sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O drama das malas (e outras histórias)

[Vai amamentar porque é textão!]

Já falei que eram cinco. E já falei que teve drama. Mas acho que ninguém imagina o nível de drama. Só de lembrar me dá vontade de chorar, de jogar todos os meus trapos numa fogueira de adoração ao minimalismo e até mesmo virar adepta ao naturalismo, quem sabe? Afinal, ainda temos no horizonte Brasil, Angola e Chicago de volta. Com as malas.
Tudo começou, óbvio, em Chicago.
A casa era pequena, mas não era minúscula, e a quantidade de tralha que a gente acumula ao longo dos anos é realmente impressionante. Como disse marido, até hoje a gente espera a ligação do guarda-móveis dizendo que a porta de aço do nosso cubículo explodiu de tão cheio que ele estava.
Mas então, ainda lá em Chicago a gente fez a triagem das coisas que seriam guardadas e das que seriam descartadas. Muita coisa foi embora, muita coisa ficou, mas a gente ainda tinha as malas a serem feitas.
Começou o drama do combo amplitudes térmicas + crescimento do Arthur + não saber como lavaremos roupa em Angola. Tentei montar uma mala enxuta, mas existem coisas que precisavam vir com a gente, para dar a Arthur um sentido de continuidade, de pertencimento à próxima casa, né? Eu entendo que vamos ficar um ano fora, que é provisório, que as coisas profundas que compõem um lar não vão dentro da mala, mas dentro da gente. Acontece que Arthur tem 4 anos e não estava curtindo nada aquele bando de "encaixota", "joga fora", "doa".
Bom, fizemos nossas sete malas. Sete? Ué, não eram cinco?
Calma! Eu chego lá.
Fizemos sete malas na véspera de levar as coisas para o guarda-móveis, em meio a um processo de "desentulhamento" nunca visto antes, em meio a uma obsessiva limpeza de cantinhos e detalhes para não pagar multa (tem uma lista de coisas que você precisa limpar antes de entregar o apartamento - coisas, inclusive, que NÃO recebemos conforme o manual). Fizemos as malas logo depois que a última visita foi embora, porque, sim, tivemos 3 visitas nas semanas finais de encaixotamento. Fizemos as sete malas até de madrugada, mesmo sabendo que no dia seguinte, bem cedinho, nosso vizinho parça viria nos ajudar a carregar o caminhão com os móveis e as caixas que iriam ser armazenadas no guarda-móveis.
Pausa técnica: não sei se todo mundo sabe, eu não sabia, então vou contar. Sabe como as pessoas se mudam nos EUA? Tem duas maneiras que eu conheço: você contrata um caminhão com gente para transportar suas tralhas e deixa um rim como forma de pagamento, ou você contrata um caminhão, que será dirigido e carregado por você, e faz tudo por conta própria mesmo. Adivinhem qual foi a nossa "opção"? Isso mesmo. Alugamos um caminhãozinho que, com a ajuda do nosso vizinho camarada-salvador-da-pátria, enchemos com nossos móveis e tralhas a serem levados para o guarda-móveis. Lá no guarda-móveis, a mesma história: você faz tudo. Era um dia quente. Eu achei que fosse ter um treco, juro! Suei como se estivesse na UERJ nos áureos tempos adolescentes, dentro daquelas salas de aula sem ar nem ventilador e que refratavam os 50 graus do Maracanã para dentro das paredes de concreto. Carreguei muito peso, levantei caixas maiores que eu, equilibrei tralhas em posições que dariam inveja ao mais flexível praticante do Kama Sutra, fiz caber em um espaço de 25 pés quadrados (seja lá quanto for isso) três anos de Chicago + lembranças imperdíveis de 30 anos no Brasil. Ou seja: coisa bagarái. Devo tudo isso aos meus anos de prática com Tetris. 
Mas voltemos às malas.
As malas, então, ficaram ali no apartamento, semi-abertas, porque não tínhamos mais cabides, nem cômodas, nem nada. Na verdade, tínhamos tudo isso, mas guardado ou esvaziado.
Pois bem, fizemos o transporte das coisas, voltamos para um apartamento cheio de eco com as malas, e só as malas, já que todos os móveis estavam guardados. Foram dois dias até irmos para o hotel onde ficamos nos dois dias anteriores à viagem. Dois dias tensos. Dois dias desconfortáveis, dormindo no chão (menos Arthur, que ficou com o sofá velho que depois jogamos fora), comendo comida congelada com talheres de plástico e muitas outras coisinhas altamente precárias.
