segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Compras

Assim que a porta se fecha eu me arrependo. Vejam bem, é uma necessidade. Se eu tivesse escolha, não ia. Mas se eu não vou, o que acontece? Fome. Choro. Ranger de dentes. Mãe desmaiando. Então, eu preciso ir.
A vontade é de vestir armadura e ir urrando pelo caminho, já que é papo de matar um leão. Um leão por dia. Porque não tenho carro e preciso fazer as compras de supermercado a pé, no meio da neve, com Arthur a tiracolo. Ou melhor, no carrinho. Ou melhor, no carrinho quando ele quer entrar. Ou melhor, no carrinho quando eu consigo colocá-lo lá dentro antes que ele escorregue por baixo da barra de segurança me dando vários choquinhos por causa da estática do casacão friccionando-se contra o tecido do carrinho.
No topo da escada, eu estou com Arthur no colo (ou no chão, tentando se jogar escada abaixo, já que ele ainda não sabe descer direito), o meu casaco, o casaco dele, luvas, cachecol, gorros e a chave de casa. Trancar a porta é luxo. Chegar com o coque ainda preso lá embaixo, também.
A vontade é de voltar correndo, me jogar no sofá e ler um livro a tarde toda. Mas se eu não for ao supermercado, fico com fome. Ou melhor: ficamos. E como agora não sou a única por aqui, visto a armadura (virtual) e desço quatro lances de escada, espeto filhote no carrinho e saio arrastando neve e mais neve por aí.
Invariavelmente chego no supermercado (que fica a uns quatro quarteirões daqui de casa) suada onde coberta, gelada onde exposta e meio rouca, de tanto ficar matraqueando no frio para distrair Arthur.
Lá dentro, táticas de guerrilha, pois o leão espreita: carne ou frango, arroz, feijão, frutas, verduras e legumes, suco, outro item de necessidade imediata. Não posso comprar muito porque não tenho como carregar tudo de uma só vez: se estou de carrinho de bebê não posso pegar o carrinho de compras; mas se vou sem carrinho de bebê, não posso comprar muitas coisas já que não dou conta de carregar compras + bebê + roupas minhas e do bebê. Também o carrinho é meio fuleira e anda mais para lá do que para cá. Não convém sobrecarregar.
Pago. Ensaco. Arrumo no carrinho, na mochila, e volto.
O leão ainda espreita: às vezes preciso comprar uma barrinha de cereal porque a saída é tão complexa que acabo morrendo de fome no supermercado mesmo, e para não desmaiar, vou comendo pelo caminho. Comendo e arrastando carrinho, bebê, compras, roupas e neve. Muita neve. Neve a dar com pau. Neve de se atolar, de se perder, de fazer pocinha de água suja iguaizinhas às do Rio. Neve branca, neve preta, neve cinza, até neve amarela de xixi de cachorro. Neve. Neve socada e firme. Neve fofa e soltinha. Neve que cai do céu, que voa do chão e dos telhados, neve que vem até na horizontal, sabe-se lá de onde, porque aqui nessa terra batem uns ventos muito loucos!
Coberta de neve, chego à portaria.
Não tem porteiro, então preciso abrir e fechar a mão diversas vezes, para que o sangue volte a fluir e eu consiga mover os dedos e pegar a chave. Calço sempre duas luvas, mas não bastam. Já comprei luvas de todos os tipos e formatos e elas ainda assim deixam minha mão gelada. Paciência. Vai ver um duende enfia neve dentro da luva. Vai ver sou sensível. Vai ver eu me acostumo.
Entrar na portaria às vezes é fácil, mas geralmente complica porque a porta é pesada e preciso encontrar o sutil equilíbrio entre erguer as rodas dianteiras do carrinho enquanto o puxo, e com a perna, chutar a porta (que delicadeza!) para que ela se abra. Agora tenho músculos firmes nas pernas. Mas o equilíbrio é o segredo, para que o carrinho não tombe para trás, nem eu caia de bunda ou de cara. Já virei o carrinho uma vez. Arthur, felizmente, estava do lado de fora, com o pai. Porém, geralmente estou sozinha, com Arthur dentro do carrinho, então é importante manter o equilíbrio.
Aliás, é sempre muito importante manter o equilíbrio. Dentro de casa, fora dela, ou entrando nela.
Entrar na portaria é fácil. Duro é abrir a segunda porta e estacionar o carrinho e retirar as sacolas e o pequeno e subir com tudo: compras, bebê, roupas. O carrinho fiz um acordo e fica mesmo na portaria, amém!
