quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Gracinhas bilíngues

No meio da noite, Arthur acorda.
- Mamãe, cadê os policiais?
- Não tem policial nenhum aqui, filho. Só o papai e a mamãe.
- Ah, então foi só um dream?

*

- Mamãe, vamos brincar?
- Vamos.
[brinca, brinca, brinca, até que lá pelas tantas]
- Oba! We did it! Ele está sound and safe!

(de onde esse menino tirou uma expressão idiomática dessas?)

*

Na volta da escola, conversamos:
- Arthur, como foi seu dia?
- Bom.
-Você brincou com quem?
- Com o Ethan.
- Ah, o Ethan.
- Não, mamãe. Não é íítan. É Ethan.
- Tá. Íííthan.
- Não. Ethan.
- Ííítaaaaan.
- Não. Ethan.

(E assim fomos por dois quarteirões inteiros.)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Uma história triste

Eu estava em casa, sozinha, quando tocou a campainha, bem baixinho. Achei que fosse no vizinho e continuei o que estava fazendo. Péééé. De novo. Baixinho. Dessa vez me levantei porque pensei que poderia ser marido e Arthur voltando da escola uns minutos mais cedo do que o esperado. Nossa porta está com defeito, por isso abri a porta do apartamento para verificar se a porta do prédio tinha aberto. Ouvi vozes estranhas, em inglês, de homens. Ligeira, fechei a porta, passei o trinco e corri até a janela para ver se marido e Arthur estavam chegando. Lá fora, no jardim salpicado de folhas de outono, três policiais - dois homens e uma mulher - esperavam na frente das duas viaturas estacionadas diante do prédio.
Gelei.
Eu sabia o motivo de eles estarem aqui. Eu sabia porque a denúncia tinha sido feita por mim.

*

Aqui em casa às vezes é uma loucura e o lixo fica esquecido na cozinha até que começa a nos lembrar pelo olfato de que é hora de ir lá para baixo. Aconteceu há duas semanas. Eu trabalhando até duas, três da manhã, marido intenso no trabalho também e, para completar, ficamos impossibilitados de usar a porta de trás. É que pintaram o corredor dos fundos do prédio.
Todos os moradores ganharam um papel explicando os reparos e quanto tempo depois poderiam usar o espaço. Meu vizinho também ganhou um papel desses. Mas como não estava em casa, o papel ficou encaixado entre a porta e o batente. Meu vizinho viaja muito, então é normal ter uns papéis espetados na porta dele durante uns dias.
Levamos, enfim, o lixo para fora e dei uma bela faxina na cozinha, mas o cheiro continuava estranho. Limpei pia, banheiro e banheira. Ainda o cheiro. Vinha do nosso armário do quarto. Tirei sapatos velhos e coloquei para arejar, cheirei peça por peça, mexi umas coisas para ver se tinha uma comida escondida por Arthur no meio da bagunça. Nada. Então, ao passar pela porta do vizinho, além do papel espetado, percebi que o cheiro vinha de lá. Ele viaja muito, então pensei mil coisas, a mais plausível, porém, era que ele havia esquecido o próprio lixo dentro de casa, como nós fizemos por causa da pintura dos corredores.
Mandei mensagem para a administradora do prédio e ontem o rapaz esteve aqui, consertando outras coisinhas e batendo à porta, ainda com o papel espetado, do meu vizinho.
Meu vizinho simpático, porém monossilábico. Meu vizinho educado e paciente com as correrias do Arthur dentro de casa. Meu vizinho que tem por hobby tocar guitarra. Meu vizinho que assiste filmes sábado à tarde. Meu vizinho que nunca recebeu um amigo ou parente que eu tenha visto. Meu vizinho que morreu dentro do quarto e que só foi notado porque começou a, enfim, incomodar os vizinhos. Ou melhor, a vizinha. Eu.

