinto frustrada por ver meu filho sem conseguir se comunicar com as outras crianças porque as línguas não são compatíveis, ou que tem dias que me cansa pedalar e trepidar nos paralelepípedos das ruas centenárias da cidade só para ir até o centro ver gente e não deprimir, ou que a rotina avança nos dias mesmo falando holandês, ou que cuidar do pequeno 24h por dia não me deixa espaço (interno) para organizar outras coisas da minha vida, ou que estar com as malas já lotadas e não poder comprar materiais e brinquedos para distrair uma criança que não consegue brincar com outras crianças e que passa muitos dias enfiada dentro de casa porque lá fora está chovendo e fazendo 5 graus é mais do que frustrante, é exasperante!
Às vezes sinto como se eu subaproveitasse a oportunidade, mas não vejo muitas soluções, sinceramente. Ao menos, não vejo soluções que caibam no meu orçamento ou na gincana na qual parece que entramos em 2011 e da qual nunca saímos. Viajar não é uma possibilidade. Passear, comer fora, conhecer restaurantes e museus, tudo isso custa dinheiro (euros, não se esqueçam) e não é exatamente recebido com gritinhos de alegria pelo meu bólido.
Estar aqui é ótimo, mas muitas vezes se parece com estar em qualquer outro lugar do mundo. Sou grata pela oportunidade, mas não é raro que eu precise dar um sorriso amarelo ou uma resposta educada para as pessoas que vibram com a minha estada aqui, como se morar na Bélgica de repente sanasse todos os problemas do mundo e solucionasse boa parte das angústias medíocres que vivo. Estar aqui não é passear aqui, não é estar de férias aqui, não é apreciar tudo o que a Bélgica tem de melhor a nos oferecer. Estar aqui é ser estrangeira, e continuar sem grana, e ter rotina (sobretudo com e por causa do pequeno), e fazer supermercado com meia dúzia de frutas disponíveis, e lavar roupa (na máquina dentro de casa. LUXO!), cozinhar (blergh!), lavar privada, varrer chão, arrumar entretenimento, arrumar tempo para não deixar a peteca cair, se lembrar de que acabou o guardanapo e o café, é saber que em poucos dias estaremos empacotando tudo de novo, entrando num avião de novo, indo de novo para mais uma temporada temporária em outro país.
Estar aqui é fazer o estar aqui fazer sentido, enquanto estamos aqui. Faz sentido nossos passeios bestas para não pirar, faz sentido nossas tradições recém-inventadas, faz sentido abrirmos as exceções que abrimos e mantermos o que mantivemos. Estar aqui é, de verdade, estar aqui. A cada segundo. Sem espaço para idealizações. E isso é legal na mesma medida que é difícil. Estar.

5 comentários:

  1. Nossa!
    Acho que senti o que você sente lendo isso...eu confesso ter vontade de conhecer outros países, mas nunca pra morar...principalmente os muito frios...eu sou o tipo de pessoa que já fica pra baixo com um dia nublado...imagina em algum lugar do mundo que tenha uma "estação nublada"...fora a questão da língua...acho que realmente não é pra mim (fora que eu não sou a fã de mudança...rs).
    Passear e com dinheiro é outra coisa...!
    Aguardando o próximo post!
    Beijos

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  2. Queria conseguir fazer um comentário engraçadinho, mas não consegui pensar em nada.
    Idealizar e fantasiar sobre pessoas com realidades fantásticas onde não há espaço para problemas parece facilitar carregar o peso da nossa realidade. "Ah se eu morasse na Bélgica com lixo separadinho eu seria mais magra, as crianças mais educadas, o marido mais bem dotado. Tudo seria mais fácil."

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  3. Acho que eu fui uma das que falou "Noooosa, Bélgica, aproveite". Já morei fora (quando criança por 2 anos, aos 21 anos por 4 meses e aos 26 por quase 2 anos) e claro que tive momentos ruins, de tédio, de falta de grana também, de querer viajar pra um país que ficava a 1 hora da cidade onde eu vivia e não poder. Aos 21, tive uma experiência muito ruim, chorei vários dias e quis voltar pro Brasil. E, quando voltei, senti falta até das más experiências que tive e pude perceber o quanto foram importantes pra minha formação e vivência. Quando ouço uma música daquela época, me teletransporto e é um turbilhão de emoções (ok, isso acontece tb com músicas e momentos do Brasil, mas acho que deu pra entender meu ponto). Dqui a alguns meses você já estará até sentindo saudades da chuva de Ghent (Tá, talvez não da chuva, quem sabe da aranha?).

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  4. E fazer brinquedo de artes com papelão, pintar? Bibliotecas? Ir na escola dominical conhecer gente que gosta de gente e te oferecem um
    Café com um sorriso no rosto? Procure brasileiros que seguramente tem, no mínimo portugueses!!! Bom
    ânimo, toda fase tem
    os dois lados!

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  5. Esqueci te te falar das Luditecas (Ludothek!) em alemão, é uma biblioteca de brinquedos para trazer para casa como os livro e vc ainda pode renovar a data da entrega se gostou muito do brinquedo. Precisa apenas preencher o formulário e pagar uma taxa simbólica. Tem tbm os ma-ra-vi-lho-sos brechós com peças super selecionadas e novinhas. Se aceita apenas tudo muito conservada e sem uma manchinha sequer.
    Nesses brechós tbm tem muitas roupas GRÁTIS, sim, seguindo o mesmo padrão, grátis mais perfeitinho!
    Se congregue pois o povo das igrejas se movem bem mais nesse sentido mas a prefeitura tbm faz.
    Na igreja tem muitas pessoas juntas para te dar muiiiitas informações bacanas!
    Te desejo bênçãos é muitos sorrisos, nunca esqueça de sua fé e que tudo te servirá de experiência e histórias para seus netinhos! Big bj e torcendo por vcs! Muito!

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