quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Da chegada - voo

Olha, longe de mim querer traumatizar as pessoas, por isso faço questão de lembrar-vos de que Murphy me ama. Aliás, Murphy deve ter uma paixão enrustida por mim, daquelas que deixam cheia de recalque o apaixonado não-correspondido, que a qualquer pretexto ou oportunidade dá aquela espezinhada safada. Sabem como é? Tipo o Pedrinho, da terceira série, que puxava o seu cabelo no recreio, e que no primeiro ano do ensino médio veio declarar o seu amor no meio do primeiro porre na festinha do Gutão.
Então. É assim comigo.
Murphy me ama, me idolatra e se ressente de eu já ser casada.
Tendo isso em mente e a passagem na mão, vamos embacar comigo nesse voo.
"Atenção, senhores passageiros, com destino a Chicago. Embarque no portão 666. O inferno os aguarda."
Ignorei a voz sensual no microfone e, de passaportes e passagens em riste, fui dar tchau para a família, que foi em peso ao aeroporto. Só faltou a Genoveva, a galinha do sítio da minha tia. Aliás, era só ela mesmo que estava faltando naquele aeroporto ABARROTADO! Das duas uma: ou o Brasil vai muito bem e está todo mundo podre de rico, viajando horrores, queimando dólares para aquecer lareira e euros para acender charutos, ou o país vai mal e todo mundo está fugindo!
Bom, eu não estava nem fugindo, muito menos nadando em dinheiro. Estava apenas tentando embarcar para minha nova vida. Embarcar com marido, filhote e a madrinha do filhote, devidamente convocada para ser um par extra de mãos (a.k.a. mão de obra para trabalhos domésticos e babazísticos. Faz parte. Por isso, sugiro que a madrinha do filho de vocês seja jovem. Se não jovem, disposta e cheia de energia. Se nada disso, pelo menos rica. Optei pela madrinha jovem.). Então estávamos nós e nossas infindáveis malas, malinhas, maletas, sacolinhas e bolsinhas, sling, objetos de uso pessoal, passaportes, apretrechos e casacos, nos despedindo da família inteira. Choro, gente se jogando no chão e gritando "nããããoooo", correria, desespero. Tá, mentira, não teve nada disso, mas a minha mãe chorou.
Entregamos as passagens para a moça da entrada, ela fez "PIP" com aquele leitor a laser, e nos encaminhamos para a área de segurança. Nós e a penca de penduricalhos, aí incluído Arthur, que arrastávamos conosco.
Eu não sei vocês, mas sempre fico tensa em revistas. Mesmo que eu não deva, eu tremo. Acontece que dessa vez eu achava que devia, porque entrei num fight com o pessoal da companhia aérea e estava contrabandeando para os EUA duas perigosíssimas sopas congeladas sem leite ou derivados. É que a bodega da American Airlines não tem dieta especial sem leite e derivados, só uma refeição vegetariana safada (cheia de queijo e abobrinha, provavelmente. Odeio abobrinha), e a solução que me deram para o meu caso foi que eu levasse a minha própria comida. Mas precisava ser industrializada. Lá fui eu na véspera do embarque catar uma comida congelada sem leite ou derivados. E lá fui eu, no dia do embarque, para a área de segurança cheia de medo de me interrogarem por conta das sopas.
Passamos. Nós, as tranqueiras e as sopas.
Eu deveria ter desconfiado de que, se uma coisa funciona maravilhosamente bem na minha vida é porque Murphy está preparando algo mais grandioso em meu futuro. Eu, porém, devia estar ocupada demais correndo atrás do Arthur para notar tal fato. E segui em frente.
O avião foi um caso a parte. Não digo NO avião, mas sim O avião, que devia ser velho, recauchutado e obsoleto, já que teco-tecoou do início ao fim, nos brindando com narizes e gargantas secos, barulhos altos e incômodos, sacolejos e nheque-nheques mil. Se viajar com um bebê já é uma aventura, na classe econômica, num avião caindo aos pedaços e sem jantar pode ser considerado um inferno.
