terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014

Hoje é a véspera de um novo ano.
E só no que consigo pensar é: engravidar, gestar e parir de novo.

Que em 2014 as nossas vidas se renovem e o amor só aumente. Sempre com muita saúde.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Feliz Natal!


Que neste Natal pensemos mais sobre nascimentos, e sobre como todos merecemos a privacidade, o amor e o momento transformador do parto domiciliar que motiva toda esta festança.
Brinco com marido que depois que pari parece que a metáfora mais perfeita do universo é o parto. Mas como escapar de falar de um nascimento na festa que comemora um nascimento? E mais: como não falar das muitas intervenções e equivocadas interferências em coisas que deveriam ser deixadas, na maioria dos casos, seguir o rumo natural? Tipo o dedo do consumismo na festa da família. Tipo o dedo do médico que quer "dar uma ajudinha" à natureza.
Neste Natal não comprei nada para Arthur. (Um feito na terra do consumismo.) Optei por uma árvore de feltro, interativa, lúdica, inclusiva (ele faz o que quer com ela sem que eu me descabele porque a árvore é dele, é para ele e foi feita e "montada" com ele). Optei por fazer os presentes que ele vai receber, e reaproveitei embalagens.
Sei que ainda tenho muito chão pela frente na minha meta de reduzir, reaproveitar e reciclar, mas realmente espero que este Natal, o primeiro longe da grande família que deixamos no Brasil, seja um marco ou um pontapé inicial no projeto de ser uma pessoa melhor. Espero cada vez mais resgatar, como fiz no parto do Arthur, os valores que realmente importam para mim e que realmente nutram a minha família.
Um beijo em cada pessoa que vem aqui partilhar minha vida selvagem e que vocês tenham um Natal cheio de paz, amor e ressignificação.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ciúmes

Tá, tá, tá, eu confesso: sou ciumenta. Ponto. Sou ciumenta e possessiva. Sempre fui. Pessoas, objetos, lugares, ideias, quero tudo e todos para mim. Só para mim.
Mas eu não fiz filho sozinha, né? E não ter feito filho sozinha significa que, por mais que eu ame marido, Arthur não seria só meu. Quer dizer, ele até foi só meu por longas 41 semanas. Só eu curtia a vidinha dele serelepando aqui dentro 24h por dia. Porém, assim que ele saiu da minha barriga, passou a poder ser tocado, manipulado e gerido por outras pessoas. Inclusive marido.
Por termos escolhido ter um puerpério "minimalista", só eu, marido, Arthur e nosso boxer, quando eu estava grávida não me importava muito com a família "tomando posse" do Arthur, mas sim de como eu iria administrar o ciúme duplo aqui em casa: Arthur com marido; marido com Arthur.
Oh, céus! Como sofri pensando nisso, tentando arrumar uma solução para que eu conseguisse "permitir" que os dois, pai e filho, tivessem uma relação própria e autônoma, sem a intermediação da mamãe aqui (e seu ciúme, claro).
Passava muito tempo pensando (e com esse pensamento me dilacerando por dentro) em como seria quando Arthur preferisse o colo dele ao meu; como eu reagiria quando eles se divertissem sozinhos, quando saíssem sozinhos, quando trocassem beijos e carinhos sem mim. Não achei caminho. Me preocupei, respirei fundo, tentei bolar estratégias para distrair o monstro verde do ciúme.
E aí aconteceu a vida.
Marido e Arthur se amaram desde o começo. Marido e Arthur acharam um caminho de interação, eles se conectaram, eles se conheceram e se coadunaram, inventaram brincadeiras, rotinas, maneiras de se comunicar. E eu fiquei de fora de muita coisa. Surpreendentemente feliz. Realizada. Satisfeita por ver que pessoas não são divisíveis e, por não serem divisíveis, são unas, inteiras e capazes de multiplicar suas facetas. Com isso, multifacetados e ainda assim indivisíveis, meus homens elevam-me ao expoente infinitesimal do amor.
Sem ciúmes. Livres.

Feliz pelos dezoito meses mais lindos e transformadores da minha vida.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Só as mães são felizes

Não sabe quem dorme oito horas ininterruptas. Não sabe quem não mede a febre nos dias de vacina com a preocupação de quem tateia a própria vida. Não sabe quem dorme fora despreocupado, quem trabalha acima de qualquer coisa, quem não repete a mesmíssima palavra, ordem ou pedido à exaustão. Não sabe quem ainda é só barriga, quem cuidou dos cinco sobrinhos de irmã ou irmão vivos e participativos, não faz ideia quem fez bilu-bilu na cria dos amigos.
Quem pariu, quem operou, quem gestou e cultivou a vidinha tão rica, delicada e tenaz que traz nos braços, na pele, na alma, na lama, só essa pessoa sabe por que raios eu quero, mesmo com todo o trabalho de Sísifo da maternidade, não passar por esta vida - que até onde eu saiba é única - sem ver ainda mais, muito mais amor vingar, vencer, nascer e desabrochar.
Só as mães são felizes, em suas ignorância e sublimação intencionalmente involuntárias.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Tô pirada, mas já volto

Me tiram do sério no momento:
- o trabalho do marido sufocando a tudo e a todos por aqui;
- o frio de lascar, que me dá preguiça de sair de casa;
- a desorganização total, completa e absoluta que assola minha casa e vida (caderninho, aí vou eu!);
- o frila. Ah, o frila! Tô na fase em que ou eu acabo com ele, ou ele acaba comigo;
- o presente que preciso aprontar antes de o cub nascer!
- o desejo do segundinho que palpita na minha mente, alma e obsessiva divagação sobre a vida (vulga ansiedade).

Já volto. Tudo depende do frila.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Me lixando

Nesses tempos de Facebook a gente fica sabendo demais da vida alheia. Para além das pesquisas que dizem que redes sociais geram ansiedade e frustração, posto que há sempre uma comparação com o quintal do vizinho, existe a intimidade forçada: saber de cada passo de pessoas que, não fossem tais sites, você jamais saberia o que andam fazendo.
Pois essa semana uma conhecida terminou com o namorado. A dor de cotovelo foi pública e publicada em verso, prosa e quadrinhos. Quadrinhos? É, quadrinhos.
Ela ficou desgostosa com o cara, mas parece que com a vida também, e resgatou a coisa toda árcade: carpe diem, fugere urbem (no caso, amorem ou laborem). Hedonismos à parte, não quero falar da vida da moça, nem de latim, nem de movimentos estilísticos do passado.
Eu quero falar da lixa. Quero falar que venho me lixando.
É. Me lixando. Assim, na próclise brasileira.
Morei uns tempos em Portugal e lá aprendi umas coisitas: a fazer diminutivos com o sufixo -ita, a usar os pronomes em posição final porque tentava repetir o sotaque e que existem várias palavras que são uma coisa no Brasil, mas outra coisa lá, e também aquelas que são só no Brasil, ou só lá.
Tipo durex. Não digam isso alto em território lusitano: é marca de camisinha e virou sinônimo (metáfora, aos que assim preferirem) para preservativos. Também não peçam isopor, que é marca. Lá, ele é conhecido por esferovite, que é o nome de batismo da coisa. Se alguém disser que você gaja, é muito gira e bué da fixe, agradeça: você é moça bonita e legal.
Então, se alguém mandar esta tirinha do Calvin para você, por favor não interprete ao pé da letra, como fez minha conhecida acima citada. O lixar aí nada tem a ver com o acabamento polido dado com objeto abrasivo; significa, na coloquialidade portuguesa, deixar alguém em situação complicada ou chatear uma pobre alma.


Ri, confesso, da confusão semântica. Mas pensando bem, em português brasileiro a tirinha fica tão mais interessante!
Quando nascemos, somos unos, inteiros, indivisíveis. Os princípios básicos estão todos lá, inatos e perfeitos, cada qual ocupando um espaço equilibrado. Conforme vamos crescendo, as coisas em nós ganham novas dimensões e proporções. Desenvolvemos mais determinadas características que outras, interrompemos o crescimento de certos aspectos de nossa personalidade e/ou habilidade, nos transformamos, enfim, nos adultos que somos: irregulares, pontiagudos, repletos de arestas, dores, calos, imperfeições que, ao longo do tempo, ficam mais e mais acentuadas e visíveis.
E então nos chegam os filhos.
Seres unos, indivisíveis, inteiros, ainda sem arestas ou acentuadas maneiras. Tudo é flexível, adaptável, moldável e... NOVO. E se você experimenta pela primeira vez uma dor, pode até sentir-se surpreso e admirado, mas nunca vai resgatar sua experiência prévia, porque ela inexiste. Com isso, a vida é mais leve. As dores ainda não se imbricam e misturam: você sente o que precisa sentir e segue em frente. Sem ressentimentos, rememorações, associações intensas.
E é aí que entra a lixa.
Nossos filhos são a abrasividade polidora de nossas vidas, aparando várias de nossas arestas, tornando pontas mais rombudas e suaves, reduzindo irregularidades drásticas e, sobretudo, nos permitindo ter uma nova compreensão do ser humano. Um ser que desenvolve inúmeras habilidades ao longo da vida, mas que insiste em se frustrar e cobrar por aquilo que não tem ou faz. Arthur, meu pequeno abrasor, por exemplo, entre outras coisas, mostra para mim que o desenvolvimento de habilidades linguísticas exige tempo, que a coordenação motora se aperfeiçoa, que o importante é usar de toda sua potencialidade, diariamente, para ser feliz naquele dia que se está vivendo. Sem planos complexos, projeções imensas ou ressentimentos intensos. A pura alegria de se descobrir e se sentir o que se vive.
Lindo, né? Mas dói. Lixar, esfoliar, desgastar a superfície encruada do hábito é penoso, dolorido e exige força de vontade. Tem gente que não deixa os filhos serem abrasivos: tolhem-lhes os movimentos de lixa, e enquadram logo em modos e maneiras necessárias (?) para se viver socialmente. Não os julgo, porque às vezes não deixo que me esfreguem as feridas, que me cutuquem os calos. Ninguém se deixa ser lixado o tempo todo. Mas acho importante manter isso de lixar em mente e permitir que Arthur me mostre onde preciso suavizar e amenizar. Ele também mostra onde eu preciso deixar calejar e endurecer. Nada é inteiramente bom ou ruim: precisamos de nossas crostas assim como precisamos de nossas maciezes. E essa é coisa linda (uma das) de se ter filhos: a chance de resgatar o equilíbrio e a necessidade de se desenvolver a capacidade de ponderar o que é importante, como é importante e quando é importante.
Filhos, abrasam, lixam, esfolam, esfregam, exigem de nós superfícies mais suaves para eles, e nos deixam, afinal, mais suaves para nós mesmo.
E assim, vou me lixando. Ou melhor, Arthur vai me lixando. Não ao modo português, mas ao brasileiro, que, embora aparentemente muito mais literal, na verdade mostrou-se muito mais literário.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Esquilo adaptado

Existe um mundo fora da blogosfera materna. Quero dizer, existe gente de verdade por trás dos blogues que lemos, e algumas pessoas que vêm me visitar, embora eu seja "anônima", me conhecem pessoalmente.
Mas sabe o que eu acho legalzão? É conhecer gente bacana através do blog!
Foi assim com a Helen.
Eu e a Júlia somos amigas fora do mundo virtual. Uma amizade bacana, muito especial para mim, porque temos diversas conexões em diferentes campos da vida (e em diferentes momentos da vida). Como uma mensagem que diz: ei, vocês duas PRECISAM estar juntas. E assim foi. Temos um amigo em comum, estudamos no mesmo lugar, ela me indicou a juíza de paz que celebrou meu casamento, eu indiquei a ela a médica que esteve com ela no nascimento do Biel, e o ensaio da nova família foi feito pela minha amiga de infância, Aline.
<3
Bom, aí quando eu disse que vinha morar aqui, em Evanston, Júlia falou: "já escutei esse nome antes. Espera um segundo!" E catou na internet o blog de uma moça que morava por aqui. Colocou a gente em contato, avisou que ela era super legal e assim eu conheci a Helen. Uma pessoa muito especial, indicada por outra pessoa muito especial. Sortuda que sou!
Bom, hoje fomos passear: eu, Arthur, Helen e cub.
Foi ótimo. Estava precisando, sabem?
E aí, no meio do passeio, no meio do parquinho, Arthur aponta para um esquilinho. Ah, que fofo! Um esquilo. O blog dela é "Esquilo adaptado". E...

- Helen, aquilo na boca do esquilo... é uma pizza???!!
- Acho que não. Deve ser um pedacinho de madeir... Não. É mesmo uma pizza!

Bom, isso que eu chamo de esquilo adaptado: na falta de nozes, meia portuguesa-meia calabresa.
Diz se o destino não é um fanfarrão?

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Primeira consulta médica

Um lado meu bem safado queria omitir a referência a Fernando Sabino e sua crônica do nariz entupido em Bruxelas. Mas meu lado honesto e certinho ocupa mais espaço. Droga! Porque o conto é sensacional e até hoje me faz rir. Daí, o que resta a mim e meus companheiros de viagem? Militar na conversa com a médica.
Querem ver?

