sábado, 26 de outubro de 2013

Da loucura

Que louco permitiu que eu saísse da maternidade com um bebê? Inepta. Iludida. Descabida.
E que louco, depois de um ano, depois de dezesseis meses, permite que eu, sistematicamente, falhe: mãe, pessoa, profissional, mulher, sã?

Este post é sobre a loucura que ronda, que espreita cada mãe. Cada mãe enlouquece silenciosamente na frustração da rotina. Da quebrada e da inteira. A inteira porque monótona e traiçoeira, vai se apoderando dos pequenos prazeres e fazendo deles pequenas tarefas. Aí, quando se vê, cuidamos por obrigação. A rotina partida, fragmentada, pulverizada frustra porque traz à tona a incapacidade de disciplina. Disciplina nossa, tão importante para que nossos pequenos também se disciplinem.
Aqui, enlouqueço pouco a pouco, engolfada por algo que nem sei bem o que é, onde mora ou como cresce. Parece lama, embrenhando-se e dificultando os passos; lembra lodo, crescendo nos cantos escuros e tornando o passo certo escorregadio.
Ninguém me disse que seria fácil, e eu, adolescente que pari - sim, adolescente, imatura, despreparada e ainda com tanto a descobrir sobre mim mesma -, achei que ser mulher bastaria. Achei que os amigos, em linhas retas, sempre heróis em tudo, davam a medida certa de todas as coisas. Os homens. E também as mulheres. Elas vieram para minha vida depois da maternidade. Todas mães de meninos, por pura coincidência, para que o processo (frustrante também) de comparação possa vir inteiro, completo. Complexo. Elas, essas mães, são fabulosas em seus erros. Uma é linda, despojada, sabe o que fazer em momentos de crise e nunca parece gritar. Deve gritar, eu sei, mas há de ser um grito carinhoso e pleno, não a histeria insana do dedo na tomada, da mão que quase se prende à porta que bate. Um grito de amor: não pode, Fulaninho. Mamãe está falando sério. Sensata essa. É assim que a vejo.
Outra, menos paciente porque sobrecarregada: faz de tudo e mais um pouco sem poder contar com muita ajuda. Essa, embora deva gritar (e até reconhece que o faz), tem a coragem. Vai lá e encara a boca escancarada, o olho esbugalhado, a boca da noite fechada.
Mais uma: essa nem tão segura quanto a primeira, nem tão sem ajuda quanto a segunda. Mas infinita na busca, na pesquisa, na alternativa, na paciência. E eu reprimo, então, minha decepção ao notar que parece que me falta a essência disso tudo que envolve a maternagem.
Pego-me repetindo velhos estribilhos que me fizeram gauche, que me fizeram em linhas tortas (sem Deus para escrever certo, pois sou ateia). Velhos estribilhos, velhas sensibilidades, que doendo em mim, vão doer no meu garoto, reflexo de minha vida.
Olho para Arthur, ansioso, irritadiço, demandando, e reconheço nisso cada falha minha, cada frustração, cada ocasião mal aproveitada e mal dirigida. Olho e me pergunto: que louco permitiu isso?
Amo-o. De um amor intenso, louco, crescente e que me preenche. Mas falho. E sofro. Porque isso não vai bastar a ele. Eu preciso ser amorosa, sim. Mas também tenho de ser inteira, única. Nas minhas linhas tortas, tenho claros problemas de coerência e coesão: porque a gramática que aprendi não fala a língua materna que tenho. Minha comunicação tropeça e se ruidifica: interferências desnecessárias. Falta de sons extremamente precisos. Pareço um megafone ninando um bebê. Um terremoto acalentando meu filho. Um furacão soprando-lhe as feridas (sobretudo as emocionais, que já se abrem diante de mim).
Ele chora, e eu tenho vontade de sumir, de sair, de fugir, de conseguir fazer, enfim, algo de certo, de coerente. Mas repito a ladainha cheia de erros que não combina com a beleza da linguagem-maternagem que sei em mim. É a gramática ruim. São os erros da fala, da mensagem, do meio, e tudo se trunca.
E se ele sorri, desabo. A confiança que vai se mostrar equivocada. Sou um equívoco, uma fraude. Respiro fundo. E pergunto, obsessivamente: quem foi o louco?

4 comentários:

  1. Depois de 6 meses com meu João do meu lado, quase ocupando o mesmo espaço (quem disse que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço?) eu as vezes acordo e me pergunto... eu sou mãe mesmo? quem disse que sou mãe? mas dai olho pro lado e vejo um menininho sorrindo, que me enxerga e faz beiço, e escuto um babababaabbaaaa e pronto, a ficha cai... pelo menos até a manhã seguinte...

    Beijo

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  2. Oi, sempre leio seu blog e hoje quis deixar um comentario. Eu acho que a maternidade é isso que você descreve, se repetindo sempre. A gente falha, e falha daquilo que não resolvemos antes e que retorna, para nos perturbar. Mas acho também que o bonito dessa historia é que estamos aqui, no presente, com nossos filhos e temos sempre a chance do tempo presente, de fazer algo significativo agora. Acho que a gente não conserta o passado e não repara o que não tem conserto. Mas a gente tem o agora e a possibilidade de vivê-lo intensamente para que ele faça diferença. Um abraço e força.

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  3. Sabe que eu te entendo. Acho que ser mãe é isso, é se reconhecer no seu pequeno, é falhar, principalmente tentando acertar, é amar sem limites, um amor que a cada dia cresce mais, assim como o medo de ter errado, de ter magoado de ter deixado uma ferida emocional que vai prejudicar a cria no futuro, é se culpar, é se sentir inútil, mas é sentir-se o ser mais pleno por ter sido capaz de gerar aquela vida tão linda que cada vez que sorri, abraça e beija te faz completa! Ser mãe é isso é ser completa cheia de incompletos!

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  4. Oi, Ártemis! Saudades de vc!
    Bom, acho normal a gente se questionar "quem foi o louco???". No começo, eu só queria que alguém me dissesse "vc está indo super bem, não é fácil mesmo!"
    Mas ninguém disse nada...
    (hj em dia, eu confesso que ultimamente questiono essas mães sempre serenas, lindas e calmas. Eu me pergunto "o que elas tomam? calmantes??" kkkkk
    Força aí!!!
    bjo!

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