domingo, 26 de junho de 2011

Pré-balzaquianices

Vinte e nove não são trinta, mas que eu sou uma pré-balzaca, ah, isso eu sou. E como em todas as idades (pelo menos para mim), as neuroses não nos decepcionam. Ao contrário, nos acompanham incansavelmente, apenas mudando algumas perguntas de lugar.
Pois bem, hoje, na agenda, tinha um programa bacanérrimo, que incluía reencontrar amigos que há muito eu não via, uma festa com muito rock'n'roll e uma disposição que só o finzinho das férias e a iminência de se tornar uma balzaca e ter de provar que os hormônios que aos dezoito floresciam, aqui ainda florescem como lá dá a um sábado à noite.
A despeito de eu ter ficado com preguiça de ir cortar meu cabelo e ele ainda estar esquizofrênico, fiz uma produção satisfatória, com pernocas de fora e tudo. Carreguei o marido que, de boa vontade, tomou um Redbull para aguentar o tranco, e lá fomos nós para a tal festa.
Quando o táxi parou, não entendi muito bem:
- Moço, a festa não é aqui, não.
- É, minha senhora, mas tem muita gente na rua e é melhor vocês seguirem a pé.
Fingi que não ouvi o "minha senhora" e saltei glamurosa, usando aquele velho truque da mãozinha na frente da saia para evitar calcinhas exibicionistas, direto para uma fila que, cacetada!, quase dava a volta no quarteirão.
Marido foi se certificar de que não estávamos na fila do Banco do Brasil, mas só porque quando eu gritei "vê se essa fila não é para montar acampamento para o show do Restart" ele já estava meio longe. Fiquei rezando, quietinha, para que ninguém me chamasse de tia ou para que eu não encontrasse minha afilhada atracada a um barbudo (vocês já repararam que a moda da garotada da ala masculina é cultivar uma barba meio Che?). Marido volta com o boletim completo: é fila para o ingresso, devem ter umas quatrocentas pessoas na nossa frente e você não deu um passo desde que chegamos aqui. É, amor, essa parte de ter ficado no mesmo lugar eu já sabia.
Apesar da perspectiva desoladora, decidimos ficar e entrar na festa. Acho que o primeiro sinal de que sua idade não é compatível com a proposta da festa é quando você decide ficar na fila pelo motivo errado: provar que está tudo bem e que você ainda aguenta mofar numa fila quilométrica só para se espremer com desconhecidos em um espaço relativamente pequeno. Mas quem disse que seu orgulho, que após meia hora de fila já é amigaço da neurose pré-balzaca, deixa que você admita isso? Você fica, achando que está camuflada no meio daquela meninada, mesmo sabendo que você usa um perfume Chanel enquanto elas se bezuntam de hidratante Victoria's Secret. Rá.
Então, estava eu ali, me autocongratulando bastante por praticar exercícios regularmente e, por isso, ainda poder ficar uma hora de pé na fila sem ter a coluna em frangalhos, quando ela chegou e parou a meu lado (na verdade, ela furou fila mesmo, mas quem liga, não é mesmo?). Nós fizemos faculdade juntas, embora nunca tenhamos sido amigas. Eu não lembro o nome dela, mas dou aquela avaliada global para checar se tudo o que tenho feito para me manter mais ou menos está de acordo com os padrões etários. Cabelos sem muitos fios brancos, poucas e discretas rugas, pelancas controladas, suaves bolsas sob os olhos, mas de um modo geral eu e ela estamos bem. Tenho ímpetos de ir parabenizá-la, mas decido massagear apenas um ego e fico quietinha, aproveitando a brisa agradável da noite.
O relógio indica que minhas aulas de ginástica realmente fazem efeito: uma hora e meia de fila e necas de dores lombares. Então, no meio da multidão, surge um camarada, aos gritos, anunciando que aqueles que desejarem abrir mão do desconto fajuto que a tal "lista amiga" oferece podem seguir diretamente para a bilheteria e entrar, sem fila, sem estresse. Ora, ter um emprego, e não um estágio, tem suas vantagens, afinal. E agarrada firmemente a esse pensamento, vou com o marido para a tal não fila.
Acontece que a não fila é outra fila. Menor, é verdade, mas com os mesmos adolescentes barbudos e meninas que conversam sobre Pe Lanza.
É nesse exato momento que minhas neuroses, até então discretas, resolvem dançar "Conga conga conga" dentro do meu cérebro: será que se eu desistir e for para casa vai ser coisa de velha? Será que eu vou ter crises claustrofóbicas de velha se eu entrar com esses meninos bêbados? Será que eu sempre fui tão pudica ou as saias realmente estão encurtando e minha idade aumentando? Será que no meu tempo de boates e festas as filas eram tão enormes assim e eu não percebia? Será...
- Ártemis, você quer mesmo enfrentar mais essa fila para entrar com toda essa gente na festa? - marido me chama de volta à realidade.
- Sim, claro. Não vejo o pessoal há tanto tempo e...
A verdade é que eu não queria entrar e ter de lidar com tanta gente. Resgato a adolescente que fui e ela me diz: programa de índio, não importa a idade.
- Vamos embora, marido.
Marido concorda, me abraça e resume a noite:
- A vantagem de ter quase trinta em vez de dezoito é que você já tem experiência suficiente para saber quando um programa não vale o esforço.
Voltamos para casa para viver o que 100% deles quer, mas bem menos de 1% vai conseguir ali dentro: amor.
É, eles invejariam meus quase trinta.

2 comentários:

  1. Ah, eu ainda não estou assim tão perto dos 30 (mas também nem tão longe) e ás vezes sinto saudade dos 18...
    Só não me arrisco mais a sair pras baladas. Ando numas de frequentar uns barzinhos, umas festinhas mais CCH (Referência ao Centro de Ciências Humanas da facul. Só tinha hippie. É como eu e meu marido costumamos chamar as festas com um pessoal mais cult.)

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    =*

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  2. Artemis, eu admiro demais a sua disposição, pq eu que já passei dos 30 há 3 anos, mas faço ginástica todos os dias não tenho a menor coragem (nem vontade para ser sincera) de encarar um programa desses, rs!!
    E sim, eu tb tenho a impressão que só vou ouvir "Tia, me empresta o isqueiro", afeeee
    beijo

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