Opa! Pera lá! Sem jantar? Mas e as sopas? Bem, em meio a mil e uma ligações para a companhia aérea, ninguém nunca, jamais, em nenhum momento mencionou que a comida congelada deveria vir numa embalagem que permitisse o descongelamento e aquecimento em forno convencional. E eu, preocupada com mil outras coisas, nem me lembrei de que microondas e instrumentos de navegação aérea não devem combinar, né? Enfim, minhas sopas só poderiam ser descongeladas e aquecidas em microondas, que não tinha no avião, e então eu passei a viagem toda comendo Oreo, que não tem leite.
Ao chegarmos, enfim, em solo americano, a viagem parecia mais ou menos encaminhada para um desfecho tranquilo, pois o voo seguinte seria feito a partir do mesmo aeroporto em que fizemos a imigração e tinha uma folguinha no horário. Depois de cerca de onze horas sem dormir, com pele e mucosas faciais ressecadas pelo ar tenebroso da cabine, as costas massacradas pelas "poltronas" e por carregar Arthur para cima e para baixo, o voo de cerca de duas horas parecia, ao mesmo tempo, a redenção e o que sugaria nossas últimas energias.
Tudo parecia bem, até que os computadores da imigração norte-americana travaram. E nós ficamos por ali, na fila, esperando, uma pá de tempo. E quando saímos, para pegar o segundo voo, já estávamos atrasados. Marido e madrinha não queriam perder tempo, e fizeram cara feia quando eu parei para perguntar a um funcionário do aeroporto para que lado ficava o nosso portão de embarque. O tal funcionário pilotava uma geringonça que parecia a limusine dos carrinhos de golfe motorizados. Um trenzinho "conversível" comprido mesmo, com os símbolos de portadores de necessidades especiais na lateral. O moço, apiedado da nossa situação, falou "entrem!", e nós entramos. Entramos e saímos em grande velocidade, com um vento gelado batendo no nosso rosto, pelo JFK! Foi divertido, Arthur adorou, eu adorei, todo mundo se divertiu. E chegamos ao guichê/portão de embarque bem na hora... de ver, através daquele janelão, o nosso avião levantar voo sem nós!
Emitimos novas passagens e esperamos. Uma hora até o próximo voo. Depois, outra hora dentro do avião, nem me lembro mais do motivo, confesso. Aliás, depois do passeio de trenzinho pelo aeroporto, não me lembro de mais nada. Tudo não passa de um borrão de exaustão, choro, fome, dores musculares e ansiedade. Acho que chegamos bem. Acho que comemos. Acho até que fomos ao supermercado comprar itens de necessidade básica.
Depois me perguntam se eu não quero voltar para o Brasil. Minha gente, se eu pudesse, e se a saudade deixasse, nunca mais que eu entrava num avião, que é para não correr o risco de pegar, mais uma vez, Murphy na cabine de comando.

3 comentários:

  1. hehehehe
    Super legal ler isso a 13 dias do meu embarque, com bebê e GATA! imgina meu stress!!?!??!?! hahaaha
    mas falando sério, ri muito, pq Murphy tb me ama e eu tenho o MAIOR cagaço de autoridades: pra renovar passaporte, tirar visto, entrar no avião e o mais top: a imigração americana! eu me CAGO!! hehehhehe
    bjsss

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  2. O Murphy e eu temos um caso, e quando ele sai daqui ele vai escrever cartas para vc. Gzuis, parece karma rs. Não tenho medo de imigrações, tenho medo de não voar, de perder documento. Masssss olha, apesar do ótimo compartilhamente de emoções sem fim, acontece, faz parte rs. Acho que se não fosse o Murphy, poderia ser o TOC, o TDHA ou coisas do tipo. Mas morri de ri aqui. Excelente. E felicidades na nova era. bjs feliz 2014

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  3. Depois que virei mãe, o som do trem de pouso batendo no chão é sinfonia pros meus ouvidos. Avião, criançada e murphy andam juntos por aqui tb!

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