Rio de Janeiro. Fim dos anos 1980.
Dentro do carro lotado, crianças amontoadas nos colos dos adultos - época em que cinto de segurança servia para a gente tropeçar quando entrava no banco de trás por uma das duas únicas portas existentes (carro de 4 portas era luxo! Eu me lembro que meu carro favorito era um Monza 4 portas. Achava lindo, achava chique, achava moderno) -, meu primo, que devia ter uns 3 ou 4 anos, chorava. E reclamava. E dizia, incessantemente "eu quero o meu nariiiiiiz".
O nariz em questão era uma lembrancinha da festa de onde acabáramos de sair. Um nariz de palhaço, daqueles de plástico. E ele, exausto, cheio de sono, inconformado porque o nariz estava guardado, passou o trajeto inteiro lamentando sua tristeza.
Chicago. 2016.
Entramos no Uber 4 portas e Arthur, depois de dar boa-noite ao motorista, pergunta "cadê o meu balão azul?".
O balão azul em questão era, de fato, um balão azul. Tínhamos acabado de sair de um aniversário na casa de uns amigos e o balão, no meio do processo não-quero-ir-para-casa-buáááá, ficou para trás. Entramos no carro com mochila, saco de papel recheado de gostosuras e Arthur. Nada de balão. Arthur, quase trinta anos depois do meu primo, foi fazendo uma nova edição do "eu quero o meu nariz" ao longo de toooooodo o trajeto. Cochilava, acordava, pedia o balão. Chorava, se acalmava, dormia. Acordava, chorava, queria o balão azul. Soluçava, relaxava e dormia. Trinta quilômetros e um engarrafamento do Lollapalooza depois, chegamos em casa com ele, enfim, sem som e sem imagem.
Colocamos o rapaz na cama, certos de que, depois de um dia imenso e exaustivo, Arthur dormiria pesado até meio-dia do dia seguinte e fomos nos deitar também.
Uma da manhã ele acorda chorando. Eu quero o balão azul.
Negociamos, conversamos, ponderamos e fazemos um acordo: quando o sol chegar, vamos comprar um lindo balão azul. Ele dorme, nós dormimos, até que, duas e meia da manhã, ouço um choro sentido e a indefectível frase "eu quero o meu balão azul!". Olha, cuidado mesmo com o que vocês fazem com a filharada por aí, porque essa coisa de inconsciente é real e incansável. Das profundezas do império do sono vem o desejo sublimado e, aí, salve-se quem puder, meu povo!
A essa altura, mais nada adiantava: nem conversa, nem promessa, nem abraço. Nada!
Até que marido (já disse que ele é gênio?) pega o telefone no meio da madrugada e anuncia: vou ligar para a Letícia! Arthur para de chorar, pisca os olhinhos molhados, dá três soluços para recuperar o fôlego e para, enfim, de repetir seu mote das últimas três horas e meia. Presta atenção. Marido faz o teatro completo, digno de Oscar: disca, coloca o celular na orelha, conversa, com direito a pausas dramáticas e muita função fática. Combina com Letícia que ela vai guardar o balão e que amanhã iremos todos buscá-lo. Claro, obrigada, beijos, até amanhã.
Arthur pisca os olhinhos sonados, suspira e, então, aceita. Dormimos todos, pegando carona nessa cauda de cometa que, a julgar pela reedição dos anos 1980, deve ser o Halley.
Ahhhh crianças...
ResponderExcluirEsses dias a minha pequena chorou pq esqueceu a Barbie na casa da avó paterna e queria levá-la para a casa da avó materna...rs
O negocio é conversar mesmo...nem sempre funciona, mas a gente tenta...rs
Beijos
Kkkkk
ResponderExcluirPelo menos o balão existia.
O meu outro dia acordou querendo a meia vermelha do Homem Aranha, ele não tem nenhuma meia vermelha.
Monza era mesmo muito chique. E ele lembrou do balão azul quando acordou?
ResponderExcluirhahah curiosa pra saber se ele lembrou do balão no dia seguinte...
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