Não conheço a história dele, mas o fim eu sei que foi triste. Solitário. Esquecido. Abandonado.
Não sei se morreu de causa natural ou se provocada. Não sei se usava drogas, se tinha doença crônica, se se acidentou ou se sofreu um mal súbito. Não sei se tinha família, amigos ou namorada. Não sei nem seu nome e, apesar de toda esta história, não sei nem o dia que morreu.
Pode ter sido há duas semanas, quando pintaram o corredor. Pode ter sido depois, quando comecei a caçar o cheiro pela casa. Pode ter sido em qualquer momento entre um episódio e outro.
Fiquei triste, fiquei sentida, fiquei profundamente abalada. Não sei ainda o que fazer com tudo o que pensei, vivi e senti, mas precisava registrar uma centelha da vida de um homem que morreu quase despercebido.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A motivação e outras vacas

Eu era ~jovem~ e decidi virar budista. Acontece que eu tenho minha peculiaridade. Sou um arquivo enciclopédico, com informações descasadas sobre muitas coisas, muitas coisas mesmo. Nada muito profundo, de um modo geral. No entanto, quando eu decido que vou conhecer um tema de verdade, não consigo ler a página da Wikipedia e sair bradando que sou especialista. Ah, não. Sou chata e fico lendo, lendo, pensando, ouvindo e fazendo contrapontos. E um dia percebo que posso não saber tudo sobre determinado assunto, mas pelo menos sei bastante.
Quando decidi virar budista, então, achei que seria uma boa ler e conhecer a filosofia. Conversei com amigos budistas e pedi livros sobre o assunto. Eles me deram.
Não virei budista. Nem li todos os livros. Continuo arranhando apenas a superfície da filosofia.
Mas li um livro. Um livro que tinha uma imagem oculta. Um livro cujo autor explicava que a verdade era como aquela imagem: um borrão desconexo à princípio, coisa que não faz sentido e que nem todo mundo vai gastar um minuto sequer para tentar decifrar/organizar as manchas. Contudo, depois que você enxerga o que está ali, nunca mais consegue "desenxergar" o que viu. E, enfim, ressignifica a imagem, dando a ele uma compreensão mais profunda, um sentido a mais.
Corri para o fim do livro, onde havia as tais manchas com uma imagem oculta. Marido, ainda namorado, estava ao lado e tentou enxergar "a verdade". Ficou heróicos vinte minutos, mas achou mais interessante ir fazer outra coisa. Eu, porém, não conseguia me conformar em não ver a imagem (o livro não trazia uma "resposta" ou "dica"). Passei muito tempo vendo aqueles borrões de tinta. Muito tempo. Mesmo. E então eu vi!

Você vê o que eu vejo?
Lá estava ela, olhando para mim, plácida. Uma vaca. A vaca do ativismo. A vaca da psicanálise. A vaca da compreensão de algo além do óbvio. A vaca da verdade.

Acontece, que a vaca da verdade parece plácida, talvez até amistosa, mimosa. Mas na verdade ela é ardilosa, porque o boi paternalista mora juntinho dela, e se você erra a mira, cai nele. E aí começa a olhar com o olhar bovino para as pessoas que não exergam o que você enxerga, vem aquela vontade de falar "coitadinha dela, não viu a luz, digo, a vaca". E a conexão se perde. E a pessoa vai embora, fazer outra coisa, sem querer desvendar as manchas. E você, cheia das boas intenções, não entende como alguém não enxerga ou decide não procurar enxergar o que você vê.
Durante muito tempo, principalmente com relação ao ativismo pró-parto humanizado, eu fui a chata da vaca. "Ó, tá aqui, não vê? Focinho de episiotomia, olho de GO fofinho, evidências científicas preto-no-branco!" Mas a pessoa queria, sei lá, fazer palavra cruzada ou chupar um Chicabon e seguia dizendo que não havia nada ali para ver. Eu me frustrava tanto!
Então, assim como aconteceu com a vaca do budismo, com a vaca do ativismo, eu conheci a vaca da motivação, que é a vaca mãe de todas as outras vacas. A vaca mãe da motivação me ensinou que pode-se até mostrar a figura manchada para uma pessoa, qualquer pessoa, mas precisa partir dela a motivação e a determinação para procurar novas maneiras de enxergar manchas, imagens, a vida.
E não só isso! A vaca mãe também me ensinou que enxergar a vaca do ativismo ou até mesmo a vaca do budismo faz de mim uma pessoa melhor. Não nos moldes competitivos escrotos de "sou melhor que você ou que fulana porque vi um focinho nesta foto". Mas uma pessoa melhor porque, com a motivação e a determinação, consegui ter mais liberdade e espaço dentro dos assuntos e das situações que me interessam. É como se cada assunto fosse uma casa. Você pode ficar parada onde está e conhecer bem o sofá. Mas tem gente entrando e saindo de cômodos. Quanto mais da casa você conhece, mais livre fica para perambular no espaço, ainda que, por mais esforços que faça, nunca vai dar para conhecer todos os detalhes da casa ("hum, qual a cor da maçaneta da porta do banheiro? quantas tábuas formam o piso? qual o material que recheia as almofadas da poltrona do escritório?").
Sei que a postagem pode soar para vocês uma nova sequência de manchas sem sentido. Mas é a minha vaca. Para mim, faz sentido, dentro do contexto pessoal que estou vivendo, e pode ser que alguém venha enxergar comigo umas vacas por aí: naquela postagem do #primeiroassedio em que de repente faz sentido a naturalização do machismo na nossa sociedade, naquela viagem a Paris em que você descobre ser racista ao se surpreender por ver um negro com mais dinheiro que você, depois de uma cesárea que poderia ter sido evitada, depois que aquela pessoa conta uma história da infância que ressignifica um comportamento. São tantas vacas!
E nesse exercício de tentar enxergar para além do óbvio e do difícil à primeira vista, que a gente consiga enxergar mais de nós mesmos e das pessoas, porque, se você quer saber um segredo, tem mais bicho por aí.