A clínica é bonita. Novíssima. Cheguei no dia da inauguração (sorte minha, vocês já vão ver por quê). Fui resolver um pepino, mas aproveitei para solicitar uma consulta médica para o pequeno, já que desde que saímos do Brasil ele não passava por um exame. O dia estava frio, nublado, clínica recém-inaugurada, muita gente ainda pregando espelho na parede, encerando chão, aplicando revestimento na laminação da madeira, essas coisas que o destino nos dá de presente de vez em quando e que permitem que a gente receba a pergunta: "quer ser atendida hoje, agora?"
Opa! Claro!
Sentei-me, respondi um formulário gigantesco, que de tão grande, completo e complexo, não acharia estranho se perguntassem para qual time a gente torce, qual era a cor da minha calcinha ou com quantos paus se faz uma canoa. Bom, eu disse que eu me sentei para responder a esse interrogatório? Sentei-me nada! Fiquei correndo atrás do Arthur, prancheta em riste: casos de reumatismo na família? Hum, aquele tio-avó da minha prima era reumatismo ou... Arthur, desce daí! Diabetes tipo 2? Acho que sim, mas... Arthur, volta aqui, não corre para o estacionamento.
Coisa delícia, coisa simples, coisa que acontece diariamente.
Daí que essa coisa de corre-escreve-pensa-traduz-lembra-fala-para-o-moleque-descer-da-cadeira-mostra-passaporte levou uns bons quarenta minutos. E eu já estava por ali, na clínica, resolvendo a tal pendência anterior, há mais de duas horas. Então, a manhã já se encaminhava para seu fim quando terminei a avaliação prévia e fui chamada para ser atendida.
A enfermeira mediu temperatura, pesou, mediu e aumentou o aquecimento da sala, já que Arthur estava só de fraldinha, esperando a médica.
Que veio logo atrás de sua barriga: 39 semanas. Mas parecia bem, sabem? Eu fui uma grávida de 39 semanas digna de piedade, com minha falta de ar e barriga imensamente pesada. Mal me aguentava de pé. Mas a Dra. Rebecca estava graciosa em seu vestido vermelho de cintura imperial, jaqueta jeans e fita domando o cabelo cacheado. Bonita. Sem falta de ar.
Sorriu e perguntou: o que lhe traz aqui?
Assim, na lata.
Em inglês.
Por ter apenas obedecido às ordens da enfermeira que veio primeiro, e por ter passado uns cinco minutos na sala de exames tentando domar a ferinha só de fralda que tentava apertar todos os botões ali existentes, nem me lembrava mais de que teria que expor, em inglês, o que me afligia em relação a meu filho. Sem contar a anamnese feita na língua de Shakespeare! Como responder até mesmo o trivial, tipo peso? Sei lá a conversão entre quilos e libras de cabeça! Deveria ter me preparado.
Mas não me preparei. Fiquei correndo atrás do filhote de prancheta na mão, bolsa no ombro e passaporte no bolso. E, além disso, quem poderia imaginar ir resolver pendência burocrática e acabar de frente com uma médica grávida que lhe pergunta sem preâmbulos: o que lhe traz aqui?
Eu, que li o conto sabinesco trocentas vezes, me aferrei ao fato de que, na área biomédica, muitos termos são equivalentes em português e inglês porque, afinal, vêm do latim. Puxei na memória o latim tosco que tenho (cof, cof, cof!), caprichei no sotaque e fui. Até porque já estava na hora do almoço, Arthur e eu ficando com fome, e eu queria ir para casa logo.
Deixei a coisa fluir. Vacina. Peso. Altura. Angústias. Sonhos. Necessidades. Desejos. Até que me saí bem, sobretudo se considerarmos o meu nível de latim (amor, amore, amoribus).
Mas então aconteceu.
A médica, grávida de 39 semanas, perguntou se eu ainda amamentava. E se eu fazia cama compartilhada.
Sugeriu o desmame noturno. Questionei. Ela perguntou se eu estava feliz assim, acordando até 4 vezes na madrugada boladona. Sim, estou. Cansada, mas feliz. Ela disse, ok, então continue, e emendou, em algum momento da consulta, que mamar a toda hora parecia um "estilo de vida para ele" e que ele claramente me fazia de chupeta. Que faça! É assim que estamos felizes, principalmente em meio a todas as grandes mudanças por que passamos.
Veio então a cama compartilhada. Ela veio com o discurso ensaiado e eu só respondi: conheço os riscos. Ela foi bacana, não insistiu muito, apenas sugeriu graciosamente que colocássemos o colchão no chão. Já está, respondi. Está no chão porque perdemos uma trave de metal que sustenta o estrado, pensei. E nossa cama do colchão vagabundo está aqui, no chão, semi-montada, compartilhada por toda a família.
Ela também quis saber dos dentes, da alimentação, das vacinas (quis muito saber das vacinas) e do desenvolvimento. Respondi, crente que estava abafando. Até que a consulta, longa, minuciosa, já entrando tarde adentro, encaminhou-se para o fim. Arthur já dormindo atrelado ao peito, só de fraldinha (e lá fora fazendo 7 graus). Perguntou se eu tinha mais alguma dúvida. Tinha. Como explicar que tenho medo de Arthur fazer fimose? Bom, usei o método confuso de explicação, com gestos, palavras que não eram exatas para a situação, mas que funcionavam lindamente na metáfora e arrisquei: segurei na mão de Fernando Sabino e mandei o meu "limpar o esmegma". O rosto dela se iluminou: sim, sim, sim! Esmegma. Ela conhecia a palavra, entendeu toda minha encenação anterior e falou uma porção de coisas sobre o assunto. Compreendi metade, a outra metade começou a ficar confusa, perdida entre apitos e estrelinhas brilhantes e, por fim, eu compreendi. Não o que ela disse, mas que eu não estava entendendo patavinas do esmegma e da fimose porque eu estava... tchanã... desmaiando de fome.
Pausa dramática.
EU. ESTAVA. DESMAIANDO. DE. FOME.
Fazer o quê? A única coisa que me restava: olha, Dra. Rebecca, negócio é o seguinte. Quando fico muito tempo sem comer, e eu não esperava ter esta consulta, ser atendida tão rapidamente, eu desmaio. E é o que estou fazendo bem agora. Por acaso, assim, de repente, vocês teriam uma cafeteria, lanchonete ou mesmo máquina de refrigerante por aqui? Não, não tinha. Mas era meu dia de sorte, lembram? Inauguração da clínica. Havia um convescote na sala de reuniões. Bagels, batatinhas fritas, bolinhos, muffins. Um mundo de leite e manteiga para arruinar minha dieta APLV. Mas que remédio? Desmaiar a dez quadras de casa com um bebê de dezesseis meses no colo? Ganhei, feito mendiga, um bagel de alho, um muffin de mirtilo e um saco de batatinhas fritas. Arthur dormiu, tasquei no carrinho, e fui arrastando tudo: carrinho, Arthur, minha dignidade ferida e o bagel, que rolou no meio do estacionamento quando eu fui segurar a receita médica que o vento tentou levar.
Segurei a receita. Lamentei o bagel agora esmigalhado por uma roda. E li.
Phimosis.
Fimosis, minha gente!
É Fernando Sabino, mirei no esmegma, acertei na fimose, e voltei para casa com a certeza de que, na literatura, nada se perde, e muito me diverte.

sábado, 2 de novembro de 2013

Primeiro Halloween

Vocês, que me acompanham, sabem que eu não faço muito o estilo "querido diário", né? Geralmente faço um texto gaiato ou drama queen das coisas que me acontecem e vamos que vamos. Mas hoje eu vou fazer diferente. É que meu pequeno teve seu primeiro Halloween, e isso foi tão importante que merece nota.
Mas, já que vamos fazer, que façamos direito: deixem-me começar de novo o post.


Querido diário,

ontem foi Halloween aqui nos Estados Unidos. Nunca curti muito a data, non creo en las brujas (pero que las hay, las hay) e achava essa coisa toda meio estranha, porque carnaval era tão mais interessante em termos de fantasia, e logo depois vinha finados, que no Brasil é uma data tristonha, melancólica, então achava a coisa meio fora do eixo, meio desesperada. Mas eu não estou mais no Brasil, né, Di? Tô aqui, no Tio Sam halloweenesco, cheia dos frios e dos R retroflexos para tentar me comunicar, cheia do espírito de imigrante-vamos-nos-integrar-à-comunidade, essas coisas todas. E cheia dos hormônios de amamentação também. Porque, né, a ocitocina ajuda. O quê, Di? Não entendeu a conexão entre ocitocina e Halloween? Pô, Di, eu comprei um raio de uma fantasia de raposa para o Arthur! RAPOSA! Laranjinha, com rabo e enchimento na barriga! E Arthur, que já é a coisa mais fofa e deliciosa do universo todinho, ficou dolorosamente divino! Tudo bem que ele não curtiu muito o capuz que fazia a cara da raposa, mas durante o passeio, incomodado pelo frio e pela chuva (sim, choveu, como sempre acontece no dia dos mortos... uma tradição brasileira que talvez tenhamos importado), ele deixou ficar aquela cara de raposa, e não houve uma única pessoa que não tivesse elogiado a criatura!
Bom, mas deixa eu voltar aqui pro começo, antes de contar como foi.
Eu comprei a fantasia, espetei a criança lá dentro e, culpa da ocitocina, fiquei louca! Tirei 312 fotos (literalmente), suspirei, pirei e... broxei. Olhei para fora e a garoa fina da manhã virara chuva de verdade. Aqui, Di, o Halloween é tipo Carnaval no Brasil: tem anúncio de início e término (mas não dura uma semana; e se durasse, acho que eu infartava com tanta fofura!), e ao contrário do que mostram os filmes, não acontece de noitão. Porque é uma festa principalmente das crianças, é preciso se pensar na segurança, e a cidade onde moro decretou o horário oficial das 16 às 19h. E às 16h30, chovia canivete (ou gatos e cachorros, para gracejar com o idioma que agora speakamos). Deprimi. Mas aí comecei a ver a criançada nas ruas, todo mundo fantasiado, e pensei: "pô, primeiro Halloween do pequeno, e eu aqui no maior bode. Vou colocar isso no livrinho dele? 'Filhinho, no seu primeiro Halloween você e sua mãe ficaram dentro de casa, vendo a chuva, assistindo as crianças brincarem. Mas, ó, tirei baciada de fotos!' Eu não! Sapequei o moleque dentro do carregador de bebês (achei que seria mais prático, apesar de o carrinho ter capa de chuva), atochei o capuz de raposa, máquina de um lado, bolsa do outro, e bora enfiar a cara nessa de mergulhar na cultura. Ou melhor, bora pular de bomba nesse mergulho.
Nossa rua é bem residencial. Aliás, nossa vizinhança toda. E por isso fomos dar uma volta no quarteirão. Arthur ficou todo feliz, porque rua é com ele mesmo! E quando viu as primeiras crianças fantasiadas começou a apontar e fazer "ãhn-ãhn-ãhn", como quem diz: "caceta, mãe, olha essa cambada fantasiada! Que porra é essa?" (Porque ele é meu filho, e vai aprender logo umas palavras pesadas, não tem jeito.) Eram princesas, ladrões, roqueiros, pêras, coelhos, jilós e outras coisas que não fui capaz de identificar (o povo é criativo e crafter por aqui). E Arthur ficou embasbacado. Acompanhou-as com olhar e... logo descobriu que elas iam até as casas das pessoas. Casas essas que estavam decoradas e repleta de brinquedos (ou que pelo menos assim pareciam ser). Pronto!
Di, o menino enlouqueceu! Foi "ãhn-ãhn-ãhn" e dedinho em riste o tempo todo. E quando eu perguntava: "Meu filho, você quer entrar nesta casa?", ele sacolejava as duas cabeças (a dele e da raposa) e ficava com os olhinhos vidrados. Liguei pro marido aos prantos, tocada pela comoção que o evento causa: crianças fofas e felizes brincando nas ruas, todo poder ao povo! Ah, chorei mesmo. E fiz marido largar trabalho e vir ficar com a gente, afinal era uma festividade familiar.
O que era para ser uma voltinha no quarteirão virou uma peregrinação pela vizinhança. Vimos casas com decorações simples, casas que pareciam saídas de filmes de terror, casas com pessoas simpáticas, casas com pessoas ultra-simpáticas, casas com cachorros, com gatos, com outras crianças. Pegamos mais de trinta guloseimas (noventa porcento chocolate, uma pena!) e uma mini-tangerina com carinha de abóbora! Fiz questão de visitar minha casa favorita (aqui perto, em frente à igreja, Di. Espetáculo de casa!) e dar uma bisoiada em quem mora, como vive, o que come gente que tem casas lindas como aquela.
Era um cara de uns 40 anos, com cara de rico, roupa de rico (e três carrões na garagem), um cachorro (que pelo latido era grande), bebendo vinho e ouvindo The Doors enquanto distribuía chocolates em meio a uma bomba de fumaça (Arthur ficou fascinado). Ele nos mandou assistir este vídeo, que, segundo ele, já era viral (a filha dele, na faculdade, mandou para ele porque todo mundo estava assistindo). Bom, eu sei lá como é que a raposa faz, mas a minha raposa fazia "ãhn-ãhn-ãhn" a cada casa, e no fim da noite já estava enfiando a mãozinha gorda nas tigelas cheias de doces e enfiando um pirulito verde-euforia na boca. Claro que eu não tirei o papel. Claro que duzentas e doze pessoas vieram me avisar que o pirulito estava embrulhado.
Enfim, foi um dia muito especial, porque além de gostoso fez com que eu me sentisse parte de algo, fez com que eu conhecesse alguns vizinhos e que eu visse que crianças são crianças, e são felizes com pouco.
Agora, Di, o Halloween fez sentido para mim: encheu de esperança e renovou minhas energias para enfrentar o inverno que vem chegando impiedosamente. Mas eu, marido e minha pequena raposa enfrentamos o tempo ruim e, juntos, unidos, nos divertimos.

