segunda-feira, 27 de maio de 2013

Mãe maluca, filho sem palhaçada

Vocês sabem que toda creche tem uma mãe maluca, né? Então, eu tenho certeza de que sou a mãe maluca da creche do Arthur.
Eu chego de sling (e tenho sling de tudo quanto é jeito: wrap, argola, tipoia, só me falta a mochilinha), mando todo santo dia meu potinho de LM congelado, a mamadeira do Arthur é cheia de nove horas para ele não desmamar, quando pediram para mandar copinho de treinamento eu mandei, mas sem tampa (de propósito, óbvio!) e assim sigo lutando contra o sistema na instituição social de poder por excelência: a escola que normatiza e socializa o indivíduo.
Daí, na semana passada, veio um panfleto colado na agenda. Papel couché, muitas cores, um texto de vendedor pittbull tentando me convencer que o evento que se anunciava ali era bacana. Eu li, reli e não acreditando no que meus olhos viam, mostrei para marido, que também bestificou. (É, ele é o pai maluco da creche!)
O evento que anunciava-se como a grande maravilha das maravilhas era o show de uma dupla de palhaços, que aconteceria das 13 às 15h, na creche-escola, sem custos para os pais, pois a contrapartida seria a divulgação do kit com DVD + miniaturas dos palhaços, à disposição para compra nas dependências da escola até uma semana depois do evento.
Gonguei na hora. E marido endossou.
Por vários motivos.
Em primeiríssimo lugar, não gosto da ideia de que as pessoas encarem meu filho como um consumidor em potencial. Eu me preocupo muitíssimo com o consumismo infantil (sobretudo agora, indo morar em um dos países que mais incentiva o consumo) e sei que meu papel de mãe é, entre outras coisas, proteger meu filho. E, sim, as crianças precisam ser protegidas das campanhas e estratégias de vendas agressivamente apelativas, que se valem da vulnerabilidade infantil para multiplicar cifras e oferecem produtos de qualidade duvidosa e criam hábitos nem sempre saudáveis. Achei ardiloso que se ofereça um show "gratuito" em troca da divulgação de um produto diretamente ligado a esse show, pois as crianças, vulneráveis, se tornam consumidores quase certos do tal kit. Além disso, a estratégia parece ardilosa também para com os pais, que confiam na escola e em seu ambiente para a educação de seus filhos e, portanto, sob o guarda-chuva da instituição que valida e credita o evento, creem de boa-fé que aquilo será benéfico a seus filhos. Afinal, que mal há em um espetáculo musical com uma dupla de palhaços?
Bom, para mim e meu marido, além de haver a ideia de que meu filhote, de apenas 11 meses, é um consumidor em potencial, também houve a possibilidade de expor meu filho a uma atração que poderia causar nele estímulos que considero excessivamente precoces: associação de músicas a marcas (a tal dupla de palhaços, afinal, é uma marca, com diversos produtos licenciados em seu nome!), associação de prazer e alegria a produtos e consumo e, por fim, a compreensão de que a diversão precisa ser barulhenta e altamente produzida. Além disso, me causa pavor a ideia de que pudesse estranhar as pinturas, os gestos, o barulho e as fantasias e se sentisse desnecessariamente desamparado, tendo de lidar com medo, ansiedade e angústia sem o conforto da mamãe por perto (claro que sei que Arthur, em algum momento da vida dele passará por situações desse nível sem ter a mamãe por perto; claro que eu sei que ele já pode, inclusive, ter experimentado isso na creche, tendo se assustado com qualquer coisa ou se sentido sozinho e desamparado; mas a questão toda é: se posso evitar, por que vou expô-lo espontaneamente a isso?).
E por fim, como se não bastasse tudo isso que acabei de apresentar, o tal evento trazia o patrocínio de um refresco em pó (corante + açúcar + aroma artificial? Não, obrigada. Nesses refrescos, a única coisa saudável é justamente a parte que não vem neles e que precisa ser acrescentada: a água) - e eu me recuso a frequentar ou consumir produtos, eventos e marcas com patrocínios com os quais não concordo ou que ferem minha filosofia de vida -, e, cereja do sundae, vinha com uma frasezinha no panfleto: "Deus é fiel!"
Sou ateia e respeito absolutamente todas as escolhas religiosas. Não concordo com algumas práticas em determinadas religiões, mas acho que cada ser humano na face da terra é livre para escolher no que quer acreditar ou no que não quer acreditar. Cada pessoa é senhora de si, e nada nem ninguém deve forçar que crenças ou valores sejam impostos ou reprimidos.
Assim, como eu poderia achar bacana que um evento, numa só tacada, trouxesse para o meu filho a possibilidade de: incentivar nele o consumo; atrelar momentos de prazer a marcas e produtos; apresentar a ele outros produtos que se vendem como inócuos, mas que induzem a uma alimentação desequilibrada e vazia de nutrientes; impor a ele qualquer prática religiosa, sendo que é minha escolha mantê-lo livre, porém informado, a respeito de vivências religiosas e/ou espirituais.
Preciso dizer que foi um alívio muito grande saber que em breve Arthur não precisará mais ficar na creche, pois esta me parece ser a ponta do iceberg das frustrações em relação a esta instituição. Outras práticas, claro, já haviam me deixado incomodada, mas foi realmente decepcionante ver que a escola autorizou o evento, que as outras mães não acharam nada demais nisso e, sobretudo, que eu tenha ido reclamar na diretoria e tenha escutado que "as crianças mais velhas vão ficar malucas".
Bom, se o objetivo da creche era deixar as pessoas malucas, comigo funcionou direitinho!
E lá fui eu hoje, de sling, com meus potinhos de LM congelado e mamadeira anti-desmame, copo de treinamento sem tampa, escova de dentes sem pasta e colar de âmbar para a dentição explicar que estava buscando o menino mais cedo por um posicionamento político, que me fazia discordar da exposição precoce ao consumismo e blá-blá-blá. As cuidadoras riram um pouco, porque, afinal, eu sou a mãe maluca. Mas acho que no fim das contas elas entenderam direitinho quando eu disse, para completar tudo, que, na minha humilde opinião, muito melhor e mais bacana do que ter palhaços vendedores de DVD fazendo um show altamente produzido, era mesmo o carinho que elas têm com meu pequeno, entretendo-o e estimulando-o todos os dias. Aí, elas riram diferente. E acho que nem me acharam tão maluca assim.