Geralmente respiro fundo (que é para não endoidecer logo de manhã) e faço tiros de lances, nova modalidade olímpica para 2016. Sabem como é? Você coloca o bebê no chão, pede para ele ficar quietinho e esperar, sobe correndo, pulando de 2 em 2 degraus o primeiro lance de escada com as compras todas nas mãos. Pousa as sacolas, desce correndo para evitar que o bebê suba as escadas sozinho, agarra o filhote, sobre com ele, pousando-o ao lado das compras. Daí, você fala para ele esperar um pouquinho, quietinho, passa a mão nas sacolas mais uma vez, sobe correndo, pousa as compras, volta, pega o moleque, pousa o moleque...
São quatro lances de escada. Tô craque!
Às vezes estou ousada: subo com tudo dando um foda-se à minha resistência patética. Quatro lances de escada com bebê, roupas, compras e chave na mão. Se tiver correspondência, também levo. Chego suada, esbaforida, achando que vou morrer. Mas não tem a adrenalina de ficar olhando Arthur para que, ao menor movimento em direção à escada, eu dê um triplo twist mortal para trás e segure o menino, mesmo às custas de ovos se quebrando ou compras se esparramando escadaria abaixo (sim, já aconteceu comigo. As duas coisas).
Há também os dias em que estou paciente, ou cansada, ou temerosa (a gente conhece os filhos, e quando eles acordam na vibe de fazer besteira, melhor não arriscar). Nesses dias eu costumo soltar Arthur na escada e subir escorando ele, carregando tudo, e chegando em casa cerca de meia hora depois de ter entrado na portaria.
Já tentei também deixar filhote no carrinho, subir correndo com todas as compras e voltar num pulo para buscá-lo. Mas não curti. Foi rápido, é seguro, mas tenho medo de alguém entrar (a louca, já que só quem tem chave entra) e levar meu filho, de ele chorar ou se sentir abandonado.
Já tentei dividir as compras em partes e ir subindo com elas e com Arthur no colo. Mas quase morri e achei que enquanto eu não treinar para triatlo, não vale o risco de infarte.
Também já arrisquei subir, pegar sling, colocar Arthur lá dentro e subir com as compras e com ele no sling. funcionou em termos, pois filhote ficou meio frustrado quando voltamos para casa e não demos uma nova voltinha.
Enfim, cada dia é uma técnica nova, mas sempre que chego à porta de casa rola o estresse da abertura da porta. Mesmo se não deu tempo de trancar, eu vou precisar empurrar a porta (pesada), enfiar compras e Arthur dentro de casa ao mesmo tempo em que descalço nossas botas cheias de neve e as deixo na entrada de casa. Costumo ter de interromper a missão umas duas ou três vezes para evitar que Arthur se atire lá embaixo ou que jogue nossas compras pelo corredor do prédio. Também evito subidas para o andar de cima e abertura de embalagens, sobretudo das caixas de ovos, que são incrivelmente tentadoras. Tão tentadoras que guardei uma para virar caminhão para ele brincar!
Enfim, eu sei que deveria, como a Aline sugeriu, tirar uma foto ilustrativa do caos. Mas pergunto: onde vou enfiar uma câmera no meio dessa situação?
É favor não responder.
Obrigada.

4 comentários:

  1. Olá sou a Daniele.Nova aqui no teu blog, mas estou amando ler. Não sou de fazer comentário, mas este tive que comentar algo.
    Primeiro quero te dar os parabéns por esta jornada você é ninja só pode.Cruz credo nunca mais irei reclamar de um lance de escada aqui no meu prédio carregando o meu filho com as compras.Depois desta tua me sinto uma fracote.Nossa me deu pena de ti.Não tem como teu maridão fazer estas compras?

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  2. Ser mãe é padecer no paraíso.
    Nunca tive tanta certeza disso!
    Parabens pela garra, viu?
    Somos mais guerreiras do que pensamos!
    Muita força e muitos gluteos malhados pelas escadas! Você será recompensada com cada "mamae, eu te amo". :))

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  3. Não dá pra pedir pro marido fazer as compras?

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  4. Eita que a gestante (cof cof) aqui ficou cansada... Vou ali tirar um cochilo e já volto...

    (parabéns, mulher!!!)

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