Vão vendo...

domingo, 18 de outubro de 2015

Outono

O outono chegou intenso. O azul doloroso em contraste com o alaranjado ofuscante só não distraem para sempre porque sopra o vento gelado. Sopra e espalha folhas sem fim, folhas eternas, folhas que se espalham, se reúnem, são sopradas e aspiradas, colocadas dentro de latões, sacos de papel imensos.
Outro dia Arthur quis brincar. Ali, no meio de um amontoado espontâneo de folhas. Com as folhas, entre as folhas. Ele era "um caminhão de folhas, mamãe". E chutava, arrastava os pezinhos esparramando aquela montoeira de tons de laranja-acastanhado. Isso foi no meio da calçada. Os prédios criavam um corredor para o vento, que rodopiava as folhas da região e as depositava bem ali, naquele montículo que meu filho escolheu para brincar. Os prédios, no caso, eram comerciais. Os prédios, mais especificamente, tinham, naquele dia, exatamente, uma fila imensa com jovens engravatados. Era um congresso, uma feira de empregos, um evento relacionado à indústria. Não vi o nome direito. Preferi meu "caminhão de folhas, mamãe" e o cochicho de seus pezinhos. Mas vi as pessoas. Todas, sem exceção, usavam preto ou cinza. Todas, sem exceção, não tinham mais de vinte e cinco. Todas, sem exceção, usavam terno e calça. Até as mulheres.
Isso me chocou.
Ou melhor, chocaram-se ali tantas vidas. Como um céu de outubro contra as árvores combalidas e coradas, meu filho, minha força da natureza, meu tom rascante, meu patente regozijo, minha felicidade resplandecente e espontânea contrastava com a anoética e pasteurizada vida adulta recém-alcançada. Constratava ali também meu deslocamento, sem saber se pular em folhas secas é um ato social e culturalmente aceito por aqui ou se era pura rebelião bárbara.
Um taxista saltou para abrir a porta e fazer entrar algum passageiro. Riu. Alto. Ri de volta. Ainda chocada.
Eu me perguntei, mastigando bem aquele clichê, em que outono eu perdi minha criança. Não a minha criança-caminhão, minha criança-revolução bárbara, meu azougue. Mas a criança-eu, que não pensava nos engravatados e nas taillerizadas, que nã perguntava se pular em folhas era bom comportamento. Onde se ressecou, murchou e caiu a risada e a possibilidade de eu mesma ser um caminhão de folhas? Eu sei de alguns veios abertos que cessaram o fluxo da seiva. Sei de um sol mais tórrido que desidratou um ponto. Sei de algumas, mas não de todas as respostas.
E veio o vento. Soprou o cabelo comprido de um engravatado de cinza e gravata lilás, rindo com a despreocupada alegria de chutar folhas do "caminhão". Soprou também mais folhas: as espalhadas para a calçada, as reunidas em espiral. Soprou meu rosto, meu embasbaque. Soprou. Intransitivo. Como o amar.

domingo, 11 de outubro de 2015

Eva!