7 comentários:

  1. Olha, eu te JURO que acho um absurdo as escolas se posicionarem assim! Onde está a questão da edudação, do cuidado? Expor um bebê de 11 meses a essa dupla de palhaços que se for quem eu tô pensando, são horrorosos, sem graça. Eu lamento mesmo que a maioria das escolas sejam assim e fico com medo de onde eu vou enfiar meu parasita! Porque, olha, tem acada história de escola que vejo por aí que dá medo!
    Adorei seu discurso, mandou mto bem!
    e palhaçada, só em casa, com a mamãe e o papai fazendo coisas engraçadas! :oD
    Bjs
    Carol

    ResponderExcluir
  2. Lamentável. Mas, o que mais me deixa indignada é ver que nenhum outro pai percebe tudo isso o que vc disse e que eu concordo plenamente. Por aqui não muda muito, embora a escola não tenha chegado a esse ponto ainda. E sinceramente acredito que se algum dia chegar os pais vão reclamar sim, mas de ter que por a mão no bolso para comprar o kit, somente disso. Porque se fosse totalmente de "graça" tenho certeza que iam adorar a iniciativa. bjos e ótimo post. Está entre meus preferidos.

    ResponderExcluir
  3. Palhaçada, hein? Acho muito triste a escola agir assim... Acho mais triste ainda os pais ditos "normais" serem aqueles que acham normal esse absurdo. Vc não é nada louca. Vc é a mãe que enxerga. bjo

    ResponderExcluir
  4. Ártemis, já trabalhei em creche, na verdade CEMEI, e o pior é quando acontecem essas coisas e os pais não são avisados, isso é de uma falta de ética impressionante, chega a ser triste.
    Acredito em Deus, mas acredito também que os espaços educacionais formais devem respeitar as escolhas religiosas de cada um, isso é lei, não é nem questão de opinião.Religião deve ser ensinada em casa, se e como os pais quiserem.
    Muito legal seu marido te acompanhar nas 'loucuras', o Arthur é muito sortudo.
    Bjuss

    ResponderExcluir
  5. Oi Artemis,
    Adorei ler seu post! Sabe q sou professora de CMEI e acredite, nunca pensei sobre esse ponto de vista? rss. Sempre via pelo lado de trazer algo novo para a criançada..mas acho q a minha visão sempre foi a de um adulto consumista, ensinado a ver tudo como normal neh? Achei legal da sua parte ter colocado seu ponto de vista, mesmo sabendo que muitas vezes mamães como vc são vistas como maluquinha e fora de contexto rss. Concordo com tudo q disse e agradeço, pois me ajudou a ver as coisas por outro ponto de vista!
    bjoo

    ResponderExcluir
  6. Lembra quando diziam que a boneca da xuxa tinha pacto com o diabo? pra mim, patati patata te pacto com o diabo e joga sujo para ter a atenção das crianças.

    ResponderExcluir
  7. Vc ainda foi avisada! Qdo essa dupla bizonha foi na creche q meu filho frequentava, sequer fomos avisadas e ao busca-lo encontrei-o com o tal DVD na mão saindo todo contentinho e um bilhetinho na agenda informando a quantia q deveríamos mandar por tal mimo!!!!

    ResponderExcluir