sexta-feira, 3 de maio de 2013

Eu sou demais!

Rio, 2013.
Zona sul-maravilha.

[entra música incidental - plano geral da praia de Ipanema ao pôr do sol]

[plano geral se transforma em plano americano, enfocando uma mãe. No caso, eu, a mãe do Arthur.]

Digo para as câmeras: eu sou demais! E dou uma piscadela marota, oferecendo ao espectador um olhar sedutor e divertido.

Corta.

Rebobina, porque ninguém está entendendo lhufas dessa viagem.

Play.

Um dia acordei e atinei para um fato perplexizante: eu sou demais.
Acho que isso foi no dia em que marido voltou da creche meio furibundo (e com razão) porque a psicóloga do estabelecimento o chamou de lado "oi, você tem um minutinho?" (sempre sorrindo, ensaboada) e descascou o sling: Arthur não engatinha porque fica tempo demais no sling, no colo de vocês, vocês precisam deixar seu filho no chão, precisam andar de carrinho, precisam parar de usar sling porque está atrasando o desenvolvimento psicomotor do seu filho. Rá! Eu ri. Ri e comprei, na mesmíssima semana, um novo sling. E agora revezo: sling assim, sling assado. E ainda virá mais um carregador de pano por aí!
Agora, no entanto, pensando bem, pode ser que eu tenha chegado à conclusão de que eu sou demais quando, ao voltar a trabalhar, descobri que ordenhar na salinha gelada de depósito, três ou quatro vezes por dia, meia hora a cada vez, é um desafio a qualquer esquema de gerenciamento do tempo e de tarefas. E que é preciso muito jogo de cintura e muito respirar fundo para dar conta de um serviço em caráter urgente no fim do expediente enquanto seu marido, ao telefone, avisa que o filhote chora e se recusa a dormir. É saudade. Dos dois lados. E o trabalho que era "rapidinho, em cinco minutos você está liberada" entra uma hora extra inteirinha na noite que tenho com o filhote. E eu chego em casa e ele abre o maior e mais lindo sorriso do universo, pede peito e capota. POF! Mas ao menos é nos meus braços que ele embala o sono. E então eu penso: sou demais!
Acho, porém, que se eu pensar direitinho, talvez descubra que a certeza de que eu sou demais tenha vindo já no parto, ou até mesmo no pré-parto, na gravidez ou até na pré-gravidez, porque quanto mais eu penso sobre maternar e quanto mais eu vivo o maternar, mais vou vendo que está muito além da sociedade em que vivemos conseguir de fato conciliar maternidade e vida profissional, maternidade e vida social, maternidade e vida consumidora consciente, maternidade e vida política. Parece que sobra, sabem? E a culpa, é claro, é sempre da mãe.
Confuso? Deixa eu explicar melhor, então.
A sociedade ocidental contemporânea não sabe o que fazer com as mães. Ou melhor, tem dificuldades imensas com o nascimento e com a maternagem, e com isso, nós, mães e bebês, ficamos perdidos, rastejando de um clichê a um padrão, de um padrão até uma fórmula pronta, e então de volta aos clichês.
Somos todas demais, porque excedemos o papel que nos cabe. E se a mulher resolve largar o emprego para cuidar da cria, está deixando de lado sua carreira. Por outro lado, se insiste em se manter profissionalmente ativa, enfrenta não apenas o drama do "deixar o filho com outras pessoas", mas também muito preconceito, machismo e certa "domesticação", de modo que é preciso impedir nossos corpos de serem corpos maternos: nada de leite, ordenhas, nada de gordurinhas, nada de fome fora de hora, de ritmo biológico alterado, nada de sentir sono durante o dia mesmo que se acorde várias vezes ao longo da madrugada, nem pensar em se enxergar sexualizada (quem quer uma funcionária grávida poucos meses depois de voltar de licença-maternidade?).
Mas para quem pensa que fora do plano profissional a coisa vai melhor, evoco a claquete das risadas [AHAHAHAHA] e afirmo: vai mal demais!
Mães são consumidoras, que vão educar seus filhos a consumirem também. Conquistar um é conquistar os dois (ou mais), e conquistar por longo tempo ("vou comprar produto X porque minha mãe usava comigo quando eu era pequena"). Mas mães são consumidoras apenas daquilo que vem enlatado, porque o consumo fora da linha será reprimido: não pode sling; dá logo chupeta; ficar na creche desenvolve mais a criança; compre o brinquedo XYZ, que vai tornar seu filho um gênio.
Mães não são politizadas. Não podem ser: devem seguir um senso-comum tradicional, e nunca devem questionar. Médicos estão para a vida e o bem-estar assim como as embalagens de alimentos estão para o valor nutricional: enriquecido com cálcio camufla o sódio excessivo; cesária urgentemente necessária esconde a agenda que não se pode desorganizar.
Mães não podem lutar, não podem namorar, não podem, não podem, não podem. Mas aí vem uma avalanche de comentários e reportagens e de repente as mães devem lutar, devem namorar, devem, devem, devem.
E aí chegamos ao grande ponto da coisa: as mães DEVEM. Não importa o que façamos, quais sejam nossas ações, o que dizemos: estamos sempre devendo alguma coisa porque nossa sociedade não tem espaço para a maternidade. Nossa sociedade não sabe o que fazer e onde alocar seres que cuidam, nutrem, produzem e reproduzem. O mundo, na maioria das vezes, não sabe o que fazer conosco, mães, totalmente demais!

3 comentários:

  1. Você tem toda razão! Só quem é mãe sabe disso!
    Um dia ao me candidatar a uma vaga de emprego, me fizeram a seguinte pergunta: "Você pretende ter mais filhos?" Ali senti o preconceito que as mães tem no mercado de trabalho, e olha que quando engravidei e contei no meu emprego para a minha chefe, tive que aguentar 8 meses de uma pessoa de cara feia e emburrada sem mais nem menos... ou seria por que eu ia me ausentar para ter meu filho??? A maternidade de fato incomoda.
    Sou mãe, trabalho fora o dia todo, meu filho fica em uma escolinha e contamos os minutos (eu e ele e o pai) para chegarmos em casa e nos entregarmos a esse amor que temos um pelo outro. Abraços, beijinhos, carinhos... deitamos juntos, assistimos a um dos desenhos que ele adora, brincamos de carrinho, desenhamos, pintamos, fazemos bagunça, o pai chega e participa conosco desse momento e ali nesse tempo vejo que é isso que vale a pena na vida, que esse são os momentos mágicos e felizes... e essas são as pessoas que importam, que nos amam, nos entendem e sabe o quanto nos esforçamos todos os dias para dar conta de tudo, filho, trabalho, casa, marido. Essa é minha alegria!

    Parabéns pelo blog!

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  2. Oi Ártemis!

    acho que vc vai gostar deste texto http://blogueirasfeministas.com/2013/05/da-maternidade-para-o-feminismo-por-que-maes-feministas-importam/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+BlogueirasFeministas+%28Blogueiras+Feministas%29

    e, quem sabe, também de participar do grupo...

    bjs

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  3. Concordo com tudo o que você disse. Mãe é um ser sagrado e dotado de poderes paranormais (e paciência de jó). Quanto a história do sling manda a mulher se catar. Pense, meu filho usa órtese nas pernas e isso não o impediu de engatinhar e estar querendo ficar de pé, sim, demorou um pouco mais, mas ele foi la e conseguiu, não é um sling que vai impossibilitar a evolução motora dele, por favor, mande essa mulher consultar um especialista e se informar melhor!!!

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