Era hora do jantar e marido foi para a cozinha preparar seu prato enquanto eu e Arthur ficávamos na sala, já comendo. E então...

PLOFT, PLEM! [bem alto]

E marido:

– MERDA! [bem alto também]

E Arthur, que nunca ouve palavrão porque aqui em casa decidimos não falar na frente dele, vira-se, perplexo:

– Mamãe, quem é Eva?

Eis a corrupção original, só que desta vez protagonizada pelo homem.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A árvore de Paulos

Pela rua outonal, conversávamos.
Arthur perguntou quem era o meu tio e, ali, no meio da rua, vi nascer o rizoma de uma árvore nova. A árvore dos Paulos. A árvore genealógica do meu filho.

- Meu tio, filho, é o Paulinho.
- O papai do meu papai?
- Não, filho. O papai do seu papai é seu avô. Ele também se chama Paulo, mas não é o meu tio. Meu tio é o Paulo, irmão da sua vovó.
- E o papai do meu papai?
- É Paulo, você tem razão. Mas é outro Paulo.

Fui explicar melhor. Tola, eu.

- Filho, assim como existem outros meninos chamados Arthur no mundo, existem muitas pessoas com nomes iguais. Tipo Paulo. Por exemplo, meu tio e seu avô se chamam Paulo. Assim como o meu avô e o avô do papai.
- O seu avô é o papai do meu papai?
- Não, meu amor. Eles se chamam Paulo, mas o meu avô não é o papai do papai. O papai do papai é o seu avô. E ele se chama Paulo, assim como o meu avô e o avô do papai.
- O avô do meu avô se chama Paulo?
- Não. Calma, vou explicar. O avô e o tio da mamãe se chamam Paulo. Que é o mesmo nome do avô, do pai e do irmão do seu papai.
- Ah, não, o irmão do meu papai não é Paulo, é Zé!
- É, filho, você tem razão. Mas é porque o nome dele é Paulo José, então a gente chama ele de Zé. Acontece que o nome dele é Paulo também.
- Paulo?
- É, meu querido, Paulo. Seu avô, o meu avô, o avô do papai, o tio da mamãe, o seu tio, todo mundo se chama Paulo e... ih, olha lá um esquilinho.

O esquilinho também estava muito espantado com aquela imensa árvore de Paulos.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Nunca sozinho

No fim de tarde de um dia de primavera, passeávamos em um jardim. Todo mundo com frio, mas feliz. Até que Arthur decide colocar em prática toda sua independência de toddler e desvia-se do caminho que percorríamos. Ele queria ir para o outro lado, pelo simples prazer de fazer diferente, de desafiar os pais.
Deixamos.
Ele ia para um lado e nós para o outro. Dando tchauzinho, lá ia meu pequeno, seguindo a distância um moço de ushanka marrom e sobretudo escuro. Nós, marido e eu, do outro lado.
De repente, Arthur percebeu que não iríamos atrás dele, como costumamos fazer. Claro. O parque era seguro, os caminhos se encontrariam obrigatoriamente mais à frente, não havia por que seguir ele. Então, filhote parou. Gritou "não". E veio correndo na nossa direção. Marido foi quem o encontrou no meio do trajeto entre lá e cá e o abraçou.
Então, abraçadinho ao pai, Arthur fala:
- Não quero ficar sem a minha família. Nunca, nunca, nunca quero ficar sozinho.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Curtinhas

Marido conversando via Skype com uma pessoa da família:
- Pois é, agora ele vai precisar encarar os próprios fantasmas e...
Arthur interrompe:
- Que apavorante!

***

Estava deitadinha na cama, marido veio me abraçar e Arthur achou que era para fazer montinho na mamãe. Pulou em cima das costas do pai e gritou:
- Eu sou um picles, mamãe é outro picles e o papai é o pão.

Tá certo, sanduíche de pão!

domingo, 19 de abril de 2015

Hoje eu dormi NOVE HORAS SEGUIDAS. Fato que não acontecia há quase três anos.

Há sono depois da maternidade, meu povo!

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Vão vendo...

