domingo, 28 de abril de 2013

Como seu filho brinca? - elucubrações de uma criança solitária

Eu era bem pequena, lá pelos 3 ou 4 anos, e ganhei uma bolsinha de presente. Ela era feita de plástico rígido, numa cor vibrante, que eu não lembro se era azul-turquesa, vermelho-sangue ou amarelo-canário. Dentro dela iam os itens que, segundo minha experiência, seriam fundamentais e indispensáveis: cédulas de um  dinheiro já vencido pela inflação da louca década de 1980 (cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, por aí afora), caneta, papel, documento de identificação (feito por mim mesma, com "foto 3X4" desenhada dentro de um retângulo no canto) e um mini frasquinho de soro fisiológico (para o caso de, deus me livre!, cair um perigoso cisco no meu olho). Na minha representação de mundo, do alto da minha primeira infância, era importante: minha identidade e meu papel social, dinheiro e, claro, remédios.
Não sei se esses são valores bacanas para que uma criança de 3 ou 4 anos tenha. O que eu sei é que minha bolsinha representava meu mundo, e os objetos que iam lá dentro mostravam o que eu considerava importante.
Um dia, esqueci a bolsa em um restaurante (eu ia muito a restaurantes quando pequena).

***

Eu fui uma criança solitária. Muito solitária. Sem irmãos ou primos, morando num prédio sem play ou crianças, uma baixinha tímida e magrela, alvo de bullying na escola, pais separados, mãe trabalhando fora o dia inteiro, realmente não tinha muito com quem brincar. E eu me lembro das longas horas gastas em brincadeiras ou em frente à televisão (sem a qual eu não almoçava!). E me lembro de ter um quartinho só de brinquedos (pequeno, como um armário grande, devia medir 1X2m), abarrotado de bonecas, panelinhas, pôneis de plástico, moranguinhos, acessórios de Barbie, jogos individuais (resta 1, jogos de encaixar, carimbos etc.). 
Num Natal meu padrinho me deu uma bicicleta, e eu pedi para a minha mãe um jogo caro (o nome era "O tesouro do Faraó"), que me custou muito dever de casa feito e muita arrumação de quarto. 
A bicicleta era uma Caloi Ceci linda, eu customizei o selim e fiz mil planos de uso. Andei de bicicleta um dia, na Lagoa, e depois voltei com ela para casa, onde eu ia da sala ao quarto, num corredor de pouco mais de 3 metros de comprimento, só quando os adultos não estavam por perto para brigar comigo (porque "não pode andar de bicicleta dentro de casa!"). Em cima do banco da Caloi morava a casa da Moranguinho. O guidom guardava uma corda de pular e eu sempre montava na bicicleta, girando os pedais para trás, fingindo dar muitos passeios divertidos com ela. Já quanto ao jogo, bom, ele era para de dois a quatro participantes, e só havia uma pessoa disponível para jogar: eu. Assim, acho que só consegui brincar uma vez, com a minha mãe, e me lembro até hoje que eu chorei muito na hora de doar o jogo porque eu "não brincava mais com ele". Chorei de pena de mim mesma. E me senti muito sozinha.

***

Arthur tem acesso a muitos brinquedos: os que eu comprei para ele, os que ele ganhou, os que ele herdou, os que ele usa na creche. Toda criança deveria ter acesso ao espaço lúdico da brincadeira. Mas esse espaço, penso eu, não pode e nem deve ser limitado e (muito menos!) determinado pelos publicitários.
Confesso que aqui em casa temos muitas tranqueiras barulhentas de plástico: Fischer Price, Tiny Love e companhia. Brinquedos que, com tristeza, depois de alguns meses, notei que eram os equivalentes ao meu quartinho da infância: peças soltas, sem vida, com funções bem definidas e que tolhiam minha criatividade porque eram Moranguinhos (com roupa, voz e até cheiro pré-determinados), pôneis com nomes certos, bicicletas sem espaço para se pedalar e jogos múltiplos que frustam o jogador solitário. Além disso, os valores que eu estava incutindo no meu filhote não me parecem muito saudáveis: mamãe não está, mas veja que lindo relógio cantante que você tem!; você TEM muitos brinquedos; vamos substituir afeto e amor por algo material e que seja um simulacro do contato humano (vozes cantantes gravadas, figuras antropofórmicas). Eu estava reproduzindo o padrão sem perceber.
Na verdade, acho, não estava reproduzindo o padrão ainda. Mas assustei quando pensei nisso. E mais ainda quando pensei que, muito em breve, ficaria sozinha com Arthur, para ser responsável por uma infância feliz e divertida para ele. É extremamente assustador pensar na responsabilidade que tenho pela frente: aprender brincar com Arthur de modo a fazer do espaço lúdico uma possibilidade de experimentação e uma forma de representação de seu mundinho (e com isso, espero ter a chance de compreendê-lo mais e mais, de estar mais perto, mais integrada).
Enfim, mais uma vez penso que a maternagem consciente (além de trabalhosa porque nunca deixamos de pensar e repensar sobre as escolhas e decisões) é um caminho tortuoso, em que devemos ser responsáveis por aquilo que optamos, mas tendo o conforto de saber que sempre dá tempo de reformular as ideias e seguir novos rumos. Assim, em Chicago, nova vida, novas brincadeiras para o meu pequeno!
Com amor, sempre.

5 comentários:

  1. Adorei o post. Triste, sensível, me levou à reflexão.

    E refleti (sempre reflito) a respeito do consumismo desenfreado que nós estamos ensinamos às nossas crianças (nós = sociedade em geral, pq EU tento me policiar bastante).

    Sobram presentes, e falta presença. Infelizmente.

    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Ártemis, por aqui estamos numa fase linda em que as duas irmãs brincam juntas. É lindo e emocionante de ver! Dica: irmão pro Arhur já! rsrsrsrs
    Aqui em casa brincamos bastante os 4 juntos. Dominó, jogo da memória, jogo de tabuleiro... Adoramos, viu!
    Criança gosta de gente, gosta de criança. Curte mais a presença do outro do que um brinquedo.
    Eu confesso que sou bem controlada qto a comprar coisas para elas, só compro mesmo em aniversário, Natal e dia das crianças. Mas os avós... adoram dar coisinhas, né? Isabella já sacou que minha mãe é "mão aberta" e qdo quer algo, corre e pede logo para a avó. Aí fica difícil de controlar, viu?
    bjo

    ResponderExcluir
  3. Muita coisa a gente reproduz sem se dar conta. Que bom que vc percebeu a tempo.
    O Felipe também é filho único, com a diferença que a casa vive cheia de amigos. Os amiguinhos adoram vir brincar em casa exatamente por causa do tamanho da casa, é uma casa grande, cheia de quintal e espaço para andar de bicicleta e do que mais quiser.
    MAs, ainda sim tomo o cuidado de estar sempre presente.
    Espero de coração que vcs se divertam muito na nova casa e que o pequeno seja muito, mas muito feliz mesmo. bjos

    ResponderExcluir
  4. Ai, Ártemis...
    Coração apertado por aqui, de imaginar o que você descreveu da sua infância. Mas essas reflexões só fazem a gente crescer né? O Arthur vai se beneficiar muito, tenho certeza. O nosso futuro menininho bilingue. :)
    Posso dizer que já tô com saudade? Tá, eu sei que você não vai nos abandonar, mas vai tá loooonge. :´) Ok, passou o momento drama.
    E tô adorando tantos posts seguidos. \o/ Essa coisa da mudança tá fazendo bem, a gente agradece.
    Beijão!!

    ResponderExcluir