quinta-feira, 25 de abril de 2013

À indiana

Por volta dos três meses de idade Arthur, num belo dia, mamou, mamou, mamou e, logo a seguir, vomitou. Não era uma golfadinha, não. Era quantidade. De bater no chão e fazer barulho, de escorrer pelo meu braço, fazer poça no chão (olá, vida escatológica!). Fiquei preocupada e aguardei mais um pouco para ver o que aconteceria. Mais alguns dias e ele continuava dando umas vomitadas e o pior: passara a acordar muitas vezes durante a noite, chorava, se retorcia e remexia. Assim, diante do quadro preocupante, ligamos para o pediatra que, por telefone mesmo, sugeriu que eu testasse uma dieta completamente livre de leite de vaca e derivados para ver como Arthur se comportava. Eu, que estava na fase da obsessão por doce de leite, falei que no dia seguinte, então, começaria a dieta e o médico foi taxativo: não! Comece hoje! Em duas horas de dieta você já terá consideravelmente menos proteína do leite de vaca no seu organismo.
Como aqui, meu amigo, missão dada é missão cumprida, larguei o pote de doce de leite deliciosamente cremoso pela metade na geladeira, dei um pulinho no supermercado para comprar algo que eu pudesse comer, e desde então sou a maluca do "tem leite?". Tipo uma indiana radical, que considera pecado supremo comer partes da vaca. Até mesmo as excretadas (olá, fisiologia escatológica!). Tipo uma vegana.
Arthur de fato melhorou e na consulta que se seguiu ao tal telefonema o pediatra confirmou: alergia à proteína do leite de vaca (ALPV, para os íntimos).
Com diagnóstico e instruções para cortar da minha vida todo e qualquer vestígio de proteína do leite de vaca, me senti meio Gloria Gaynor: at first I was afraid, I was petrified. Mas aí pensei nos veganos, e nas pessoas que têm alergia à lactose, e nas pessoas que não gostam de leite e seus derivados e comecei a acreditar que seria difícil, porém não impossível, sobreviver à dieta.
É incrível a quantidade de coisas gostosas que precisei cortar da minha vida. E sobretudo, é surrealmente incrível a quantidade de DOCES que precisei abolir. Praticamente todos os doces de restaurante (exceto o quindim e doces de fruta, tipo goiabada e bananada), bolos (raros são os que usam margarina 100% vegetal e mais raros ainda os que substituem o leite por óleo ou suco), biscoitos e sorvetes. Mas o que realmente me impressionou demais foi começar a ler os rótulos das embalagens dos industrializados e descobrir, por exemplo, que algumas marcas de biscoito waffer não levam leite (mesmo o sabor chocolate) e que quase todos os sabores do bolinho Ana Maria não têm leite ou derivados.
Eu brinco, depois de virar profunda conhecedora dos rótulos de produtos que antes eu consumia sem ler os ingredientes, que eu estou, apesar de parecer ser muito vantajosa e saudável, na dieta do "estrago". Querem ver?
Eu, como vocês bem sabem, trabalho pacas, nove horas num escritório, então sou obrigada a comer na rua praticamente em todas as refeições. Meu chefe não quer pessoas comendo nas dependências da empresa, então não temos microondas e somos proibidos de consumir alimentos que deixem cheiro no ambiente (ou seja, tudo aquilo que possa ser esquentado, praticamente). Claro que eu poderia viver de sanduíche, mas eu sou daquele tipo de pessoa, sobretudo nesse período de amamentação (fome de peão feelings), que PRECISA de comer comida de verdade: arroz, feijão, bife, batata, salada, legume, purê... Ou seja, não rola levar sanduichinho para o trabalho e passar o dia com aquela sensação de vazio, né? Então, não tenho saída e sou obrigada a comer na rua. E, quanto aos lanchinhos e beliscadas do dia, claro que eu tenho a opção de levar (aí, sim) o sanduíche ou uma fruta e tal, mas haja disciplina para todo santo dia, antes de me despencar para o trabalho, fazer mochila de filho, ferver apetrechos de tirar leite, arrumar minhas duas bolsas (de ordenha e de trabalho), carregar moleque para creche (de ônibus, já que agora moramos relativamente longe de onde Arthur "estuda") e, ainda de lambuja, comprar, montar e carregar (visualizem: carrego Arthur no sling, mochila nas costas, duas bolsas de banda, e realmente não tenho estrutura física para suportar o peso de muito mais coisa) lanchinhos para a manhã e para a tarde (fome de peão, lembram? Como MESMO! De hora em hora. Uma loucura!).
Assim, com o almoço eu me viro bem (já conto a saga diária), mas com os lanchinhos da tarde, me esfalfo. Fico tentando encontrar soluções gostosas, saudáveis e viáveis (financeira e logisticamente falando), mas acabo sempre na alfarroba com coco, na pipoca de canjica, no chocolate de soja e no biscoito vegano. De vez em quando, picolé de fruta ou fruta in natura. É duro.
Então, eu, que antes adorava uma vida saudável, um iogurte com granola no meio da tarde, agora me vejo na dieta do estrago. Porque eu posso tranqueiras e mais tranqueiras, mas não posso coisas bacanas.
De manhã, por exemplo, tenho comido três ovos mexidos, biscoito de arroz, duas bananas, um copo de suco de laranja e um copo de mate. Claro que isso não vai me sustentar até a hora do almoço, então, ali perto do meu trabalho, a única opção que encontrei foi hambúrguer no pão integral (pão de hambúrguer tem leite, meu povo!). Ou seja, vitamina de mamão, morango, laranja, banana e aveia pode? Não pode! Mas hambúrguer na chapa, com bacon e ovo? Pode. Pão com manteiga e média pode? Não pode! Mas linguicinha calabresa com batata frita? Pode. No lanche da tarde não muda muito: bolo de laranja com chá pode? Só o chá. Mas e quibe frito e refresco de caju? Pode! Sanduíche natural, com peito de peru, ricota e salada pode? Não pode. Mas bolinho Ana Maria e biscoito waffer pode.
E assim, vou eliminando da minha vida tudo que traz no rótulo "leite em pó, leite em pó integral, soro de leite em pó, creme de leite, leite condensado, leite desnatado", mas continuo consumindo "lecitina de soja, fermentos químicos pirofosfato ácido de sódio e bicarbonato de sódio, conservador propionato de cálcio". Pura saúde, não?