Arthur, entediado, começa a enfiar coisas na boca: pecinhas de plástico e brinquedos de todos os tamanhos. Eu, pacientemente, paro o trabalho que faço e vou lá tirar as pecinhas da boca do cidadão, explicar que não pode, que faz dodói, que é perigoso.
Então, ele resolve comer um pedaço de papel. Quem nunca, minha gente, comeu papel durante a infância? O pedaço é pequeno e ele está mastigando, com aquela cara de empáfia dos que desafiam a autoridade. Deixo. Ele se surpreende. Mas continua a mastigação e começa a brincar.
- Humm... isso é um chocolate. Hummm... delicioso. Mamãe, mamãe, estou comendo tranqueira com cafeína!

Vão vendo o ser que estou criando. Tranqueira com cafeína (no vocabulário, minha gente, não na dieta!) antes dos três anos.

sábado, 21 de março de 2015

Curtinhas bilíngues


1
Lendo um livrinho, estávamos brincando de falar os nomes dos bichos em português e em inglês:
- Aqui, este, meu filho.
- Vaca.
- E em inglês?
- Cow.
- Aquele?
- Ovelha.
- E em inglês?
- Sheep.
E assim fomos, elencando uma arca de Noé, até que chegamos ao pintinho.
- E como é que fala pinto em inglês, Arthur?
- Pint.

2
À mesa do jantar, todos reunidos, Arthur começa a falar em inglês (sabe-se lá por que raios!). Vamos respondendo, brincando, perguntando, interagindo, até que ele pede:
- Can you please give me the suc?
- Whaaaaat?
- The suc, daddy.
E aponta para o suco.


3
Lendo um livrinho (para variar), Arthur pede:
- Mamãe, você pode ler este livro em por-tu-guês?
(Ele pede assim, pausadinho mesmo.)
- Claro.
(E leio.)
- Agora, você pode ler em inglês?
- Claro.
- Agora, mamãe, em chinês.


Filhos bilíngues, fofuras linguísticas em dobro!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Esta flor do Lácio

Inculta e bela, nossa língua tem suas manhas e melindres. Aprendê-la exige empenho e atenção. Arthur vai percebendo isso e, pelo caminho, deixa coisas graciosas.

Outro dia estávamos aqui em casa e ofereci melancia. Acho que é a fruta favorita dele e nunca ouvi uma recusa. Cortei, coloquei no potinho e ele pediu:
 Mamãe, me dá um palhaço?
— Como é que é, meu filho?
— Por favor.
Eu ri da regra de ouro em aplicação, mas continuei sem entender patavinas.
— Mas o que você quer, meu querido? Não entendi.
— Palhaço, mamãe. Para pegar a melancia assim...
— Ah, palito. Você quer um palito.
— Isso, mamãe. Por favor.

✼   ✼   

Hoje, eu e pequeno brincávamos de carrinho e a porta de um dos brinquedos desencaixou.
— Ih, filho. Quebrou.
— Deixa que eu conserto.
— Ok.
Mexe, remexe, se esforça. Frustrado, passa o carrinho para mim.
— Me ajuda, mamãe?
— Claro.
Mexo, remexo, me esforço e também me frustro.
— Arthur, não estou conseguindo. Vou precisar de um instrumento para conseguir encaixar a porta.
Ele se levantou e danou a vaguear pelo quarto, nitidamente procurando alguma coisa.
— O que foi, filho?
— Estou procurando o meu chocalho.

♥   ♥   

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Projeto de ciências para toddler (inspiração Monterssori)