Beijo, Di. Volto outro dia.

Criançada aqui na rua. <3
OBS: Valeu pela dicas, Helen!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Alimentar um bebê de dezesseis meses é...

... se sentir um garçom de churrascaria: mais uma carninha? um franguinho? uma maçã? moranguinho? água? cenoura? carninha?

(Marido é um gênio.)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cigarras da micareta

Seis da manhã de terça-feira: a dor de coluna por causa do colchão vagabundo me acorda. Sacanagem! Arthur ainda está dormindo e eu poderia descansar mais um pouco, mas tudo bem, vamos lá.
Vou até a cozinha, como um pedaço generoso de bolo regado a suco de laranja, aproveito para dar uma geral na bagunça cativa da cozinha. Seis e vinte. Decido voltar para a cama, nem que seja por uma questão de honra, não acordar antes de o sol nascer.
Entro no quarto e ouço cigarras cantando.
A média da semana foi 4 graus, e eu me pergunto de que micareta essas cigarras saíram. Aproximo-me da janela e sou atingida por uma lufada quente, e me pergunto: holocausto nuclear? aquecimento global? inversão térmica? que porra é essa?
Chego mais perto, abro a persiana com cautela, temendo dar de cara com um extraterrestre que veio me abduzir (melhor eu parar de pedir que isso aconteça quando estiver cansada) e o vidro da janela está estranhamente embaçado. O lado esquerdo é uma nódoa úmida; o lado direito, uma distorção opaca. Caceta! As cigarras estão certas: o dia está quente, mas como, já estamos no outono, que por aqui é de verdade, zona temperada, estações bem marcadas (um beijo, professor de geografia do primeiro ano!)?
Chego mais perto do vidro e decido desembaçá-lo. Ao mesmíssimo tempo em que toco sua superfície gélida, meu vizinho sai do prédio todo encasacado: gorro, luvas, cachecol. As informações díspares causam um efêmero curto-circuito em meu cérebro já não lá muito bom. Calor, frio, cigarras, luvas, ar quente e gorros rodopiam em minha mente. Sinto-me ancestralmente cansada, levemente tonta. Preciso respirar: tento abrir a janela, mas tremo tanto que não consigo. Marido acorda com a movimentação e, das profundezas de seu sono pergunta o que estou fazendo. Tento explicar, confundo-me, enrolo-me, até que ele murmura, já virando-se para o outro lado: ok, ok, só não abre a janela porque senão o aquecimento vai embora. E tudo se ilumina em minha mente.
Fica a dica, gente: aquecedores à água assobiam feito cigarras temporãs.

sábado, 26 de outubro de 2013

Da loucura

Que louco permitiu que eu saísse da maternidade com um bebê? Inepta. Iludida. Descabida.
E que louco, depois de um ano, depois de dezesseis meses, permite que eu, sistematicamente, falhe: mãe, pessoa, profissional, mulher, sã?

Este post é sobre a loucura que ronda, que espreita cada mãe. Cada mãe enlouquece silenciosamente na frustração da rotina. Da quebrada e da inteira. A inteira porque monótona e traiçoeira, vai se apoderando dos pequenos prazeres e fazendo deles pequenas tarefas. Aí, quando se vê, cuidamos por obrigação. A rotina partida, fragmentada, pulverizada frustra porque traz à tona a incapacidade de disciplina. Disciplina nossa, tão importante para que nossos pequenos também se disciplinem.
Aqui, enlouqueço pouco a pouco, engolfada por algo que nem sei bem o que é, onde mora ou como cresce. Parece lama, embrenhando-se e dificultando os passos; lembra lodo, crescendo nos cantos escuros e tornando o passo certo escorregadio.
Ninguém me disse que seria fácil, e eu, adolescente que pari - sim, adolescente, imatura, despreparada e ainda com tanto a descobrir sobre mim mesma -, achei que ser mulher bastaria. Achei que os amigos, em linhas retas, sempre heróis em tudo, davam a medida certa de todas as coisas. Os homens. E também as mulheres. Elas vieram para minha vida depois da maternidade. Todas mães de meninos, por pura coincidência, para que o processo (frustrante também) de comparação possa vir inteiro, completo. Complexo. Elas, essas mães, são fabulosas em seus erros. Uma é linda, despojada, sabe o que fazer em momentos de crise e nunca parece gritar. Deve gritar, eu sei, mas há de ser um grito carinhoso e pleno, não a histeria insana do dedo na tomada, da mão que quase se prende à porta que bate. Um grito de amor: não pode, Fulaninho. Mamãe está falando sério. Sensata essa. É assim que a vejo.
Outra, menos paciente porque sobrecarregada: faz de tudo e mais um pouco sem poder contar com muita ajuda. Essa, embora deva gritar (e até reconhece que o faz), tem a coragem. Vai lá e encara a boca escancarada, o olho esbugalhado, a boca da noite fechada.
Mais uma: essa nem tão segura quanto a primeira, nem tão sem ajuda quanto a segunda. Mas infinita na busca, na pesquisa, na alternativa, na paciência. E eu reprimo, então, minha decepção ao notar que parece que me falta a essência disso tudo que envolve a maternagem.
Pego-me repetindo velhos estribilhos que me fizeram gauche, que me fizeram em linhas tortas (sem Deus para escrever certo, pois sou ateia). Velhos estribilhos, velhas sensibilidades, que doendo em mim, vão doer no meu garoto, reflexo de minha vida.
Olho para Arthur, ansioso, irritadiço, demandando, e reconheço nisso cada falha minha, cada frustração, cada ocasião mal aproveitada e mal dirigida. Olho e me pergunto: que louco permitiu isso?
Amo-o. De um amor intenso, louco, crescente e que me preenche. Mas falho. E sofro. Porque isso não vai bastar a ele. Eu preciso ser amorosa, sim. Mas também tenho de ser inteira, única. Nas minhas linhas tortas, tenho claros problemas de coerência e coesão: porque a gramática que aprendi não fala a língua materna que tenho. Minha comunicação tropeça e se ruidifica: interferências desnecessárias. Falta de sons extremamente precisos. Pareço um megafone ninando um bebê. Um terremoto acalentando meu filho. Um furacão soprando-lhe as feridas (sobretudo as emocionais, que já se abrem diante de mim).
Ele chora, e eu tenho vontade de sumir, de sair, de fugir, de conseguir fazer, enfim, algo de certo, de coerente. Mas repito a ladainha cheia de erros que não combina com a beleza da linguagem-maternagem que sei em mim. É a gramática ruim. São os erros da fala, da mensagem, do meio, e tudo se trunca.
E se ele sorri, desabo. A confiança que vai se mostrar equivocada. Sou um equívoco, uma fraude. Respiro fundo. E pergunto, obsessivamente: quem foi o louco?

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sobre o segundinho (de novo)

Li com carinho e gratidão cada comentário na minha postagem/pergunta sobre o segundinho. Depois, escrevi um texto que estava intimamente relacionado ao que pensei sobre o assunto. Mas acho que ainda preciso voltar ao tema, e ouvir (vocês e o que eu realmente tenho sentido/pensado/vivido).
Mas vamos fazer isso mais teatralmente?

personagens:
ID
EGO
SUPEREGO

[tarde da noite, bebê dorme de boca aberta, marido também sonha. Ártemis mantém os dois olhões escancarados na escuridão, insone com suas angústias. Entram ID, EGO e SUPEREGO, cada qual querendo pisar mais firme na mente inquieta da moçoila.]