E como se não bastasse minha junky new life, ainda passo por louca, porque vira e mexe sou obrigada a chamar o garçon em restaurantes e solicitar que ele fale, por favor, com o cozinheiro, para saber se o arroz do lugar é refogado na manteiga, na margarina, no óleo ou no azeite. Há os que me olham com enfado, os que me lançam olhares de empáfia e existem os que até me veem com desconfiança, como se eu estivesse tentando roubar os segredos do mestre-cuca. Uma lástima.
Mas a gente se adapta, não é mesmo? Os restaurantes que eu mais frequento já têm um pessoal que sabe das minhas restrições e até me avisam se houve mudanças no modo de preparo (já aconteceu duas vezes, em restaurantes diferentes). Eu já consegui encontrar umas soluções para o lanchinho da tarde que são menos trash que bolinho Ana Maria e biscoito waffer. Mas o hambúrguer da manhã ainda espreita meu colesterol e, definitivamente, me chuta da categoria vegana ou indiana, o que me faz comer feito um peão, um peão alérgico à proteína do leite de vaca, que não gosta de junky food (das comidas trevas que listei, não como quase nada, porque não gosto) e que não sobrevive apenas com frutinhas no meio da tarde. Ah, e antes que me sugiram: cream cracker leva leite e biscoito maizena também.
É dura a vida da bailarina!

2 comentários:

  1. Entendo completamente, passei por isso tb, com a diferença de que minha filha teve colite causada por alergia a leite, e tudo que tivesse conservantes, corantes e etc, tb irritavam seu intestino....então por 8 meses e meio eu só ingeria comida 100% natural!!! Não foi fácil, mas valeu a pena ver minha pipoca crescer saudável!!

    ResponderExcluir
  2. Puxa, não esperava um post assim tão rápido, que legal! Te acompanho desde o começo da gravidez do Arthur, mas nunca comentei. No fim da gravidez estávamos as duas com uma semana só de diferença e eu sempre vinha aqui pra ver se o seu neném já tinha nascido. Depois disso leio sempre e é engraçado ver que eles passam por fases e problemas semelhantes, que são sorridentes, que dormiam com o secador ligado (saudade do secador heheheh). O que você escreve é o que aocntece por aqui. Mas então, acho essa dieta uó, difícil, chata, contraditória mesmo (pode comer bacon, não posso tomar meu amado iogurte natural, que coisa!), é tudo isso aí que você disse. Eu, como viciada em doces (também tive minha fase louca por doce de leite assim que o Pedro nasceu), emagreci horrores com a dieta, porque sempre que penso num doce gostoso, ele tem leite, então como fruta mesmo pra tapear. Consegui domar o peão que vive em mim haahahahah. Mas sabe que nunc atinha me ocorrido que posso comer quindim? Esse talvez seja o único que ainda reste na minha lista de doces que valem a pena. Enfim, amei o post, adoro o seu jeito de escrever e vou ficando por aqui, porque isso não é mais um comentário, é um artigo já hehehe. Beijos e sorte.

    ResponderExcluir