As malas, sete, não cabiam em um táxi comum. Uber XL era caro. Táxi XL idem. Decidimos, então, aproveitar a minivan que tínhamos alugado para levar tudo até o hotel. O carro não entrava na garagem porque era mais alto que as vigas, então manobramos com a ajuda do garagista, que vendo nós três descarregar malas e mais malas (e um painel solar IMENSO), perguntou se iríamos ficar meses, ao que respondemos "dois dias". Queria ter tirado foto da cara do homem. ahahah
Bom, primeiro dia foi dedicado a deitar nas camas macias e limpas do hotel, a tomar banhos quentes e longos, comer comida quente e prearada na hora, a ir à piscina e... a resolver milhares de pepinos que surgiram de última hora, o que anulou por completo nossas tentativas de desestressar. Lista esta que incluiu sair para comprar uma mala nova, bem grandona, porque descobrimos que uma das nossas tinha se quebrado. Que beleza!
Bom, o outro dia já era a véspera da viagem, então precisaríamos terminar de resolver a pepinada (que parecia, na verdade, um bando de ratos se reproduzindo alucinadamente) e começar a focar no deslocamento em si, nos processos de saída e chegada em dois países diferentes e essas coisas que vocês devem saber. Corre daqui, corre dali, a noite chegou, Arthur dormiu e fomos passar o pente fino no quarto (para não deixar nada para trás), nos documentos (idem) e, claro, reorganizar as malas. Tudo lindo, tudo maravilhoso, tudo fluindo. Até que marido resolveu cuidar da nossa chegada em Ghent (vou escrever o nome da cidade em inglês mesmo porque acho caído Gante). Decidimos agendar um serviço de shuttle e lá no contrato vinha dizendo que eles não cobravam as malas "normais", uma por passageiro mais a de mão. Opa! Acendeu o alerta vermelho e marido foi ver no site da companhia aérea. Eu, atrás dele, afirmava, convicta: claaaaro que são duas malas de até 32kg para cada um! Óbvio!
ahahahahahahahaha (riam comigo)
Lemos e relemos diversas vezes para nos certificarmos de que, sim, pela primeiríssima vez na vida (cof! cof!) eu estava errada. As regras para viagens ao Brasil são as que falei: duas malas de até 32kg. Mas, para a Europa, é uma malinha só e o peso não pode ultrapassar 23kg.
Neste momento, um letreiro luminoso se acendeu em minha testa, piscando em neon vermelho: FODEU! FODEU! FODEU!
Eram onze da noite, véspera da nossa fucking viagem, e tínhamos acabado de descobrir que precisaríamos deixar QUATRO das malas que estavam conosco. Como fazer isso? Onde colocar as QUATRO malas que precisaríamos deixar? A que horas terminaríamos de fazer tudo?
Nessa hora eu tive vontade de deitar em posição fetal e chorar até dormir. Mas eu dormiria rápido, e era véspera da viagem, então a única possibilidade era abrir TODAS - vou repetir - T-O-D-A-S as nossas malas e ver, peça por peça, o que iria e o que ficaria.
Conseguimos, com muito suor e esforço. As malas, que eram sete (fora as de mão e o painel solar), se transformaram em três + duas de mão. Marido ainda teria a árdua missão de levar e encaixar, sabe-se lá como e onde, as quatro malas remanescentes no nosso depósito já abarrotado até o teto (literalmente)!
Eram duas e meia da manhã quando fechamos o último zíper. Exaustos, desmaiamos por algumas horas, até que fomos acordados pelo despertador e recomeçou a correria: corre para tomar café, corre para pegar um táxi e levar as malas até o guarda-móveis, corre para fazer check-out, corre para dar tchau para os bibliotecários (sim, importantíssimo para nós), corre para resolver os últimos pepinos que exigiam nossa presença física, corre, corre, corre. Corra, Ártemis, corra! No primeiro final, Ártemis e família não conseguem. No segundo final, Ártemis e família se separam, marido embarca sozinho, ela e Arthur choram porque não conseguiram completar as etapas obrigatórias da gincana e perderam os passaportes. Mas no terceiro final, que foi o que decidi viver, tudo deu certo, aos trancos e barrancos, e fomos de táxi XL, falando francês, até chegarmos ao aeroporto.
(continua...)

4 comentários:

  1. uau! estou adorando muito estes posts todos! conta mais!

    ResponderExcluir
  2. Eu senti seu desespero, mas confesso, não deixei de rir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. ahhaha
      pior é que eu também ri. Porque, né, tem que rir para não chorar!
      ;)

      Excluir