ID: Uhuuu, boa noite, galera! Aliás, ótima noite, noite sublime, noite selvagem, noite...
SUPEREGO: Vamos dormir. Agora! O bebê vai acordar em menos de três horas e então todo mundo vai estar um bagaço, sem forças para aguentar o tranco de dizer não cento e noventa e três vezes - sim, eu contei -, de preparar refeições que vão parar no chão ou no lixo, de insistir para que ele beba água, de enfiar o moleque no banho antes de o sono bater e acabar com qualquer possibilidade de paz e...
EGO: Tá, tá, vocês duas: boa noite, Id. Superego, se ficar listando cada tarefa do dia em suas minúcias vai ser complicado. A pauta do dia é.... que rufem os tambores... "segundinho: ter ou não ter?" Tadãããã!
ID: SIM, SIM, SIM, SIM. Ter, sim, agora, já, foi tão bom ter o Arthur, claro que ela precisa ter mais um e mais outro, e outro, e depois outro. Quem sabe gêmeos? E outro cachorro, e um gato! E quanto amor! Amor é tudo o que importa. E eles podem viver todos numa fazenda, criar as próprias galinhas, vender ovos para uma renda extra e...
SUPEREGO: Id, a gente deveria vender você. Para um circo de horrores! Imagina só! A pobre coitada mal dá conta de tomar banho! Ter um segundo filho, sem querer entrar no mérito financeiro, que é muito importante nos dias de hoje, sobretudo com a nova vida deles em país estrangeiro, enfim... ter um segundo filho implica em menos tempo para que ela se dedique a atividades de caráter pessoal, tipo tomar banho, navegar na internet, realizar passeios descompromissados, entre milhares de outras possibilidades, que servem, acima de tudo, para que ela mantenha níveis decentes de sanidade mental. E quando digo sanidade mental, quero dizer: manter a vida em equilíbrio suficiente para que o estresse ou a falta de espaço pessoal não a engolfe num turbilhão de emoções e cansaços, que fatalmente a levariam a uma recaída da depressão que ela enfrentou quando mais jovem.
ID: Ahhhhhhhh, a depressão! Foi horrível, realmente. Ai, será que ela vai afundar mais uma vez? E o que será de nós? Mas o Arthur é tão bonitinho, é tão lindinho, é tanta alegria na vida dela... eu acho que...
EGO: Calma, vocês duas! Claro que Arthur é ótimo, mas também é uma rotina muito cansativa viver em casa, no momento bastante isolada porque recém-chegada e com poucas referências ainda. Nada de depressão, por enquanto.
SUPEREGO: Não quis dizer que ela está a beira da depressão, é claro. Vocês sempre entendem errado o que eu levanto para debate. Sempre aquém do verdadeiro sentido e da linearidade do que verbalizo.
EGO: [suspiro] Ok, ok. São quase quatro da manhã, gente. Foco!
ID: Ai, quatro da manhã. Que lua L-I-N-D-A!
EGO e SUPEREGO: Foco!
ID: Ok, ok...
EGO: Como eu ia dizendo, existem basicamente três empecilhos para o segundinho. E esse três estão inter-relacionados.
SUPEREGO: [controlada, mas transparecendo leve impaciência] Três? Você realmente acha que são apenas três empecilhos?
ID: [aos berros, salivando] Três???? Não existe nenhum empecilho! Eles se amam, são jovens, ela sempre quis família grande, filho vem com o pão debaixo do braço e, para completar, ai, parir é tããããããooooo gostoso, tão selvagem, tão natural, tão intenso.
SUPEREGO: Está vendo? Mais um motivo para ela parar no primeiro filho, e olhe lá! Parir é tenebrosamente descontrolado: você não sabe aonde aquilo vai dar, não controla as variáveis.
EGO: [bufando baixinho] Posso terminar?
ID: Não!
SUPEREGO: Sim.
EGO: Os três empecilhos são: ela mora sozinha-inha nos EUA. Ou seja, são apenas eles três nas terras de Tio Sam. Existe, portanto, um fator operacional que dificulta a vinda de um segundinho. Por exemplo: com quem Arthur vai ficar na hora do parto?
ID: Com eles? Na sala de parto? De preferência dentro da banheira, brincando enquanto o irmão, ou irmã, nasce...
SUPEREGO: E se a coisa não sair conforme o esperado e ela precisar ir para a cesárea? Vão fazer o quê? Levar o menino para a sala de cirurgia? Que beleza, hein.
EGO: Sim, exato. Precisamos ponderar também que, para além do parto, existe a rotina fatigante dos primeiros dias de um recém-nascido. E ela não vai poder contar com a mesma disponibilidade de horas livres do marido que ela teve quando Arthur nasceu. Agora ele tem um trabalho que exige muito mais dele. Então, vai ser ela sozinha. Completamente.
ID: [com lágrimas nos olhos] Estou tão sozinha. Ela também. Vê? Quatro da manhã e nenhuma luz acesa lá fora, ela está sozinha com suas angústias e ansiedades. É muito triste, é terrivelmente...
SUPEREGO: NORMAL.
EGO: Sim, normal. Todo mundo passa por questões nessa vida. Ela está bem e vai continuar bem. Só precisa realmente pensar e chegar a uma conclusão. Nem que seja a de que, por enquanto, não tem conclusão nenhuma a que se chegar.
SUPEREGO: Muito bem articulado, Ego.
EGO: Obrigada. Achou mesmo?
ID: [pigarreando exageradamente] Podemos?
EGO: Ah, sim. Bom, ela está sozinha, então precisará cuidar de um bebê e de um recém-nascido ao mesmo tempo. E também da casa. Isso é muita coisa. E ela sabe que vai acabar bem estressada.
SUPEREGO: A solução ideal seria chamar a mãe. Ou a sogra. Ou as duas.
ID: Deus nos livre dessa maluquice sem tamanho!
EGO: Não vamos discutir isso agora, certo? Não contemos com outras pessoas, já que elas moram muito longe agora. Voltando, então: ela está sozinha e precisará lidar com tudo sozinha. Para não sobrecarregar o marido. Com isso, ela ficará sem tempo. Estando sem tempo, ficará bem estressada. E estressada, mal curtirá os momentos com os filhos.
ID: Mas tudo será lembranças na velhice. [chorando agora] A velhice é tão solitária, e uma família grande foi com o que ela sempre sonhou...
SUPEREGO: Do que adianta ter memórias de brigas, discussões e irritações?
EGO: Isso. Vamos por esse caminho.
ID: Você sempre ouve muito mais a Superego que a mim.
EGO: Isso não é verdade. Lembra-se do parto? Desde então, quem é que mais me dá conselhos sobre o que devo fazer com Arthur?
SUPEREGO: Se você escutasse o que eu tenho a dizer... Os outros acham que você...
ID e EGO: Danem-se os outros!
SUPEREGO: [suspiro]
EGO: Bom, voltando ao segundinho. Além do que já falei, eles também têm uma renda limitada. E um segundo bebê teria um impacto no orçamento já apertadíssimo deles.
ID: Usa tudo de segunda mão. Eles já têm uma porção de coisas que compraram para o Arthur, podem aproveitar para o outro bebê.
SUPEREGO: É, tipo plano de saúde, né?
EGO: Posso terminar? Bom, haverá impacto. Isso é fato. Some-se a tudo o que já expus e teremos pontos bem fortes contrários ao segundinho. E como se não bastassem esses motivos, ainda é preciso sermos francas: ela está com saudades de ter um tempo só dela, saudades de dormir até um pouco mais tarde, saudades de poder ler um livro. Essas coisas.
SUPEREGO: Ah, sim, e com dois filhos para cuidar, adeus leituras, tempo livre, lavar cabelo. E, cá entre nós, ela já deixa muito a desejar na criação desse menino!
ID: Lá vem você e sua mania de deixá-la culpada, Superego! Deixa a menina! Ela é marinheira de primeira viagem, ela está sozinha num país estrangeiro, ela...
SUPEREGO: E lá vem você arrumar desculpas para as falhas dela. Inadmissível!
EGO: As duas, quietas, já! Ela está se esforçando e ninguém é perfeito.
SUPEREGO: Isso porque ela não me escuta. Se escutasse, ela poderia ser perfeita, sim.
ID: Aham, claro. Senta lá, Superego mala!
EGO: Sem discussão! O bebê vai acordar a qualquer momento para mamar e precisamos ajudá-la. Coitada, olhem só: não prega os olhos, está super ansiosa, tem anseios na vida...
SUPEREGO: Exato! Ainda bem que você tocou nesse ponto! Ela tem anseios. Melhor parar nesse primeiro filho, pois vai ser mais sensato. Imagina só: ela quer seguir sua vida profissional, sente falta de ter seu espaço também em termos intelectuais, quer sentir-se desafiada por questões acadêmicas e profissionais. Como você acha que ela vai dar conta de tudo? Estudos, vida profissional, novos desafios intelectuais, casa, dois ou três filhos?
ID: Sim, mas e o sonho de ter família grande?
SUPEREGO: Nem sempre os sonhos são factíveis.
ID: Mas precisamos dos sonhos. São os sonhos e as emoções que nos mantêm vivos, que nos impulsionam! E o amor, claro!
SUPEREGO: O que nos mantém vivos é a prudência. E é prudente que ela pare no primeiro filho. Tanto em termos profissionais, quanto em termos pessoais e financeiros. Acabou-se o tempo das famílias numerosas. Hoje em dia as pessoas têm restrições orçamentárias porque têm outros anseios e necessidades. Sem contar a questão da inserção da mulher no mercado de trabalho...
ID: Ai, que teoria chaaaaataaaaaaa...
EGO: Vocês duas, quietas! Já pedi! Vamos organizar o que vocês disseram porque nessa ladainha das duas existem uns pontos importantes para esta discussão. Em primeiro lugar, a perspectiva profissional. Se por um lado existem argumentos para que ela tenha somente um filho, conforme bem alardeou nossa amiga Superego.
SUPEREGO: Alardeou, não.
EGO [pigarreando]: Conforme, hum..., sinalizou nossa cara Superego.
SUPEREGO: Obrigada.
EGO: Enfim, embora existam esses argumentos indubitavelmente contrários a um segundinho, há que se pensar também que ela está parada agora, em termos profissionais. Já que está parada, então é melhor que fique parada de uma vez, tenha o segundo, e então, depois que os dois filhos já estiverem mais independentes e na idade de frequentarem a escolinha, aí ela retoma tudo. Ainda será jovem.
ID: Eu estava concordando com você, Ego, mas aí você disse que ela ainda será jovem. Não será, não! Será velha para o mercado! Como você acha que ela vai se reinserir profissionalmente?
SUPEREGO: Finalmente uma colocação sensata desta... hum... deixa para lá.
ID: Oh, céus! Superego concordou comigo? Então retiro o que disse, porque é claro que esse é um argumento anti-segundinho, e vocês sabem que eu quero muito o segundinho, e o terceirinho, e o...
EGO: Como eu ia dizendo, a questão profissional pode ser contornada dessa maneira, e se ela realmente quer um segundo filho, que aproveite a oportunidade de ficar um tempo dedicando-se somente à maternidade para emendar uma nova gravidez, puerpério e todo o processo. Porque esperar cerca de cinco anos para ter o segundo, lembrando que essa foi um estimativa a que ela e o marido chegaram, pode impactar negativamente em termos de vida profissional. E como se não bastasse tudo isso que acabei de falar, quanto mais ela adia, mais complicada a questão se torna, pois ela vai envelhecer...
ID: Envelhecer, não. Ficar vintage.
EGO [rindo discretamente]: Ela não vai ficar mais nova, pronto, e aí temos um impasse entre o relógio biológico, que pede urgência, e o relógio social, que pede calma, pede que ela se reinsira no mercado, que aproveite oportunidades, que se dedique a seus anseios por desafios intelectuais, e só depois retome a questão da maternidade.
ID: Com isso, caríssimas senhoras, chegamos ao consenso de que é melhor ela aproveitar que o bebê está dormindo e atacar o marido agora mesmo, vai que ela está ovulando e...
SUPEREGO: Faça-me o favor!
EGO: Não briguemos! Estamos aqui para tentar chegar a uma conclusão, não a um impasse, então...
ID: Xiiiiii...
SUPEREGO: O que foi desta vez? Insuportáveis essas suas interrupções, Id.
ID: Deixa de ser chato, Superego. Interrompi porque vamos precisar adiar o veredicto.
EGO [assustado]: Por quê?
ID: Porque o bebê acordou.

E com isso, passo noites inteiras acordada, olhando o teto, pensando nos prós e contras do segundinho. E nos prós e contras de pensar e planejar um segundinho.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atualização de sistema

Sono: update realizado com sucesso! Dorme sem necessariamente precisar tomar banho antes. Bugs: acorda de hora em hora, ou pelo menos 4 vezes todas as noites.
Coordenação motora: update realizado com sucesso! Anda, corre, faz movimento de pinça, enfia o dedinho gordo no nariz. Bugs: depois de enfiar o dedo no nariz, enfia na boca; instabilidade no correr.
Fala: update realizado com sucesso! Fala novas palavras e entende grande parte do que falamos. Bugs: fala "bye-bye" quando chega; o patinho faz "pá-pá" em vez de "quá-quá".
Alimentação: update pendente. Bugs: Modo aleatório ativado. Come bem, come pouco, come nada, come um tico, come pouco, não come, come bem...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Aprendizagens

Há muito tempo eu vinha pensando em como determinadas coisas que descobri/aprendi/resgatei com a maternidade pareciam muito próximas de vivências e experiências que tive enquanto praticante de atividades físicas.
Sabem, eu fui sedentária por muitos anos. Vinte e seis, para ser mais exata. Eu era a criança que preferia pique-alto porque tinha tempo de descanso, era a adolescente que matava todas as aulas de educação física e fui a jovem adulta que fugia da academia porque, sendo magra, para quê, né?
Um dia, porém, eu acordei e percebi que tinha perdido o movimento do pescoço. Não era torcicolo. Era perda de movimento. E eu sabia que a coisa estava feia, porque nos meses anteriores eu havia, pouco a pouco, sido limitada por meu próprio corpo. Começou com o movimento de torção do quadril, depois eu perdi a capacidade de mover adequadamente os braços, até que um dia, aos vinte e seis anos, eu perdi todos esses movimentos mais a capacidade de virar o pescoço. Fora a dor, que já me acompanhava desde meus 11 anos.
Resolvi procurar ajuda, claro. Fui a diversos ortopedistas e iniciei um longo processo de recuperação com fisioterapia. Eu era a única jovem da minha "turma" de pilates fisioterápico. Ao meu lado, senhoras e senhores que conseguiam levantar mais peso e ter mais mobilidade que eu, que estava no auge da juventude. Na minha avaliação, constatou-se que eu havia perdido quase toda minha massa muscular (não sei o termo técnico) de determinada parte das costas, estava fraquíssima e, pior, com a coluna seriamente comprometida, pois não havia sustentação e uma hérnia se anunciava como a próxima etapa da deterioração de minha saúde óssea/postural. Fora a pelanca na barriga, mesmo sendo magra, as enxaquecas quase diárias e, claro, a lordose horrível, que me dava um ar de derrotada mesmo nos dias mais felizes da minha vida.
Decidi mudar. Era uma escolha: ser saudável e enfrentar meus preconceitos (já que eu nunca havia feito atividades físicas de forma sistemática antes) ou continuar na minha zona de (des)conforto.
Dediquei-me à fisioterapia e, mesmo sem receber alta (fisioterapeutas, não me matem; e leitores, não repitam isso em casa!), me matriculei numa atividade física. Escolhi uma que eu sempre quis fazer: balé! E aos vinte e seis, quase vinte e sete, comprei minha primeira sapatilha.
A turma, assim como no pilates, era composta de pessoas mais velhas que eu. E, claro, pessoas com muito mais experiência no balé. Então, eu era a mais jovem, a mais flácida, a mais descoordenada e a que menos tinha conhecimento das posições e fundamentos da dança.
Insisti. Fui em frente. Chovesse ou fizesse sol, ia eu lá para o balé, para a fisioterapia, e um ano depois já não tinha enxaquecas, havia recuperado meus movimentos e a hérnia voltara a ser apenas uma sombra no horizonte (embora eu tenha até hoje espondilolistese).
Depois do balé, fiz ioga, alongamento e pilates de chão e com bolas, hidroginástica, musculação...
Mas o que eu quero contar aconteceu mesmo no balé.
Cheguei com as sapatilhas novas, o collant, a calça, e logo na primeira aula veio a frustração, o desafio incompleto de executar com perfeição o movimento.
Se você nunca entrou em um studio de balé, informo: é cruel. Só os fortes sobrevivem. E não digo isso só porque bailarinos clássicos (ou outros, mas como eu fiz balé clássico, vou falar sobre ele) são fortalezas musculares. Não, não! A crueldade está na parede INTEIRAMENTE espelhada. É um espelho IMENSO, GIGANTESCO, do qual você não pode escapar e que a cada movimento coloca em perspectiva o seu movimento e o da professora, a sua execução e a dos seus colegas. É cruel!
Meu conselho: não desista, mesmo que você veja o quão limitada é sua musculatura e o quão precária é a sua coordenação motora.
Então, eu estava no meio dessa crueldade toda, lutando muito para coordenar membros superiores, inferiores e respiração (convém não desmaiar nas aulas, né?), quando tive um clique. Sabem aqueles cliques que depois você até conta para as pessoas e elas fazem cara de "e daí essa coisa óbvia?", mas que é uma coisa tão óbvia, tão evidente, mas que você nunquinha tinha notado antes, e que depois que você percebe essa coisa coloca toda sua vida em perspectiva? Pois é. Tive um desses.
Entre um demi plié e um pas de bourrée (meu terror!) eu vi: minha limitação. Bem ali. Na minha frente. Posta ao lado das limitações alheias. E também lado a lado com os êxitos alheios. E eu vi que se eu me enrolava toda no pas de bourrée (causando comoção na aula quando enfim acertava o passo), minha incrível flexibilidade nata me colocava no mesmíssimo patamar da professora, quando o assunto era alongar as pernas (arrasava nos jettés!).
Isso, meu deus!, revolucionou minha vida.
Daí eu saí do balé, fui para a ioga, para outras práticas, outras maneiras de me conectar com meu corpo, sempre tendo em mente esse aprendizado do balé: limites. Os meus.
E aí eu engravidei. E pari (cheia de limitações, rompendo algumas barreiras, ficando em outras). E fui, fui, fui. E depois que Arthur chegou, fiquei matutando sobre essa coisa de aprender e de perceber o corpo material e de como ter um filho oferece a genial oportunidade de revisitarmos determinadas vivências.
E então, hoje, eu assisti a este vídeo (clique na imagem):


E, finalmente, eu entendi: ter um bebê é ter a incrível e única oportunidade de resgatar em si aprendizagens há muito esquecidas. É a grande dádiva que a natureza nos dá para que observemos mais uma vez o prosaico, aquilo que a repetição dos experts fez embotar: que para seguir adiante, precisamos dos pequenos movimentos executados com a máxima consciência e perfeição de que formos capazes. Porque só assim, plenamente conscientes do lugar em que estamos e do corpo que habitamos, somos capazes de escolher, aprender e conquistar.
Não desistam, tentem outra vez.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Vida loka

Eu fui uma jovem selvagem. Tá, nem tanto. Mas fiz minhas besteiras bem besteirudas, daquelas que, hoje em dia, mãe, penso e me arrepio da cabeça aos pés. Que Arthur não faça essas besteiras, oh, céus!
Então que eu cresci, casei, engravidei e pari. Achei que, então, minha vida loka tinha se acabado, que nunca mais eu faria coisas ousadas e temerárias, que minha vida seria um recanto bucólico parnasiano: eu maternando na torre de marfim.

