Li com carinho e gratidão cada comentário na minha postagem/pergunta sobre o segundinho. Depois, escrevi um texto que estava intimamente relacionado ao que pensei sobre o assunto. Mas acho que ainda preciso voltar ao tema, e ouvir (vocês e o que eu realmente tenho sentido/pensado/vivido).
Mas vamos fazer isso mais teatralmente?
personagens:
ID
EGO
SUPEREGO
[tarde da noite, bebê dorme de boca aberta, marido também sonha. Ártemis mantém os dois olhões escancarados na escuridão, insone com suas angústias. Entram ID, EGO e SUPEREGO, cada qual querendo pisar mais firme na mente inquieta da moçoila.]
ID: Uhuuu, boa noite, galera! Aliás, ótima noite, noite sublime, noite selvagem, noite...
SUPEREGO: Vamos dormir. Agora! O bebê vai acordar em menos de três horas e então todo mundo vai estar um bagaço, sem forças para aguentar o tranco de dizer não cento e noventa e três vezes - sim, eu contei -, de preparar refeições que vão parar no chão ou no lixo, de insistir para que ele beba água, de enfiar o moleque no banho antes de o sono bater e acabar com qualquer possibilidade de paz e...
EGO: Tá, tá, vocês duas: boa noite, Id. Superego, se ficar listando cada tarefa do dia em suas minúcias vai ser complicado. A pauta do dia é.... que rufem os tambores... "segundinho: ter ou não ter?" Tadãããã!
ID: SIM, SIM, SIM, SIM. Ter, sim, agora, já, foi tão bom ter o Arthur, claro que ela precisa ter mais um e mais outro, e outro, e depois outro. Quem sabe gêmeos? E outro cachorro, e um gato! E quanto amor! Amor é tudo o que importa. E eles podem viver todos numa fazenda, criar as próprias galinhas, vender ovos para uma renda extra e...
SUPEREGO: Id, a gente deveria vender você. Para um circo de horrores! Imagina só! A pobre coitada mal dá conta de tomar banho! Ter um segundo filho, sem querer entrar no mérito financeiro, que é muito importante nos dias de hoje, sobretudo com a nova vida deles em país estrangeiro, enfim... ter um segundo filho implica em menos tempo para que ela se dedique a atividades de caráter pessoal, tipo tomar banho, navegar na internet, realizar passeios descompromissados, entre milhares de outras possibilidades, que servem, acima de tudo, para que ela mantenha níveis decentes de sanidade mental. E quando digo sanidade mental, quero dizer: manter a vida em equilíbrio suficiente para que o estresse ou a falta de espaço pessoal não a engolfe num turbilhão de emoções e cansaços, que fatalmente a levariam a uma recaída da depressão que ela enfrentou quando mais jovem.
ID: Ahhhhhhhh, a depressão! Foi horrível, realmente. Ai, será que ela vai afundar mais uma vez? E o que será de nós? Mas o Arthur é tão bonitinho, é tão lindinho, é tanta alegria na vida dela... eu acho que...
EGO: Calma, vocês duas! Claro que Arthur é ótimo, mas também é uma rotina muito cansativa viver em casa, no momento bastante isolada porque recém-chegada e com poucas referências ainda. Nada de depressão, por enquanto.
SUPEREGO: Não quis dizer que ela está a beira da depressão, é claro. Vocês sempre entendem errado o que eu levanto para debate. Sempre aquém do verdadeiro sentido e da linearidade do que verbalizo.
EGO: [suspiro] Ok, ok. São quase quatro da manhã, gente. Foco!
ID: Ai, quatro da manhã. Que lua L-I-N-D-A!
EGO e SUPEREGO: Foco!
ID: Ok, ok...
EGO: Como eu ia dizendo, existem basicamente três empecilhos para o segundinho. E esse três estão inter-relacionados.
SUPEREGO: [controlada, mas transparecendo leve impaciência] Três? Você realmente acha que são apenas três empecilhos?
ID: [aos berros, salivando] Três???? Não existe nenhum empecilho! Eles se amam, são jovens, ela sempre quis família grande, filho vem com o pão debaixo do braço e, para completar, ai, parir é tããããããooooo gostoso, tão selvagem, tão natural, tão intenso.
