quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Diário de um inferno

São seis da manhã. Acordei por força do hábito, mas não quero me levantar. Nesse então momento, tudo é perfeitamente estável e eu não quero estragar a sensação do nada, de não sentir nada, apenas meu coração batendo.
Mas minha boca está seca, porque o aquecedor funcionou a noite inteira, por isso me levanto, bem devagar, tentando me mexer o mínimo possível, e vou até o banheiro encher meu copo com água bem gelada. Bebo. Encho o copo outra vez, mas sei que, apesar de ainda estar com sede, não posso beber mais. Preciso esperar a água ser absorvida, se não dói meu estômago.
Volto para o quarto e o líquido na barriga já pesa no estômago e o gosto em minha boca me deixa enjoada. Coloco debaixo da língua o comprimido anti enjoo. Ele se dissolve em um gosto tenebroso e vou bebericando a água para não enjoar do remédio que me ajudará a não enjoar tanto. Deito na cama. Vem uma vontade grande de arrotar. O arroto tem gosto do remédio e do meu estômago vazio, e tudo isso me deixa enjoada.
Sei que se não comer alguma coisa imediatamente vou piorar a ponto de não conseguir sair da cama. Por isso, me levanto, vou até a cozinha de nariz tapado e pego uma fruta ou um queijo e volto correndo para o quarto.
Como devagar, sentindo cada pedaço pesar três quilos no estômago. Arroto mil vezes. Bebo água porque o gosto da fruta ou do queijo deixa um amargar esquisito na minha boca, e esse amargor me enjoa. A água pesa. A água me enjoa. Nesse momento me dou conta de que tenho nariz e de que o ar entrando pelas narinas faz minha mucosa arder, e isso me deixa enjoada.
Me deito de novo. Arroto. Estou de lado, sobre o lado esquerdo, mas tudo dói, porque devo ter passado a madrugada assim, então me viro, e tudo que está no meu estômago se vira junto comigo. Dói. E também me enjoa sentir esse movimento.  Fico quieta, mas minha barriga não. Ela dói, incomoda, produz muitos gases e gostos. Levanto, bebo água, deito de novo.
Arthur acorda. Sinto cheiro do café sendo feito lá na cozinha e isso me embrulha o estômago de tal modo que eu preciso respirar fundo, me concentrar. Mas respirar fundo faz a mucosa do meu nariz arder, e eu continuo enjoada.
Marido se levanta. Arthur se levanta. Eles fecham a porta e eu tento dormir, porque quando eu durmo não fico enjoada. Pego no sono, apesar da barriga cheia e incômoda. Arthur abre a porta. Quer brincar. O cheiro do café se juntou ao do pão, da panqueca, do iogurte e eu quero morrer. Arthur sai, fecha a porta. Durmo outra vez. Acordo com Arthur me pedindo para ajudá-lo com a roupa. Marido já fez o almoço do pequeno e a casa está gelada, porque todas as janelas foram abertas, todos os ventiladores estão ligados, a porta dos fundos está escancarada, o exaustor está a toda, mas ainda assim o cheiro de comida me golpeia e eu tenho a primeira ânsia do dia. Me concentro. Pego a roupa, ajudo Arthur a se vestir, aproveito para pegar outra coisa para tentar comer. Ultimamente, só me apetecem panqueca, queijo e iogurte. E frutas. Mas não posso só comer fruta, se não me dá azia. E enjoo. Alguém me traz o que eu pedi, porque não consigo chegar na cozinha com seus mil cheiros, aromas e fedores. Como muito devagar. Sinto cada grama de comida cair feito uma tonelada no estômago. Continuo muito enjoada. Geralmente não consigo terminar a panqueca, ou o queijo, ou o iogurte.
Marido leva Arthur para a escola. Eu estou enjoada até mesmo para andar, mas me arrasto até a cama, deito e tento achar um caminho para o sono entre arrotos, dores e enjoos.
O despertador toca às onze. Sim, eu acordo às onze da manhã, porque a noite anterior só terminou na alta madrugada, poucas horas antes das seis da manhã onde começou este post.
Eu estou ciente de que são onze da manhã e estou praticamente de jejum há quase 15 horas. Preciso comer algo. Me levanto, pego uns biscoitos salgados, mastigo sem vontade (detesto cream cracker), engulo com água. Vou até a cozinha já decidida e pego com muito custo a fruta, o queijo ou o que quer que tenha me apetecido. Com muito custo significa: de olhos semicerrados porque ver comidas e lixo me enjoa, de nariz tapado porque são muitos cheiros, correndo, para poder me sentar logo, porque estou fraca, tremendo.
Me sento à mesa, sozinha, cansada, enjoada, sem apetite. Mas preciso comer. Às vezes funciona e eu como o que me propus. Às vezes não dá, fico nauseada no meio do processo e paro, largando a comida na mesa mesmo, porque entrar na cozinha de novo não dá. Não agora, pelo menos.
Se comi, bebo um golinho de água e me sento no escritório, ligo o computador. Se não comi, volto para a cama e tento apagar da lembrança a náusea que a comida me causou. Às vezes durmo de novo, outras vezes fico só deitada, enjoada, sozinha, olhando para a parede.
Cerca de vinte minutos depois que comi sou acometida por uma náusea fortíssima, seguida de um estufamento que me causa muitos arrotos e dores. Costumo ter ânsias. Ficar sentada nessa hora não é uma opção. Volto para a cama, desistindo de trabalhar naquela hora. Ainda faltam duas ou três horas para poder tomar o remédio do enjoo outra vez. Eu estou muito enjoada. E com dor. E desconfortável, sem posição que me traga qualquer alívio. Fico me remexendo e começo a avaliar se vou conseguir ir buscar Arthur. Se não for conseguir, preciso avisar marido a tempo.