Guarde essa informação.

Você, querida leitora (ou leitor) que usa maquiagem (por motivos profissionais ou pessoais, não importa), lembra-se de quanto foi difícil começar a passar rímel e lápis de olho? No começo, tudo borrava, você piscava bem na hora em que estava com as cerdas do aplicador na última parte dos cílios, e passava num piscar de olhos, literalmente, de femme fatale a ursa panda. É ou não é? Bom, aí você foi lá, insistiu, assistiu a tutoriais, viu a tia se maquiar, conversou com a amiga, assistiu programas na tevê, treinou, treinou, gastou cinco vidros de demaquilante, aprendeu a usar rímel lavável em vez de usar o à prova d'água, e depois de quinze anos consegue se maquiar até em ônibus em movimento?
Amiga, amigo, experimenta se maquiar com o filho escanchado no quadril! Isso é ousadia, isso é selvageria, isso é perigo real e imediato de cegueira ou sufocamento porque o pimpolho engoliu a tampa do lápis de olho!
Bom, mas a ousadia que resgatou em mim os tempos de molecagem marota e inconsequente não parou por aí, não. Não pensem que me dei por satisfeita só por passar make-up com o pequeno a tiracolo! Nem que sagazmente passar perfume sem atingi-lo (embora ele ainda estivesse no meu colo!) foi um feito louco e delirante. Não, queridas e queridos! A insanidade real, que me faz ficar arrepiada da cabeça aos pés só de relembrar o momento foi usar minha caríssima blusa de caxemira BRANCA fazendo tudo isso e, depois, levando o filhote, fã de morangos e blueberries (no colo, claro!), a um JANTAR, com frutinhas, verdurinhas, friturinhas e tudo mais que poderia manchar e destruir para sempre o pouco de dignidade glamorosa que ainda me resta.
Mas, como diria Júlio César (o general romano, não o goleiro): vim, vi e venci! Voltamos, eu, Arthur e a blusa branca de caxemira incólumes para casa.
Quero dizer... Arthur nem tão incólume, já que resolveu mamar na festa, e puxou a blusa, e está até agora parecendo um mini-Gandalf de tanto pelo branco.

E eu achando que meus dias de selvageria tinham-se findado.
Dáblui, dábliu, dábliu, vidaloka ponto com.

sábado, 21 de setembro de 2013

Nossos filhos, esses estranhos

Eu me lembro até hoje: veio na agenda da creche "Arthur disse a palavra 'bola' diversas vezes hoje." E foi assim que eu fiquei sabendo da primeira palavra do meu bebê. Muito triste, achei.
Essa coisa de deixar em creche sempre me deixou deprimida. Ainda grávida, sofria antecipadamente ao pensar que chegaria o dia em que deixaria meu filhotinho, gestado e parido com tanto amor, acalentado com tantas mamadas e atenções, na creche, aos cuidados de pessoas estranhas, que certamente não teriam o mesmo amor que eu tenho por ele. Sofria. Sofri. Muito.
Daí, tive a oportunidade de ouro de largar carreira, dinheiro e canudo, e ir cuidar do meu molecote, sozinha, no conforto do meu lar, 24h por dia, sete dias na semana, inclusive sábados, domingos, feriados e dias de doença e convalescença. Oportunidade de ouro, eu sei, tenho consciência dela a cada diazinho que acordo e não preciso me arrumar para ir ao trabalho, só ao parquinho; a cada tarde que curto meu bebezinho grudado a mim, aprendendo as coisas do mundo, da vida e sobre mim bem diante dos meus olhos. Eu sei. Mas não é porque eu sei da minha sorte que eu não sinta cansaço, que eu não fique estressada e até mesmo frustrada de vez em quando. Quem cuida de um bebê em tempo integral sabe do que estou falando, e é óbvio que essa foi minha escolha consciente, livre e deliberada: aceitei seus bônus e seus ônus, e acho que, sim, fiz muito bem a mim, a ele, à família.
Então, hoje, quero falar um pouco sobre o cansaço e a frustração de ser mãe integral, sobretudo depois de ter sido mãe proletária com CLT.
Quando eu trabalhava nove horas num escritório, sentada numa mesa toda minha, com prazos e projetos que dependiam de mim e somente de mim para irem adiante, eu me sentia frustrada e estressada. Cansei de sonhar acordada no meio do expediente, pensando no programa de fim de semana que iria fazer, antecipando o momento em que meu filho deitaria os olhos em mim, jogaria os bracinhos para o alto e viria diretamente ser acarinhado em meu seio. No mundo cor-de-rosa dos que estão infelizes com a realidade em que vivem (eu amava meu trabalho, claro, mas havia uma confluência de fatores intra e extra-empresariais que me despertavam outras ambições), mudar a realidade significa viver em um paraíso cristão: sem dores, sem sofrimento, com alguma culpa. Acontece, minha gente, que aqui na Terra, ao menos até onde me conste, tal paraíso não existe, e é por isso que o nosso livre-arbítrio é tão fundamental para sermos felizes. Não vou me alongar muito nesse quesito porque todo mundo sabe disso e eu não estou aqui para escrever um post de auto-ajuda alheia (auto-ajuda própria, sim, certamente!). Vamos então só passar adiante, e eu conto para vocês que, mesmo sabendo que eu estava idealizando a maternagem em tempo integral, eu achava que não haveria frustrações e estresses do mesmo nível de intensidade que eu vivia na panela de pressão social chamada "dupla jornada feminina": mãe-e-proletária-CLT.
Mais uma cuspidela para o alto, né? O que me faz questionar o gênero de Murphy: será mesmo um homem? Porque está com cara mesmo é de mulher, que entende do babado de se lascar na vida, então, por isso, cumpre seu papel com maestria.
Digressei, eu sei. Volto.
Bom, então, estava eu, com meu filho que dizia "bola", agora vivendo o Eldorado das attached mommies, em casa em tempo integral, levando ao parquinho, à biblioteca, ao ginásio de atividades, vendo de perto ele enfiar mãos cheias de areia nojenta na boca, assistindo ele descer às gargalhadas o escorrega, ficando apavorada quando ele se estabacava de cara no concreto (abriu o lábio duas vezes, o safado!), quase até adivinhando qual brinquedinho babado que ele enfiara na boca havia causado a gripe que ele pegou, quando eu me dei conta de uma coisa muito, mas muito, muito, muito importante. Meu filho, naquele momento, era quase um estranho para mim.
Quando ele saiu de dentro de mim, berrando, escorregadio, macio e quente, ele era um estranho completo. Não reconheci nele nada: suas feições eram novas, seu choro nunca fora ouvido, suas expressões, manias ou seus trejeitos eram todos inéditos. Até mesmo espirros e bocejos eram surpreendentemente ímpares. Quem pariu sabe (e quem teve o bebê por cirurgia ou adotou, também, é claro!). É uma delícia ir descobrindo e conhecendo nosso bebê, e talvez porque você está ali, num processo íntimo, delicado e sensível, de mútuo conhecimento (no caso do bebê, muita coisa de reconhecimento acontece), é que irritem tantos os pitacos: mexe com a nossa insegurança normal de mães recém-nascidas, que não sabe NADA sobre o próprio filho. E não sabe nada, mesmo que tenha feito mil cursos, quinze ultras 4D por mês, mesmo que tenha dezenove filhos mais velhos. Esse bebê que acabou de sair da sua barriga é inteiramente novo e uma incógnita absoluta.
Bom, daí você fica no chamego ocitocínico dos primeiros dias, depois se apaixona por cada pedacinho daquela pessoinha nova (até pedacinhos fedorentinhos), curte, ama, se doa, se dói, se entrega e, enfim, depois de uns três meses, você finalmente está apta a dizer que conhece seu filhote. Se chora assim, é sono; se come a mão assado, é fome; cocô mole, dente; risada de banda, fez xixi; agitou as mãozinhas, chega de balanço; os pezinhos não param, está ansioso. E por aí vai. O processo às vezes vai mais rápido, às vezes, mais devagar, mas, geralmente, quando terminam os três primeiros meses a mulher que nasceu mãe já sabe alguma coisa do bebê que nasceu...bem, bebê.
Porém, no injusto mundo das mãe-proletárias-CLT, é logo depois desse período e desse processo tão importantes e complexos que elas são obrigadas a delegarem os cuidados dos pequenos seres a pessoas que, tendo laços de sangue, de amizade ou monetários, passarão a anotar ou informar sobre o que acontece com seus pequenos durante o período em que mãe e filho(s) estão afastados. É cruel. Há quem não ache e goste de voltar ao mercado de trabalho, quem sinta até certo alívio por ter interações sociais que não versem sobre filhos e maternidade. Essas mulheres estão felizes com sua escolha. Mas eu não estava, lembram? Então esse post vai um pouco enviesado: sob o ângulo da frustração de um dia, em casa, ao abrir a agenda da creche, ler que meu filho falou "bola". (E frustração enorme, para mim: ele chegava em casa dormindo já, então nem dava para pedir que ele repetisse a gracinha!)
Frustrada, criei um mundo idealmente maravilhoso, em que eu acordava, dava bom dia para marido, filho e flores do jardim, ia preparar café da manhã, comia, brincava com o pequeno, dava até logo para marido, passeava pela cidade, comprava morangos frescos, sentia a brisa bater nos cabelos, ensinava para filhote os nomes de todas as coisas do mundo, sorria, vivia leve como uma pluma. Claro que eu precisaria fazer xixi com ele no colo, comer rapidinho, de repente interromper um programa bacana porque Arthur não estaria muito contente naquele momento, com sono, fome ou algum outro incômodo. E com essa visão foi que eu me demiti.
E foi com essa mesma visão que, ao chegar aqui, nos EUA, eu notei uma coisa muito importante: Arthur, depois de tanto tempo na creche, era um estranho para mim. De novo. Eu não sabia suas músicas favoritas, não conseguia criar uma rotina para nós, não sabia muito bem o que ele comia, o que não comia, o que gostava de fazer, como ele brincava. E isso foi um baque, porque com um bebê de 1 ano você acha que já sabe alguma coisa, né?
Pois é, mas eu tinha muitas coisas para reaprender: horários, ritmos, sinais, hábitos, choros e necessidades.
E eu sofri. Fiquei estressada, com um bebê super-ativo em casa, que tinha energia para dar e vender, energia essa que eu não sabia para onde canalizar. Também tinha um bebê com gostos e paladares que eu precisava descobrir e perceber. E, muitas vezes, ele me fazia gestos que não compreendi: devia ser alguma coisa da creche que vinha à tona e que lá ele se fazia entender. Precisei lidar com essa frustração de ter um pequeno estranho em meus braços, que muitas vezes se frustrava em mim, com minha ignorância sobre sua vida, rotina e preferências. (E olha que, modéstia a parte, eu era uma mãe interessada e dedicada quando não estava no trabalho.)
Enfim, além de tudo isso, acho que é importantíssimo também falar de uma frustração imensa e sobre a qual não pensei muito bem quando fantasiei sobre maternagem 24h por dia: a frustração do tempo. Nos meus delírios pré-demissionais eu faria xixi com Arthur no colo e teria algumas restrições em termos temporais, claro. Mas o impacto foi muito profundo para mim. 
Quando Arthur era pequenininho, um recém-nascido, eu não tinha tempo para nada: xixi, comer, tomar banho, escovar dentes. NADA. Passava o dia em função do meu bebê e das novas funções que ele havia criado: mais roupas para lavar e arrumar, comidinhas para mim, organização da casa e do espaço habitável etc. Então, depois de quatro meses e meio de licença-maternidade, voltei a trabalhar, e passei a ter uma hora inteirinha de almoço, o que me dava espaço na agenda para atividades como bater perna no shopping, fazer unhas, depilação, ir ao supermercado, sentar-me sozinha e pensar na vida, ler um livro... As possibilidades eram muitas e eu as aproveitei bastante! Curti ter um tempinho para mim novamente. Daí, quando voltei a ser mamãe em tempo integral, afundei na falta de rotina, desesperei no infindável mundo de atividades inadiáveis, fui soterrada por 40 unhas a mais para cortar, dois pés a mais para calçar, dez dentes a mais para escovar, um estômago para alimentar, uma cabeça para lavar, entretenimento, cuidados pessoais, necessidades básicas e imediatas (fome, sono, frio, calor), tudo dele primeiro, muitas vezes tudo dele exclusivamente, porque não havia (não há) tempo para mim. Fico dias sem lavar o cabelo, horas sem escovar os dentes, durmo mal, sempre tenho algo a fazer e nunca consigo realmente relaxar ou descansar, pois Arthur está realmente encantado por ter a mamãe em tempo integral e absoluto com ele, e me quer praticamente de sol a sol. E com isso, confesso, me frustrei, porque meu tempo não é mais meu. Por isso, demorei para encontrar o prazer de ser mãe integral - admito, sem orgulho. Demorei para sorrir com a alma em paz, sem a angústia da necessária (é claro) frivolidade apertando minha garganta num sufoco de minutos contados: preciso tomar banho; estou com fome; preciso dormir; queria ficar quieta agora; puxa, que livro bacana; nossa, minha perna está cabeluda!
Demorei para chegar a conclusão de que meu estresse e minhas frustrações de mãe em tempo integral podem até ter um grau intenso, como os estresses e frustrações de mãe-proletária-CLT que fui. Mas, por serem de naturezas diferentes, essas coisas precisam ter um impacto diferente. E, sobretudo, porque eu ESCOLHI estar onde estou hoje, o lado B da maternagem intensa deve ser encarado como desafio e oportunidade, e não como castigo e pesar.
Então, agora, mesmo com perna cabeluda (outro dia, no meio da ioga, a professora veio ajeitar minha postura e quase morri de vergonha porque quase dava para fazer trancinhas nos cabelos da minha perna!), mesmo estressada quando estou sozinha em casa, querendo comer e Arthur cisma em subir na mesa ou escalar a estante, quando ele chora, se joga, quando o cocô vaza na última roupa limpa e eu preciso descer com bebê, roupa, sabão em pó, moedinhas e paciência até a lavanderia, mesmo assim eu ainda sorrio ao ver meu filho, na minha frente, aprender a imitar um cavalinho (é a coisa mais LINDA DO MUNDO!).
E aí, no meio dessa confusão intensa e louca, no meio de todos esses pensamentos, dessas novas sensações, eu fiz uma descoberta incrível, talvez o grande segredo da maternagem para mim. Por mais perto que estejamos, por mais que acompanhemos cada crescimento, cada aprendizado, por mais que estejamos presentes em cada descoberta, nossos filhos são e sempre serão aqueles estranhos que parimos, porque nossos filhos vivem e experimentam e aprendem e vivem na individualidade. São, portanto, seres únicos, que apreenderão o mundo de maneira única. E a cada vivência e novidade, mudarão, se transformarão. Nosso papel, então, é estar presente, como quisermos ou pudermos, para, com todos esses aprendizados e transformações, sermos a constância de que eles precisam para poderem voltar, sempre que quiserem, à segurança imutável do amor materno. Só a solidez do amor permanece quando o assunto é filhos, esses estranhos.