SUPEREGO: Está vendo? Mais um motivo para ela parar no primeiro filho, e olhe lá! Parir é tenebrosamente descontrolado: você não sabe aonde aquilo vai dar, não controla as variáveis.
EGO: [bufando baixinho] Posso terminar?
ID: Não!
SUPEREGO: Sim.
EGO: Os três empecilhos são: ela mora sozinha-inha nos EUA. Ou seja, são apenas eles três nas terras de Tio Sam. Existe, portanto, um fator operacional que dificulta a vinda de um segundinho. Por exemplo: com quem Arthur vai ficar na hora do parto?
ID: Com eles? Na sala de parto? De preferência dentro da banheira, brincando enquanto o irmão, ou irmã, nasce...
SUPEREGO: E se a coisa não sair conforme o esperado e ela precisar ir para a cesárea? Vão fazer o quê? Levar o menino para a sala de cirurgia? Que beleza, hein.
EGO: Sim, exato. Precisamos ponderar também que, para além do parto, existe a rotina fatigante dos primeiros dias de um recém-nascido. E ela não vai poder contar com a mesma disponibilidade de horas livres do marido que ela teve quando Arthur nasceu. Agora ele tem um trabalho que exige muito mais dele. Então, vai ser ela sozinha. Completamente.
ID: [com lágrimas nos olhos] Estou tão sozinha. Ela também. Vê? Quatro da manhã e nenhuma luz acesa lá fora, ela está sozinha com suas angústias e ansiedades. É muito triste, é terrivelmente...
SUPEREGO: NORMAL.
EGO: Sim, normal. Todo mundo passa por questões nessa vida. Ela está bem e vai continuar bem. Só precisa realmente pensar e chegar a uma conclusão. Nem que seja a de que, por enquanto, não tem conclusão nenhuma a que se chegar.
SUPEREGO: Muito bem articulado, Ego.
EGO: Obrigada. Achou mesmo?
ID: [pigarreando exageradamente] Podemos?
EGO: Ah, sim. Bom, ela está sozinha, então precisará cuidar de um bebê e de um recém-nascido ao mesmo tempo. E também da casa. Isso é muita coisa. E ela sabe que vai acabar bem estressada.
SUPEREGO: A solução ideal seria chamar a mãe. Ou a sogra. Ou as duas.
ID: Deus nos livre dessa maluquice sem tamanho!
EGO: Não vamos discutir isso agora, certo? Não contemos com outras pessoas, já que elas moram muito longe agora. Voltando, então: ela está sozinha e precisará lidar com tudo sozinha. Para não sobrecarregar o marido. Com isso, ela ficará sem tempo. Estando sem tempo, ficará bem estressada. E estressada, mal curtirá os momentos com os filhos.
ID: Mas tudo será lembranças na velhice. [chorando agora] A velhice é tão solitária, e uma família grande foi com o que ela sempre sonhou...
SUPEREGO: Do que adianta ter memórias de brigas, discussões e irritações?
EGO: Isso. Vamos por esse caminho.
ID: Você sempre ouve muito mais a Superego que a mim.
EGO: Isso não é verdade. Lembra-se do parto? Desde então, quem é que mais me dá conselhos sobre o que devo fazer com Arthur?
SUPEREGO: Se você escutasse o que eu tenho a dizer... Os outros acham que você...
ID e EGO: Danem-se os outros!
SUPEREGO: [suspiro]
EGO: Bom, voltando ao segundinho. Além do que já falei, eles também têm uma renda limitada. E um segundo bebê teria um impacto no orçamento já apertadíssimo deles.
ID: Usa tudo de segunda mão. Eles já têm uma porção de coisas que compraram para o Arthur, podem aproveitar para o outro bebê.
SUPEREGO: É, tipo plano de saúde, né?
