quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A rotina e Nietzsche

Eu invejo quem tem rotina certinha. Aliás, na mesma medida em que invejo a tal pessoa, dela desconfio, pois como, COMO?, é possível cumprir ritualisticamente funções e atividades todos os dias? São tantas as variáveis, em todos os níveis de tarefas, que, sinceramente, acho um milagre comermos três refeições e dois lanches diariamente.
Tudo começa na madrugada. Se Arthur dorme bem, geralmente acorda de bom humor. Pode ser que acorde bem-humorado e com a pá virada, pode ser que acorde bem-humorado e calmo, dócil e meigo. Quem sabe? Se ele dorme mal, porém, costuma acordar cansado, o que pode levar a um humor meio estranho. Ou não. Cansado, pode ou não ficar mais calmo, ou mais agitado, ou mais levado, ou irritadiço. Mas a variável da madrugada não termina aí, porque eu também entro na jogada, e o meu sono, se foi bom, ruim, suficiente (não existe muito na maternidade) ou pouco, tudo isso vai influenciar na rotina do dia seguinte, já que serei eu fazendo coisas com e para Arthur.
Complexo? Assustador? Mas nós ainda nem começamos a fazer nada. Estamos nos preâmbulos, no prólogo da história cotidiana, que, se você quer mesmo saber, não deveria se chamar rotina, mas sim caostina.
O caos se instaura quando abro os olhos. Invariavelmente, Arthur já está saindo da cama, o que me faz correr porta do quarto afora, a fim de evitar artes e peraltices. E o caos continua ao longo do dia. Cada microtarefa tem a potencialidade da tragédia. Um lápis na mão e uma folha de papel em branco sobre a mesa? Tanto pode gerar um lindo desenho de rabiscos quanto: uma mão cortada pelo papel; lápis no olho da criança; lápis no olho da mãe da criança; lápis na orelha, perfurando o tímpano; lápis na parede; papel no chão, transformando-se, segundos mais tarde, numa superfície deslizante; entre outras zilhões de possibilidades.
Realizar as tarefas enquanto cuido do pequeno é jogar com o imprevisível, que pode vir com uma surpresa incrível nas mãos, tipo uma nova palavra aprendida pelo pequeno ou um pratão comido no almoço, como também pode acenar com o caos absolutamente enlouquecedor de um pequeno ser correndo pelado pela casa enquanto eu tento, sem qualquer êxito, enfiar, pelo menos, a fraldinha naquela bundinha livre, leve e solta. Poças de xixi, carinho no bichinho de pelúcia, uma subida perigosa numa cadeira arrastada para perto do fogão, uma tentativa de entrar sozinho (de cabeça) na banheira, uma leitura pacata e compenetrada no livro favorito, a espera paciente pelo fim do processo de cortar uma cebola, batidas com um objeto pesado no vidro da janela; a cabeça de um bebê é território inescrutável.
Com isso, meus dias de caostina são nietzschenianos: o eterno retorno, a vida que se repete tim-tim por tim-tim, a vida que traz, na potencialidade de se desdobrar de infinitas maneiras, a eternidade na duração de um dia.
Sendo assim, porque todas as rotinas maternas são, essencialmente iguais, é que eu desconfio de quem diz que traz tudo sob controle.
Maternar é viver no limite do incontrolável.

2 comentários:

  1. Me sentia exatamente assim qdo o Felipe era menor. Mas, ao mesmo tempo eu tinha uma rotina diária. Porque eu precisava dessa rotina, pq com ela tudo era mais calmo e tranquilo, e se não era tão calmo assim pelo menos era previsível. A gente quando é mãe de criança pequena já tem tantos imprevistos para lidar, que uma rotina(nem que for meia boca) nos deixa menos louca.rsrsr

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  2. Eu tb invejo (e meio que duvido delas...) mães que têm rotina certinha. Por aqui, qdo tudo se encaixa perfeitamente, fico tão, mas tão feliz!!! aquele dia em que tudo ou quase tudo que vc programa acontece, sabe? raro.
    bjo

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