(Pode não parecer, mas este post é fruto de muitas reflexões em relação ao post anterior. Obrigada a todas que me responderam! De coração. Gente que nunca tinha comentado, gente que sempre comenta, gente que voltou a comentar. Obrigadíssima por partilharem opiniões e sentimentos. Isso é o que realmente importa nas redes maternas: trocas e acolhimento. Prometo voltar para falar sobre minhas ideias a respeito de segundar.)

domingo, 15 de setembro de 2013

Segundinho: ter ou não ter, eis a questão!

Sou filha única. Marido não. Odeio ser filha única. Marido não tem problemas em ter só um filhote.
E aí Arthur é praticamente homem feito, fala português, inglês e bebezês. Poliglota, o rapaz. Hoje, no parquinho, ganhou o primeiro beijo na boca da vida. Dirige um carro, na verdade, um tratorzinho de madeira. Cheio das vontades, come rabanete. Gente, alguém que come rabanete, raiz que arde na boca, já está grande e crescido, né?
Então que eu tenho pensado: segundaremos ou não?
Meu sonho de menina (e adolescente e burra velha) era ter uma mesa cheia de gente no Natal: filhos, filhas, noras, genros, netos, netas, cachorro, papagaio e marido. Também queria ter um filho em cada braço, outro na barriga e um mais velho em pezinho enquanto eu abria a porta para o Correio, sorrindo, e recebia um telegrama de amor do marido.

[pausa para vocês gargalharem]

Bom, daí eu engravidei do Arthur.
A gravidez foi exemplar, em termos médicos, mas me sentia muito cansada, com falta de ar e sem energia. Na verdade, eu me sentia EXAUSTA como nunca me senti. Nem antes, nem depois. E eu tive estrias. Então acabei dando uma desanimada da minha surtação inicial de querer cinco filhos.
Na sequência, Arthur foi um bebezico. E eu pirei no puerpério, com hormônios doidos dando festa na minha corrente sanguínea, com peito rachado, monília, fome, dieta APLV, sovaco cabeludo e sei lá quantos dias sem tomar banho.
Daí, ele aprendeu a se sentar, acabou licença-maternidade, voltei a trabalhar feito mula de carga manca, e ele aprendeu a engatinhar, e depois a andar, e agora corre, fala duas línguas e um dialeto, beija na boca no parquinho e dirige! E eu surtei, pirei, me descabelei em cada uma das fases com ele.
Meu pequenininho já não é mais tão pequenininho assim.
E, então, os hormônios doidos entraram numa discussão aparentemente infindável com minha conta bancária, meu lado racional, com meus sonhos de menina, meu relógio biológico,com meu relógio social, e eu tô surtadinha, perguntando a mim mesma: é justo passar por esta vida tendo essa alegria imensamente exaustiva e enlouquecedora que é ter filhos apenas uma única vez?

Sinceramente, ainda não tenho resposta para esses questionamentos, e nem ovulação para tentativas, mas sigo aqui, matutando, curtindo filhote, dando minhas surtadinhas diárias, tanto de amor e fofura (sério, Arthur ainda vai infartar as pessoas na rua de tanta fofura que espalha nesse mundo!), quanto de desespero e estresse!

E vocês? Segundaram? Não segundaram? Por que sim ou não? Ajudem a amiga aqui a pensar na vida!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

tictictic

tictictic

tictictic

São duas da manhã.

tictictic

tictictic

- Amor, está ouvindo esse barulho?
- ÃHnnnn?
- Barulho, amor.Assim: tictictic. Está ouvindo?
- Não.
- Ó... agora. Ouviu?
- Ouvi. O que tem?
- O que é isso? É o Vosko regando a grama?
- Ártemis, são duas da manhã! Como ele estaria regando planta a essa hora? E por quê?
- Sei lá, ele é tão obsessivo com o gramado, e os sprinklers são automáticos, você pode programar para quando quiser...
- Ártemis, vai dormir.
- Mas e o barulho?
- É um bichinho. Boa noite!
- Bichinho? Fazendo tictictic assim? Ritmadinho? Nunca ouvi. Por que ele faz esse barulho assim, igual a um sprinkler?
- É o destino dele.
- Destino?
- É... aposto que esse bichinho tem uma mulher, e que a mulher do bichinho acorda todos os dias às duas da tarde perguntando "amor, que barulho é esse? ArthurnãoArthurnãoArthurnão?".

É, cada um tem o destino (e o marido) que merece.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Apresentando Mike (mas também pode chamá-lo de Alfredo)

Engravidei e já sabia os nomes que iriam para a lista dos favoritos. Havia outros, mas Arthur era o favorito. Forte, tradicional, curto e, o mais importante, praticamente universal no mundinho ocidental que frequentamos. Já sabíamos que marido teria uma oportunidade profissional no exterior quando veio o positivo, então um nome que valesse no Brasil, na Europa ou nos EUA seria muito bem-vindo. E assim (e por outros motivos), escolhemos Arthur, com TH que era para facilitar a vida anglófona que acreditávamos que teríamos.

ahhahahahahahahahahahahahahhahhahahah
[risos histéricos]

Assim que botamos o pé na terra do Tio Sam descobrimos uma verdade que dançava na boquinha da garrafa diante de nós, mas que ignorávamos por... pura distração. Arthur era um nome tão lindo, tão perfeitamente perfeito para nossos planos e ideias, que nem ligamos que, enquanto os americanos não conseguem pronunciar bem as vogais nasais (não, pão, chão, Copacabana etc.), nós, tupiniquins, temos dificuldades com o TH.
Bom, o TH do Arthur segurou o tchan logo que o primeiro local perguntou o nome do menino.
O diálogo foi mais ou menos assim:

- Oh, que gracinha! Qual o nome?
- Arthur [caprichando no R retroflexo ARRRRR, e também no TH línguo-dental].
- Como?
- Arrrrrrthfffuuur.
- Ah, tá. Oi, Alfred. Tudo bem?

Alfred, minha gente! ALFREDO!

A gente escolhe o nome com tanto carinho, tanto cuidado, e é trollada por si mesma e pelo sangue latino e a alma cativa da última flor do Lácio. Ê, beleza!
Confesso que a cada ida ao parquinho ou saída para fazer supermercado, com meu pequeno populista acenando e dando sorrisos para todos, eu queria me enterrar na caixa de areia ou me esconder atrás das gôndolas. Também cogitei seriamente apresentá-lo simplesmente como Alfred e tudo bem. Alfredo é um nome bonito, afinal.
Mas então, marido, em toda sua genialidade, veio com a solução perfeita.
Certo dia, no parquinho, veio uma americana estereotipada, cheia de olhos azuis para cima do meu filhinho simpático e risonho, perguntando:
- Qual é o nome deeeeele?
- Mike - respondeu marido. E a vida continuou* bem mais simples, com um nome curto, simples e pronunciável.


* Apesar da tentação, minha gente, nossa solução foi treinar e treinar e treinar até conseguirmos pronunciar satisfatoriamente o nome do Arthur. E ele nunca mais foi Mike ou Alfred.
;-)

domingo, 8 de setembro de 2013

Como estamos?

Surpreendentemente com calor. Muito calor.
Estamos também, finalmente, no apartamento definitivo. Digo, definitivo por um ano, pelo menos. Ainda sem muitos móveis, mas já com colchão de verdade!
Também já estamos nos acostumando ao inglês e a algumas particularidades norte-americanas.
Ainda peno no supermercado, com um bebê cheio de energia e andarilho e muitas coisas (marcas, produtos e necessidades) que ainda não conheço. Ainda sofro para entender pessoas que falam rápido, ou usam gírias, ou têm dicção ruim. Ainda me perco nas ruas.
Estamos sem grana, diria que completamente falidos. E aqui, vejam que coisa, estamos abaixo da linha da pobreza.
Eu estou com frilas até as orelhas, sem tempo para nada, já que preciso limpar uma casa imunda (os antigos moradores não eram chegados num trato, ao que tudo indica), cuidar de um bebê cheio de energia e vontades (tá fácil, não!), frilar e terminar de me adaptar.
Estamos, porém, caminhando aos poucos. Bem aos poucos.

E vocês, como estão? Tem gente quase parindo, tem gente com filhas quase adolescente, tem gente que me deixou com o coração apertado e mandando todos os pensamentos de amor, tem gente que está na luta, gente que engravidou de novo, gente que sumiu, gente que chegou e agora mora no meu coração, gente que voltou a trabalhar, gente que faz falta na vida offline...
Mas tem mais gente que me visita e que eu visito também. O que mais vocês me contam?

sábado, 31 de agosto de 2013

Arthur, superdotado

Sei que toda mãe acha seu filho o máximo e que quando vem uma dizer que o filho é superdotado logo é vista com a desconfiança de quem exagera. Mas eu juro que, da minha parte, não se trata de distorção da realidade, apenas realidade pura, simples e brutal.
Duvida? Acompanhe então.

Ele acorda e se espreguiça. Fofura máxima, e só isso mesmo para evitar meu tradicional mau humor matutino. Espreguiçadas e sorrisos.
Salta da cama, dispara até a sala, come, brinca, verifica os brinquedos e os espalha pela casa. Agora está na fase de pisar em cima para ver o que acontece: textura, formato, grau de atrito com o chão. Tudo e testado com o pezinho gostoso e cheio de dobrinhas.
Ele pula e dança, sobe e desce de móveis, caixas, camas, degraus e carrinho. Ele usa os dedos em pinça, e quando não consegue pegar os grãos de feijão (ele detesta papinhas e só aceita sólidos realmente sólidos) com a mão, o coloca sobre a mesa e faz feito cachorro: pega com a boca. Ele corre agora. Catorze meses, vejam só! E corre. E dança, pula, sobe, desce, ri, se esconde, se espreguiça, abaixa, levanta, mãos para o alto, abre e fecha potes, gavetas e tampas, pega objetos e os empilha, guarda, espalha.
Ufa!
Come, dorme, troca fralda (às vezes com choro e protesto, às vezes feliz e entretido), toma banho, sobe, desce, se abaixa, se levanta, sobe na cama, pega os brinquedos, pede para ir na rua, para ver a vista da janela, para comer as uvas, as passas, o biscoito de coelhinho (integral e orgânico, gente, quase não bate a culpa pelo açúcar). Luta para escovar os dentes, para colocar roupa, ajuda a se despir, quase entra sozinho na banheira, mexe, espia, testa, pisa, toca, lambe. Outro dia lambeu o vidro da sala de brinquedos do prédio, e também já tentou lamber o vidro do ponto de ônibus e o metal das cadeiras do metrô. Não deixo. Aliás, porque não deixo, as mesas estão quase vazias, as tomadas todas tapadas, a porta do banheiro sempre fechada e os armários da cozinha sem produtos químicos. Ele é rápido.
Ele pula, boxa, rema, atua, ri, brinca e dança. Ele, minha gente, é superdotado de energia, e estou penando para correr no seu ritmo e não me deixar engolfar pelo cansaço. Sorte minha que pela manhã ele ri. E se espreguiça, então pula da cama e vai pegar os brinquedos na sala...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Trem bao, so!