EGO: Posso terminar? Bom, haverá impacto. Isso é fato. Some-se a tudo o que já expus e teremos pontos bem fortes contrários ao segundinho. E como se não bastassem esses motivos, ainda é preciso sermos francas: ela está com saudades de ter um tempo só dela, saudades de dormir até um pouco mais tarde, saudades de poder ler um livro. Essas coisas.
SUPEREGO: Ah, sim, e com dois filhos para cuidar, adeus leituras, tempo livre, lavar cabelo. E, cá entre nós, ela já deixa muito a desejar na criação desse menino!
ID: Lá vem você e sua mania de deixá-la culpada, Superego! Deixa a menina! Ela é marinheira de primeira viagem, ela está sozinha num país estrangeiro, ela...
SUPEREGO: E lá vem você arrumar desculpas para as falhas dela. Inadmissível!
EGO: As duas, quietas, já! Ela está se esforçando e ninguém é perfeito.
SUPEREGO: Isso porque ela não me escuta. Se escutasse, ela poderia ser perfeita, sim.
ID: Aham, claro. Senta lá, Superego mala!
EGO: Sem discussão! O bebê vai acordar a qualquer momento para mamar e precisamos ajudá-la. Coitada, olhem só: não prega os olhos, está super ansiosa, tem anseios na vida...
SUPEREGO: Exato! Ainda bem que você tocou nesse ponto! Ela tem anseios. Melhor parar nesse primeiro filho, pois vai ser mais sensato. Imagina só: ela quer seguir sua vida profissional, sente falta de ter seu espaço também em termos intelectuais, quer sentir-se desafiada por questões acadêmicas e profissionais. Como você acha que ela vai dar conta de tudo? Estudos, vida profissional, novos desafios intelectuais, casa, dois ou três filhos?
ID: Sim, mas e o sonho de ter família grande?
SUPEREGO: Nem sempre os sonhos são factíveis.
ID: Mas precisamos dos sonhos. São os sonhos e as emoções que nos mantêm vivos, que nos impulsionam! E o amor, claro!
SUPEREGO: O que nos mantém vivos é a prudência. E é prudente que ela pare no primeiro filho. Tanto em termos profissionais, quanto em termos pessoais e financeiros. Acabou-se o tempo das famílias numerosas. Hoje em dia as pessoas têm restrições orçamentárias porque têm outros anseios e necessidades. Sem contar a questão da inserção da mulher no mercado de trabalho...
ID: Ai, que teoria chaaaaataaaaaaa...
EGO: Vocês duas, quietas! Já pedi! Vamos organizar o que vocês disseram porque nessa ladainha das duas existem uns pontos importantes para esta discussão. Em primeiro lugar, a perspectiva profissional. Se por um lado existem argumentos para que ela tenha somente um filho, conforme bem alardeou nossa amiga Superego.
SUPEREGO: Alardeou, não.
EGO [pigarreando]: Conforme, hum..., sinalizou nossa cara Superego.
SUPEREGO: Obrigada.
EGO: Enfim, embora existam esses argumentos indubitavelmente contrários a um segundinho, há que se pensar também que ela está parada agora, em termos profissionais. Já que está parada, então é melhor que fique parada de uma vez, tenha o segundo, e então, depois que os dois filhos já estiverem mais independentes e na idade de frequentarem a escolinha, aí ela retoma tudo. Ainda será jovem.
ID: Eu estava concordando com você, Ego, mas aí você disse que ela ainda será jovem. Não será, não! Será velha para o mercado! Como você acha que ela vai se reinserir profissionalmente?
SUPEREGO: Finalmente uma colocação sensata desta... hum... deixa para lá.
ID: Oh, céus! Superego concordou comigo? Então retiro o que disse, porque é claro que esse é um argumento anti-segundinho, e vocês sabem que eu quero muito o segundinho, e o terceirinho, e o...
EGO: Como eu ia dizendo, a questão profissional pode ser contornada dessa maneira, e se ela realmente quer um segundo filho, que aproveite a oportunidade de ficar um tempo dedicando-se somente à maternidade para emendar uma nova gravidez, puerpério e todo o processo. Porque esperar cerca de cinco anos para ter o segundo, lembrando que essa foi um estimativa a que ela e o marido chegaram, pode impactar negativamente em termos de vida profissional. E como se não bastasse tudo isso que acabei de falar, quanto mais ela adia, mais complicada a questão se torna, pois ela vai envelhecer...