Esse desconforto do estufamento piora meu enjoo em 80%. Se eu fosse uma pessoa normal, vomitaria. Mas eu não sou normal, então fico só inutilizada, miserável, até falar causa ânsias.
Se vou buscar Arthur, vou e volto desesperada, com medo de vomitar na rua, com medo de desmaiar na rua. Se não vou buscar, estou tão mal que não consigo me mexer e fico na cama, às vezes consigo chegar no sofá.
Bebo água de novo. Não estou desidratada, mas faço uns três xixis por dia. E olhe lá!
Arthur chega com o pai. Ou eu chego com Arthur. Meu menino está feliz. Está com fome. Está cheio de coisas para contar e mostrar. Ele está querendo brincar, com saudade de casa e da mãe. Junto meus caquinhos, pego algo para ele comer, tem dias que consigo me deitar no chão para brincar de lego ou do que for, tem dias que eu coloco ele na cama comigo, para assistir a um milhão de vídeos.
São quatro da tarde e, apesar do remédio de enjoo, não consegui comer mais que uma panqueca, meio potinho de iogurte e dois pedaços de queijo. Dois copos de água. A essa altura, estou fraca, hipoglicêmica, enjoada e inapetente. Tudo em que penso me dá ânsias. Muitas.
Sobrevivo não sei como até marido chegar ou parar de trabalhar no escritório. Eu também precisava trabalhar, mas hoje não deu. De novo. Eu mal tenho forças para fazer xixi, e no banheiro, fico enjoada com os cheiros dos produtos, com meu cheiro corporal. Mas não consigo ficar de pé o tempo necessário para lavar meu cabelo. Não dá para lavar cabelo em banho de banheira. Adio o banho. Lembro que de manhã eu tentei escovar os dentes, mas a pasta de dentes me deixou tão enojada que nem consegui colocar a escova na boca. Ela ainda está ali na pia, como eu deixei há horas. Pego a escova. Tiro a pasta. O cheiro do sabonete da pia me dá ânsia. Me concentro. Coloco a escova na boca, mas as cerdas e o movimento de vaivém me dão ânsia. Paro. Desisto. É hora do jantar e eu preciso me trancar no quarto outra vez, porque marido vai cozinhar e eu vou morrer com o cheiro. Me fecho. Arthur entra às vezes, e com ele, o cheiro da comida, embora tudo esteja aberto e ligado lá fora do quarto.
Estou enjoada. A coisa vem em ondas. Quando tenho uma trégua peço um biscoito a alguém. Ou um queijo. Como feito uma lesma. Ainda enjoada. Em vinte minutos sei que vai doer o estômago. Mas uma dor diferente, porque aí me dou conta de que passei a tarde com o estômago ardendo por estar vazio. Bebo água. Microgoles.
Está na hora de escovar os dentes do Arthur. Tem dias que consigo. Tem dias que não. Hoje não consegui. Marido escova para mim. Vou ler os livrinhos. Mas para isso, preciso ficar de barriga para cima. Tudo dói. Tudo se movimenta dentro de mim. Fico enjoada demais. Me sento na cama umas cinco vezes para poder arrotar. Arthur finalmente dorme.
Saio da cama dele, me arrasto até a sala. Sento. Tento comer alguma coisa. Nada me apetece, estou com náuseas de fome. Forço. Como. Me sinto melhor, troco três palavras com marido (uma delas é sempre obrigada). Como uma fruta. Estou bem melhor. Deito na cama, pensando em aproveitar esse momento de bem estar para tentar dormir antes que tudo volte com força, porque vai voltar. Me aconchego. Fecho os olhos. Um arroto. Sento. Deito. Outro arroto. Sento. Deito. Uma ânsia. O estômago dilatou. Dói, estufado, e causa um enjoo vertiginoso. Me levanto, tento achar posição confortável. Nenhuma funciona. Ando até a sala. Volto para o quarto. Minha casa me aprisiona. Dá angústia. Passo cerca de quarenta minutos assim, sem conseguir me mexer, mas sem achar uma posição confortável. De repente melhoram as dores, mas volta o enjoo com tudo! Água. Enjoo. Já tomei o remédio, não posso fazer mais nada. Biscoito. Ou queijo. Ou fruta. Às vezes, pensar no que quero comer me provoca ânsia, náusea. Belisco. Tento escovar os dentes, mas não dá de novo. Deito. Levanto. Arroto. Deito. Sento. Enjoo. Já passa de meia-noite. Todo mundo dormiu. Menos eu. Levanto, pego mais um biscoito. Como sem vontade. Tem sorvete, arroz, feijão, verduras, chocolate, cogumelos, até um prato que marido trouxe do restaurante chinês. Mas eu só consigo pensar em biscoito, água e sal, aquele mais bobo, mais insosso. Como. Bebo água. Faço xixi. Deito. Sento. Arroto. Deito. Me viro. As coisas no estômago se reviram, eu enjoo. Tenho ânsia. Levanto, deito, arroto, bebo água. Viro, reviro, enjoo. Olho para o relógio pela última vez às quatro da manhã. Algum milagre acontece e eu durmo, finalmente!
Às seis horas eu abro o olho. Não quero acordar ainda, mas o aquecedor funcionou a noite toda, minha garganta está seca porque só bebo pequenos golinhos de água, eu me levanto...

2 comentários:

  1. Oi Ártemis! Só de ler isso fiquei angustiada de imaginar o que vc está passando... Espero que haja dias melhores! Força! bjs

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  2. Como tudo na maternidade "isso também vai passar". Muita força pra você!!!

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