Sem acento. Nao me julguem, me interpretem.

Arthur esta numa fase em que ama trens, caminhoes, onibus, passarinhos, coelhinhos, esquilinhos e cachorros. Fica louco e se sacode todo ao ver qualquer uma dessas coisas.
Ponto.
Nos nos mudamos. Nossa casa tem um colchao inflavel coletivo (ou seja, familia toda nele) e fica de frente para uma estacao de trem. De frente mesmo: ouvimos os anuncios de portas se fechando e damos tchauzinho para os passageiros (e eles nos veem!).
Arthur acha que esta no paraiso, com um pula-pula e trens de dez em dez minutos.
Teremos uma longa estada.

sábado, 17 de agosto de 2013

A ajuda está a caminho!*

Uma voz metalizada, que não sei se gravada ou se apenas mecanicamente anunciante, repetia pelos buraquinhos: A ajuda está a caminho! A ajuda está a caminho! Mantenha a calma. E eu e marido nos entreolhávamos enquanto Arthur, ciente de que apertara o botão errado, fazia cara de "mas o que raios está acontecendo aqui?".
Bom, se você também esta se fazendo essa pergunta, deixe-me voltar umas horas nesse mesmo dia, para que as coisas fiquem mais claras (e dramáticas).

Eu ando sobrecarregada. Literal e metaforicamente: carrinho, bolsas, Arthur, casacos, cuidar da casa, do menino, dos frilas e da vida. Não sou a única: marido também anda na correria e na intensa agitação de seu novo ambiente de trabalho, de sua nova realidade de interação e das muitas descobertas. O único que parece em paz é Arthur. Por um lado, ótimo, pois um bebê estressado no contexto que vivemos atualmente seria muito complicado. No entanto, por outro lado, haja energia e disposição! E quem fica em casa a maioria das horas segurando o rojão é a mamãe aqui!
Bom, dito isso, um belo dia, quando eu estava prestes a me jogar da janela e quebrar o tornozelo (estamos hospedados num apartamento que fica no segundo andar), prestes a zunir com o prato de papinha e em vias de destruir a marteladas (do martelo de amaciar carne – Olá, vida doméstica!) os brinquedinhos sonoros que Arthur brinca de remixar num looping insistente, marido achou que, para o bem da saúde familiar, deveríamos dar uma voltinha para espairecer.
Eu, precisada de relaxar e curtir a vida de solteira, fui para a noitada... não, não... isso foi um sonho. O que aconteceu mesmo foi: saímos em família, rumo a um parque aqui perto.
Arthur até pareceu animado no carrinho (aqui, adotamos o carrinho, pois mesmo em libras, Arthur está pesado), apontando para a porta da rua, dando carinhosos tapinhas em sua girafa companheira e gritinhos estridentes de excitação. Eu deveria saber que gritinhos de excitação significavam, dããã, excitação. Mas o estresse embotou minha mente e eu saí. Gente: eu saí!
No elevador, as coisas pareciam bem, e assim foram até atravessarmos a primeira rua. Arthur então esticou os bracinhos, semicerrou os olhinhos e pediu colo. Marido entrou em ação, mas não valia: tinha de ser o meu, porque no meu colinho ele tem peitinho. E então, a menos de dez metros de casa, o menino abaixou minha blusa, afastou meu sutiã e se acoplou a mim. No exato momento em que isso acontecia, vinha vindo uma família muçulmana, com todas as mulheres cobertas dos pés a cabeça em panos, lenços e vestes. Arthur, claro, soltou o peitinho na mesma hora, que ficou ali, tomando uma brisa fresca, para escandalizar a todos os religiosos diante de nós. Ali estava a cidade de contrastes: uma desenxabida latina, peito nu, cabelo ao vento (a essa altura, depois de tentar conter as ânsias e desejos do filhote, meu tradicional coque tinha ido para o beleléu e mechas nada charmosas voavam ao sabor da "brisa" nada suave que varre a cidade); do outro lado uma penca de mulheres sem qualquer trecho de pele aparente. Inclusive a que carregava um bebê um pouco mais velho que Arthur.
Céus! Eu deveria ter parado. Era um aviso divino: volte para casa, entoque-se. Mas o que eu fiz? O quê? Puxei a blusa, usando Arthur para encobrir a peitola assanhada, e apontei: olha, filho, um ônibus! E assim distraí o moleque por um quarteirão inteirinho: olha o carro, olha o trem, olha o ônibus, a bicicleta, o pedestre, o passarinho, o pombo, o coelho (sim, aqui temos coelhos nas ruas! Vomitem arco-íris de fofura!), a menina...
Acontece que chega uma hora em que acaba a brincadeira, pois ou já não temos mais tantas coisas novas para mostrar e elas se repetem, ou a paciência do rebento já foi para as cucuias e você precisa encontrar outra coisa para ele se entreter.
Mas foi tipo amor: eterno enquanto durou. Eterno por um minuto e treze segundos.
Ainda nos faltavam uns quarteirões.
O que fazer?
E do oriente veio a resposta: uma família fofa de orientais vinha na direção contrária, e Arthur se engraçou com os pequenos. Um casal de irmãos (ou primos, essa coisa de olho puxado às vezes me confunde) tão bonitinhos! Arthur parou, sorriu, dançou, bateu palminha, deu tchau. Todos riram, bateram palminhas, deram tchau, fizeram "aahhhhs" e "oohhhhhs" e "uuuhhhhs" para todas as gracinhas perfeitamente executadas de meu filho. Enternecida, pensei: que molequinho fofo eu pari! Mas então compreendi: ali, na mão de cada um dos mini-orientais, repousava uma bolinha macia e colorida. Os olhinhos nada puxados de meu filho se abriram ainda mais diante daquela visão, e suas gracinhas tinham objetivo bem definido: conquistar a Ásia, destruir o exército azul e tomar ao menos uma bolinha macia e colorida. A estratégia dele parecia boa, pois a criança mais velha, o desavisado menininho, num arroubo de ternura graças às investidas de meu filho, cedeu-lhe o objeto redondo.
Arthur provou sua maciez, analisou suas cores vibrantes, experimentou com cada um dos sentidos seu objeto de desejo. Rimos, achamos fofo, engraçadinho, até que a família mandou o "hora de dizer tchau para o amiguinho" e o menininho fofo (não meu filho, como vocês verão a seguir) quis a bola de volta. Meu filho, nada fofo, abraçou a bolinha, fez que não com a cabeça e começou a andar para longe da família. Eu fui tentar pegar a bola, mas não consegui. Arthur chorou, esperneou, segurou a bola como se ali estivesse depositada sua vida (ou suas melhores lembranças, tipo Harry Potter). Marido também tentou, mas Arthur anda rápido, sagaz e continua bem menor que a gente, então escapuliu por entre as pernas do pai, praticamente dando um drible no progenitor. A essa altura, a família oriental fofa já estava de sacos orientais cheios e, não sei se por conta da disciplina rígida com que educava seus filhos, se por piedade de nós ou ainda se por mera falta de saco para esperar o desfecho de nossas investidas, falaram numa língua incompreensível, e nos deram tchau. Na base do choro, conseguimos reaver a bola do menininho, que já se afastava com o olhar dos espoliados, e recebemos um não veemente quando fomos entregar o objeto. O pai disse que poderíamos ficar com a bola, enquanto o restante da família já ia longe. Ficamos sem ação, com  a bola (Arthur, notando nosso embasbaque, rapidamente se reapropriou da pelota), nos entreolhando feito babacas. A família oriental fofa se afastando (agora, rememorando, seria isso uma fuga dos bárbaros? Eu já tinha meu peitinho guardado na roupa, mas certamente nossas atitudes para com Arthur pareciam as de pais a beira de um colapso: risos nervosos, demora para agir e antecipar problemas... enfim, como eu disse, às vezes fico confusa e não consigo interpretar muito bem pessoas de olhos puxados). A bola da discórdia ali, entre nós, a vergonha nos engolfando, diferenças culturais rodopiando em nossa mente, a barreira das línguas... marido veio com a solução num rápido "olha, filho, é um esquilo ali?" (sim, vomitem mais arco-íris: aqui temos esquilinhos fofos correndo pelos gramados bem-aparados). Arthur afrouxou o aperto na bolinha, tomei-a de sua mão, o choro nem se formou, pois um esquilo (santo esquilo!) saltou de uma árvore para o chão, arrancando de meu filho um "iiihhhhhhh", com o dedinho em riste e uma carinha de surpresa.
Bola macia e colorida na mão, corri para onde havia visto a família desaparecer alguns minutos antes: ninguém. Coitado do orientalzinho fofo e bem-educado. Tive vontade de chorar: um pouco pela descompensação causada pelo estresse, outro tanto porque realmente é de cortar o coração ver uma criança abrindo mão na base da disciplina de alguma coisa de que não precisava abrir mão (ao menos não a meu ver). Dei uma corridinha de barata, ou melhor, de esquilo assustado, e... BINGO! O pai da família estava sozinho dentro de uma loja, vendo (que clichê!) câmeras fotográficas. Entrei esbaforida, mal me lembrando das palavras em inglês que deveria usar, e mandei num balbuciante "the book is on the table" meu "muito obrigada, meu filho não quer mais a bolinha". Porra, não era isso que eu deveria dizer! Mas saiu assim e consertar, àquela altura, com o oriental-pai já meio assustado (eu estava descabelada, esbaforida e falando feito uma bárbara), poderia ser um desastre que nem o Itamaraty consertaria. Paguei de latina mal-educada, maluca e boçal, cujo filho só devolve a bolinha porque "enjoou". Foda-se. Fiz uma mesura japonesa, abaixando-me até mais ou menos a linha da cintura, pensei que o japonesinho ia ficar feliz e voltei para perto do marido, que já tinha encontrado uns cachorros (um deles chamado Tequila!) para distrair o moleque. Marido perguntou " e aí?", contei o que fiz, o que pensei e que fui embora e... "Ártemis, é sério que você fez um cumprimento japonês?!!". Sim, era sério. Marido quis saber como eu sabia que eles eram japoneses em vez de, sei lá, chineses, coreanos, vietnamitas. Eu não sabia. E fiquei passada, pensando que eu realmente fico confusa com olhos puxados.
Bom, a essa altura da narrativa você já deve estar cansada(o). Eu estava. E ainda não chegáramos ao parque!
Vamos em frente, então. Arthur estava passando a mão na Tequila, feliz da vida, sem bolinha, sem mamar, as coisas pareciam fluir. Retomamos o fôlego e reassumimos a missão.
Chegamos ao parque, enfim.
Coelhinhos, esquilinhos, passarinhos... ah, a vida é bela. Oh, a vida é linda! Ei, onde está o Arthur? Não sei...
Ele estava bem: sentado em frente a uma família loira, dando tchauzinho para o caçula.
Pensei: oh, céus, de novo, não! Eles, obviamente, não são americanos (falavam em uma língua desconhecida para mim). O que será que Arthur viu e quer?
A princípio, não era nada. Estava mesmo só sendo fofo e gracioso. Danou a dar tchauzinho, ia e voltava na família, explorava o parque e mandava tchau, corria um pouco e sorria para eles. Fofo. Até que o pai da família resolveu fazer uma boquinha. Pensei: ótimo, Arthur tá fazendo greve de fome, não vai comer nada, e eu trouxe frutas frescas, frutas secas, leitinho de amêndoa, biscoitinho de arroz integral, frango... ele não vai querer comer. Rá!
Pois é: ele se convidou para o piquenique e, depois de eu contar que ele estava numa greve de fome por conta do processo de adaptação (a família era polonesa e entendia bem dessas coisas, pois também era imigrante), ele comeu: dois morangos de Itu (sério: GIGANTES), três framboesas, duas blueberries, torrada e ainda quis lamber a rolha do champanhe (imigrantes chiques! Vocês tinham de ver o piquenique deles! Alta produção.). Ficamos sem graça. sobretudo com o grand finale do champanhe, e achamos que era hora de partir. Demos tchau, obrigada por alimentarem meu pequeno flagelado, nos vemos um dia e, então, o pai da família nos alcança um cartão de visitas: caso precisem um dia, explicou.
Ele era advogado. Especializado em processos de imigração.
Genial!
O caminho de volta foi no mesmo estilo da ida: peitinho exposto, estresse, "olha lá, vai pegar a guimba de cigarro do chão", "não, Arthur, não lambe o poste", "cadê o ônibus?", "vai no carrinho/no chão/no colo do papai um pouquinho, meu amor". E enfim chegamos no prédio!
Ufa!
Que aventura, tô exausta, eu também, vamos comer o quê?, não sei, amor, cuidado: ele vai apertar o botão de emergênciaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...
Pois é, foi assim que terminamos dentro de um elevador, com uma voz metalizada nos mandando ficar calmos que a ajuda estava a caminho, um olhando para a cara do outro, pensando: e agora?
Poderia dizer que marido precisou me arrastar para fora do elevador, pois a promessa de receber ajuda era tentadora, mas a verdade era que Arthur, a essa altura, já estava dentro de casa, tentando enfiar o dedinho gorducho na tomada, se empenhando em entrar sozinho na banheira (de cabeça), querendo fazer da sola do meu sapato seu mordedor. Então, não tive outra escolha se não abandonar a oferta de ajuda e ir fechar bem a janela para não cair em tentação, porque fazer tudo isso com o tornozelo enfaixado seria a morte de qualquer vestígio de sanidade.