ID: Envelhecer, não. Ficar vintage.
EGO [rindo discretamente]: Ela não vai ficar mais nova, pronto, e aí temos um impasse entre o relógio biológico, que pede urgência, e o relógio social, que pede calma, pede que ela se reinsira no mercado, que aproveite oportunidades, que se dedique a seus anseios por desafios intelectuais, e só depois retome a questão da maternidade.
ID: Com isso, caríssimas senhoras, chegamos ao consenso de que é melhor ela aproveitar que o bebê está dormindo e atacar o marido agora mesmo, vai que ela está ovulando e...
SUPEREGO: Faça-me o favor!
EGO: Não briguemos! Estamos aqui para tentar chegar a uma conclusão, não a um impasse, então...
ID: Xiiiiii...
SUPEREGO: O que foi desta vez? Insuportáveis essas suas interrupções, Id.
ID: Deixa de ser chato, Superego. Interrompi porque vamos precisar adiar o veredicto.
EGO [assustado]: Por quê?
ID: Porque o bebê acordou.
E com isso, passo noites inteiras acordada, olhando o teto, pensando nos prós e contras do segundinho. E nos prós e contras de pensar e planejar um segundinho.
É até ridículo dar conselho nesse quesito, pois é uma decisão absurdamente particular.
ResponderExcluirEm termos, eu concordo com o ID. (mas confesso que sempre tive uma quedinha por ele). É melhor emendar o processo maternidade e só retomar a carreira depois, do que retomar e depois ter que parar de novo. E por mais que sejamos ansiosas com a vida profissional, os planos e sonhos de um filho, são sim, muito mais importantes.
O Superego é ok quando fala do plano de saúde, no exterior é mais complicado...
Eu voto por ter o segundo! E tentar contornar a situação financeira de alguma forma. (Agora que forma é essa, eu também estou tentando descobrir p minha vida, rs)
Boa sorte na decisão, e respira fundo, que vai dar tudo certo!
É para gente votar? :) Pq se for, eu voto pelo segundinho, mas não nesse instante (ou melhor, não nos próximos 9 meses...) Adaptação no estrangeiro demora um pouquinho, melhor estabelecer uma "rotina" (sim, entre " ", pois imagino que rotina militar não funcione com um toddler...)
ResponderExcluirO Superego levanta umas questões interessantes, mas acho que são solucionáveis: plano de saúde, o estado de IL dá relativamente baratinho para menores de idade (e grávidas também!), então esse item é praticamente resolvido. Alguém para tomar conta do Arthur durante o TP: é só discar 1-800-Amigas (infelizmente, se rolar 2o, não estarei mais em IL para ajudar...vc se sente confortável colocando o Arthur num avião para o East Coast? ;)
Agora, a questão profissional realmente pega...essa eu não tenho proposta de solução não (inclusive, se vc tiver idéia, estou aceitando sugestões, tá?! Pq o 1o ainda não saiu do forno e já estão me perguntando quando vai nascer o irmão...porcaria de relógio biológico, ambições profissionais, e mercado que não facilita a vida da mulher...)
Independente da conclusão, a decisão será a correta...e vcs ainda têm um bom tempinho para tomá-la :)
Oi! Eu escrevi um comentário gigante sobre ballet e atualização de sistema e fofices do Arthur e segundinho e ... perdi. Monganet, eu sei...
ResponderExcluirBom, lá vai um resumo sobre o post atual: eu adorei o ID ! (hohoho, quem não né?)
Eu ia te dizer para esperar um pouco vc se acostumar mais à nova vida, mas a real? quando a gente quer ter nenê, ninguém segura! Eu tive as duas em momentos profissionais (e logo financeiros) em que, racionalmente, não eram os mais indicados... Eu pensava "não é a melhor hora" mas dane-se: quero muito!
Só que não vou negar que houve momentos complicados... Daqueles em que a gente pensa "se eu tivesse me programado melhor..."
bjo!