Arthur anda numa fase dinossauro.
É um tal de ficar fazendo "rooooarrrrr" pela casa, de olhar fascinado pelos adesivos que entreguei a ele e de se sentir feliz da vida ao brincar com uns dedoches coloridões que ganhou! Mas da coleção de adesivos de dinossauro, o favorito não é o estegossauro, nem o o tiranossauro rex, muito menos o pterodáctilo. Ele fica intrigado mesmo é com o vulcão. Vira e mexe vai lá e pega o adesivo e fica olhando com bastante atenção para a imagem. Não sei muito bem o que se passa na cabecinha dele, mas achei por bem falar um pouco sobre vulcões com ele. Comecei e... putz. Meio abstrato, né? Como explicar um vulcão para uma criança de 2 anos e 7 meses?
Então, tive uma ideia. Coloquei ele para assistir a um vídeo com imagens de vulcões de verdade, falei sobre o magma, sobre as cinzas e a fumaça e convidei meu pequeno para fazer comigo um vulcão de mentirinha.
No começo ele não topou muito, ficou mais interessado em parafernálias que encontrou na cozinha e, dado o modo como eu selecionava objetos aleatórios pela casa, achou por bem recolher seu próprio material de trabalho (que vocês podem ver ao fundo de algumas das fotos: fita métrica, gancho de parede, parafusos e uma tampa de embalagem de plástico). Houve um pouco de resistência, mas nada que as palavras mágicas não dessem jeito. Quais palavras? Tesoura e canetinha. Objetos usados com parcimônia e somente sob supervisão aqui em casa, por isso, objetos com aquele gostinho de novidade.

O projeto teve alguns objetivos:

* Criar um momento gostoso de brincadeiras para nós dois;
* Instigar a curiosidade a respeito de como as coisas funcionam;
* Apresentar a ideia de áreas de conhecimento (ele teve um "Projeto de arte" na escola e ficou fascinado);
* Trabalhar a coordenação motora e a auto-confiança;
* Mostrar relação de causa e efeito;
* Estimular a curiosidade e o interesse a respeito de ciências naturais.

Ufa!

O resultado foi uma tarde bem gostosa, cheia de risadas e com alguma bagunça.

Quer fazer um projeto de vulcão para o seu toddler também? Eu conto como fiz o meu para você se inspirar!

Materiais:

- Um tabuleiro (ou bandeja, ou plástico grande para forrar o local de trabalho e minimizar a sujeira);
- Uma garrafinha pequena (pode ser de água mineral ou achocolatado. Quanto mais baixinha, melhor.);
- Bicarbonato de sódio (quanto bastar para encher entre 1 e 2 dedos da altura da garrafa);
- Vinagre (meio copo - eu usei corante alimentício para maior dramaticidade);
- Um saco de papel pequeno (saco de pão serve muito bem);
- Canetinha;
- Tesoura sem ponta.


E agora?

1) Pegue o saco de papel e "vista" a garrafa com ele. Com a canetinha, marque a circunferência da boca da garrafa no fundo do saco. Recorte. Aqui em casa, Arthur marcou a circunferência e recortou.


Se for preciso, ajuste o comprimento do saco de acordo com a altura da garrafa. Aqui em casa precisamos cortar um pedaço e dobramos o que sobrou.

2) Peça a seu toddler que decore o saco de papel com os veios de lava. "Vista" a garrafa com o saco, passando a boca pelo buraco que você abriu. A garrafa vai ficar lindinha, como se estivesse de vestido.


3) Peça que seu toddler coloque o bicarbonato de sódio dentro da garrafa. (Eu confesso que me surpreendi com a coordenação motora dele. Quem acabou derramando um monte de bicarbonato em cima da garrafa, afinal, fui eu. Acho que vou aproveitar quando Arthur estiver na creche para ficar fazendo umas atividades para aprimorar minha coordenação motora fina.)


4) Peça que seu toddler despeje o vinagre dentro da garrafa com bicarbonato. (Lembre-se de gentilmente explicar ANTES o que vai acontecer. A reação vinagre + bicarbonato pode dar um susto pelo efeito inesperado e acabar transformando a brincadeira em choro. Aqui em casa, Arthur não quis jogar o vinagre. Preferiu se afastar um pouco para ver o que ia acontecer com aquele vulcão.)



Corre, dino! O vulcão entrou em erupção!

Depois que viu o vulcão entrando em erupção, com toda aquela efervescência maravilhosa, quis brincar de novo. Expliquei que não dava para reaproveitar o vinagre e o bicarbonato, mas que a gente poderia refazer tudo, se ele quisesse.


Ele quis.



Então escolhi um pote transparente, para que ele pudesse ver todo o processo. E desta vez ele fez questão de colocar o bicarbonato e despejar o vinagre.

Por fim, grande parte da brincadeira foi sentir as bolinhas estourando sob os dedos, perceber a textura do bicarbonato semidissolvido, colocar o dinossauro para brincar na lava e notar que as mãos ficaram tingidas de vermelho.


Eu avisei, dino!