Um beijo, Brasil!


* Esta postagem é um oferecimento do Pret-à-Manger, um café orgânico que prepara deliciosos cappuccinos de leite de soja para que eu possa aguentar o rojão diário. E também é uma compilação de todas as peraltices que filhote já aprontou por aqui.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O quintal do vizinho e as responsabilidades

Vim aqui rapidinho. Tô na dívida, eu sei. Volto bem, provavelmente, em setembro. Antes disso, pouco provável, porque tenho um mundo de coisas para resolver, aprender e adaptar.
E justamente nessa coisa de adaptar eu me dei conta de uma coisa: o quintal do nosso vizinho é mais verde. E mais bem-aparado. E, porque não estou falando em sentido metafórico, o buraco também é mais embaixo.
Longe de mim querer vir com o discurso plano e raso de que viva tal país perfeito. Nem Brasil, nem EUA, nem qualquer outro país do mundo é perfeito. Mas acho que devemos, assim como fazemos em nossas referências pessoais, buscar o que há de melhor em cada nação e tentar trazer isso para nossa vida e experiência.
Dito isso, peço licença para fazer uma pequena digresão, mas não muito, e dizer que num desses flashes diários do Facebook eu li uma matéria muito interessante sobre a juventude não estar muito interessada em assumir determinadas responsabilidades da vida adulta. Como o texto era gringo, as tais responsabilidades incluíam hipoteca da casa.
Outra digressão e eu quero voltar ao texto bacanudo da Eliane Brum: nossos filhos precisam lidar com as dores e frustrações da vida para crescerem com mais chances de serem felizes, pois ensiná-los a sofrer e a lidar com as mazelas é mais uma ferramente que devemos fornecer a eles. (Pelo menos é essa a minha leitura do texto.)
Juntando lé com cré, meus primeiros dias aqui me fizeram (e ainda estão fazendo) refletir muito sobre responsabilidades, privilégios, culturas e criação.
Nascida e criada em um país cujas raízes escravocratas se deitam sobre um leito de organização urbana peculiar, vejo que não sei fazer uma porção de coisas na minha casa porque sempre tive que fizesse por mim. Não falo de cozinhar, coisa que faço desde meus 11 anos, nem de limpar, varrer, lavar, arear, esfregar e organizar, pois isso eu também já faço há longos anos. Minha questão é: se eu tivesse um jardim aqui (isto é, se eu morasse em uma casa), ele seria verdinho, bem-aparado e vistosamente bem cuidado? Não. Definitivamente, não. Eu mal dou conta de lavar, passar, cozinhar, frilar, fazer supermercado, cuidar do rebento e tentar ajudar o marido. Imaginem agora se eu precisasse desentupir fossa, instalar ventilador de teto, remover carpete, pintar parede, aparar grama e podar árvore?!
De repente, então, me senti adolescente, morrendo de medo de acabar numa hipoteca de uma casa com infindáveis pequenas aporrinhações que não podem ser resolvidas pelo síndico ou pelo porteiro. E de repente me dei conta também de que, embora tenha sido muito protegida (no sentido de carinho) pela minha mãe, também fui exposta a problemas e dificuldades, e por isso tenho umas ferramentas bem úteis para os pepinos da vida.
Esse trololó todo para dizer que está complexa a adaptação, mas não difícil, e também que o quintal aqui é sempre mais verdinho, não só porque se deixarem ele feio os americanos pagam multa, mas principalmente porque eles botam a mão na massa e, acima de tudo, encontram prazer em cuidar daquilo que tomam como sua responsabilidade.
E eu espero que esse valor o Arthur assimile. Porque ele não merece nada, e também porque ele merece a chance de ser feliz com o que tem, como tem e com as ferramentas e habilidades que tem.

Volto em breve!

domingo, 28 de julho de 2013

A viagem

O que é caos para você?
Para mim, a concepção de caos foi refeita após nossa viagem de mudança, e nada parecerá tão ruim que possa ser comparado a ela: a viagem.

O dia amanheceu simples e lindo: Arthur acordando cedíssimo, eu e marido tomando café da manhã e nos arrumando para sairmos, céu azul e passarinhos gorjeando. Ó, vida linda, ó, vida boa!
Fomos ao pediatra e não era catapora (só mosquito mesmo). Saímos do pediatra e não havia trânsito. Chegamos em casa e havia pouco mais que arrumar: umas roupinhas aqui, umas latinhas de leite condensado acolá, risos, alegria, leveza e fantasia. Consegui até cochilar de tarde, vejam vocês! Não havia pistas.
Às quatro da tarde tudo estava quase pronto e começamos a nos arrumar para partir.
Malas nos carros, todos vestidos e despedidos, passaportes, documentos, passagens.
Apesar do engarrafamento quilométrico, a vida era bela. Arthur, jururu no carro, brigava contra o tédio de um acelera-freia-não-passa-da-primeira de quase uma hora.
Chegamos, enfim, ao aeroporto a tempo até de ver minha prima, que embarcava no mesmo dia para outro destino. Tudo perfeito e agradável.
Tola eu, acreditei que nosso começo seria com o pé direito, e que este post viria deliciosamente recheado de histórias invejáveis.
Rá!
Já no embarque as coisas começaram a ficar estranhas. Minha restrição por conta da APLV gerou um estresse, porque eu levei minha própria comida para o avião (já que não havia meios de se garantir que a comida oferecida seria isenta de leite e/ou derivados) e ninguém sabia responder se eu de fato poderia embarcar com ela. Fui orientada a solicitar comida Kosher, que não pode misturar leite e derivados com carne, mas não havia um rabino para benzer a refeição, então ela não poderia ser servida. Como eu já estava no erro, comendo comida sagrada sem seguir a religião, achei melhor respeitar a não benção como um empecilho sério.
Assim, fomos comer alguma coisinha ainda no aeroporto (no meu caso, para garantir).
Chegando à praça de alimentação, achei melhor garantir mesmo: pela quantidade de gente ali, era o holocausto nuclear! Tinha gente de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, e não foi fácil abrir espaço para nos sentarmos e comermos. Dividimos a mesa com um recifense indo para Brasília e aproveitamos para conversar (já que tinha gente para correr atrás do Arthur, que se esgueirava por entre pernas, mesas e cadeiras, numa destra demonstração de suas habilidades andarilhas).
Chegou a hora de embarcar e houve muito choro e ranger de dentes, aquela coisa da família se despedindo, como se eu fosse morar em Marte e só com bilhete de ida!
Embarcamos (inclusive com a comida congelada!).
No começo, só alegria: Arthur explorando as novidades da cadeira (que se resumiam àqueles botõezinhos de controlar rádios e volumes, porque o avião era tão velho que nem tela individual tinha: era aquela coletivona mesmo), do bolso (saco de vômito, cartilha para o caso de queda da aeronave, essas coisas positivas e que trazem boas perspectivas que eles colocam à nossa disposição, não é mesmo, minha gente?!) e dos passageiros (mandando bye-bye para todos os gringos a bordo. Ê beleza!).
Mas eram quase 21h. E Arthur costuma dormir entre 19 e 20h. Visualizem, portanto, o tamanho do sono que se avultava no horizonte: dois dias de empacotar coisas, com duas avós querendo tirar o atraso de mais de um ano (papo para outra postagem, gente), um dia com sonecas irregulares, hora habitual do soninho já vencida, ambiente novo, pais ansiosos e animados...
Pois ele veio com tudo, e Arthur se atracou no peito, como se não houvesse amanhã, e CAPOTOU.
Que ótimo! Tudo com que sonhei!
Fiquei aconchegadinha a ele, namorando meu bebê, curtindo a viagem (tá bom, tá bom: com um medo do cacete do voo. É, eu tenho medo de voar, mas confesso que ele melhorou bastante depois do parto. Coisas que só Freud explica.), feliz da vida.
Serviram a refeição e eu, claro, não podia nada. Mas nada iria acabar com meu bom humor e euforia. Conversei com o aeromoço, expliquei e ele anunciou: Claro que podemos preparar sua refeição, mas não temos micro-ondas na aeronave, então só se for uma comida congelada que pode ir no forno normal.
TAQUIOPA! Não basta você ter que achar uma comida INDUSTRIALIZADA congelada, é preciso que ela possa ser esquentada em forno convencional! É claro que não era. Eu, no supermercado, estava muito ocupada, escolhendo a cachaça que iria levar e catando paçoquinha para malocar na bagagem. Nunca que ia passar pela minha cabeça que, obviamente, não tinha micro-ondas no avião. O rapaz, então, apiedando-se da minha situação, até tentou descolar um recipiente onde eu pudesse descongelar a sopa (tudo isso por uma sopa!!!), mas não se esforçou muito, é verdade: prometeu encontrar um recipiente para descongelar a comida, mas nunca mais passou na minha poltrona oferecendo-se para ajudar. Com isso, a sopa ficou na bolsa térmica a viagem toda. E eu, bem, eu fiquei com fome mesmo.
Enquanto isso, em paralelo ao drama da comida, houve o drama do avião.
Lembram que pequeno capotou logo no começo, e que tudo era amor e ternura e alegria e entusiasmo? Vocês também se lembram que na minha vida nada é simples e calmo? Tudo vem cheio de aventuras e confusões?
Bom, primeiro de tudo, o voo foi terrível. Além de o avião ser velho e pequeno, além de eu ter viajado de classe econômica, além de eu não ter comido, ainda por cima pegamos MUITA turbulência. Eu sei que acabei de falar que meu medo de avião foi drasticamente reduzido depois do parto, mas também não tenho sangue de barata, né? Ninguém passa, de um dia para o outro, de uma pessoa que treme e sua frio o voo inteiro para uma pessoa que dorme enquanto o avião chacoalha e cai em vácuos. Então, eu, apesar de ter me mantido bem calma durante a maior parte do voo, foi chato e cansativo ficar sobressaltada durante muitos minutos (quiçá horas, se somarmos todo o tempo).
Mas, o que realmente nos quebrou não foi essa desgraceira que acabei de contar. Não. O que nos quebrou de verdade foi Arthur não conseguindo mais dormir depois da primeira hora de voo!
Se até a primeira hora tudo estava indo muito bem, apesar da turbulência, da falta de comida e do desconforto, as outras 13 horas (que se transformaram em 16) de viagem foram tenebrosas! Arthur não conseguia dormir no meu colo, nem no colo do marido, nem no colo da madrinha (que viajou com a gente!). Não conseguia dormir na poltrona, nem no sling. Cogitei colocar o moleque no chão, mas bom senso mandou lembranças e desisti da maluquice. O resultado disso foi um bebê irritado, cansado e estressado, pais e madrinha exaustos, insones e moídos. Tentamos nos revesar, e eu até consegui dormir umas três ou quatro horinhas, se juntarmos todas as cochiladas que dei (o que não difere muito das horas que durmo numa cama, mas que, por terem sido passadas em uma cadeira apertada, que reclina dois graus apenas, me deixaram arrasada e repleta de dores e incômodos). Marido, coitado, ficou hoooras com Arthur no colo, no corredor do avião, dormindo em pé, praticamente. A madrinha do pequeno, coitada, dormiu sentada na cadeira, espremida, nas acrobacias que tentávamos para conseguir fazer Arthur dormir.
Para completar essa viagem infernal (o que me fez suspeitar ainda mais que estávamos a beira do fim do mundo, como eu previra no aeroporto), um senhor passou mal durante o voo (e as televisões solicitaram que passageiros médicos se voluntariassem para atendê-lo) e precisou de cuidados e oxigênio, causando comoção geral, e, ao chegarmos em Dallas, onde faríamos a conexão, devido ao tráfego do Galeão e à toda burocracia de embarque e desembarque nos EUA, nos atrasamos e perdemos a conexão. O próximo voo (que seria às 9h) também atrasou horrores, e acabamos esperando dentro do avião por quase duas horas. Assim, quando finalmente chegamos a Chicago, éramos três adultos e um bebê exaustos, famintos, doídos e irritadiços.

Se eu havia suspeitado que se mudar de país era parecido com parir, agora eu tenho certeza!
Só espero imensamente que o pós-mudança, assim como o pós-parto, seja cada vez melhor. E que não tenhamos baby blues.