Em meio aos rangidos e às batidas não dava para ouvir, mas eu lia os lábios. Pessoas bonitas e arrumadas e simpáticas e alegres me davam as boas-vindas, alheias ao intenso chacolhar do avião. Achei irônico que a turbulência tenha começado no exato instante em que o vídeo da companhia aérea dava boas-vindas e instruções sobre como proceder na alfândega/imigração. Ninguém prestava atenção aos sorrisos e podes-não-podes. Todo mundo era tensão, ansiedade e nervosismo.
Odeio turbulência.
Eu estava no chão do avião. De novo. Arthur dormia esparramado, ou melhor, o mais esparramado que duas poltronas da classe econômica permitem a uma pessoa. Classe econômica. Rá. No embarque entrei numa fila que achava ser a de prioridades e fui perguntada se era da executiva. Respondi que era da "normal". Mas devia ter dito que era do setor de cargas. Até nosso cachorro vai viajar mais confortável, num canil próprio, com espaço para ficar de pé e se deitar por completo. E eu no chão, tentando ajeitar minha carcaça em meio aos solavancos e pulos da turbulência.
Chegamos. Conectamos, dessa vez sem perder o voo, e voltamos para casa.
Já está frio. Senti a secura do ar. Dormi de manhã, de tarde e de noite. Lavei, esfreguei e varri. Habitamos.
Arthur aprendeu a falar loucamente. Além de conversar muito, ele usa "loucamente" para tudo: "olha, mamãe, esquilos loucamente lá fora"; "o trem passou loucamente"; "aham, quero melancia loucamente". E por aí vai.
Loucamente estou eu, às voltas com processos de retorno complexos e sobrepostos. Retorno à casa, ao trabalho madrugada adentro, à rotina estafante de cuidar de tanta coisa.
Fiquei pensando, depois, claro, que a turbulência da chegada foi uma grande metáfora da vida, que sorri e recepciona enquanto só quando dá aquela chacoalhada.
Que o voo seja tranquilo daqui em diante.
Uau, que texto fantástico.
ResponderExcluirE que comparação perfeita.
Adorei!!!
Beijocas