sexta-feira, 6 de maio de 2016

O rolo do rolo

Arthur me pediu leite. Aqui, ele vem em galão, pesado, difícil de manobrar e jarro com leite na geladeira dá aquele gostinho, né? Então dona Maria que me desculpe, mas nada de Montessori para pegar leite aqui em casa. Fui lá eu.
Arthur resolveu fazer xixi. Fez. Deu descarga. E de novo.
Opa! Duas descargas?
O alerta "deu ruim" começou a tocar e perguntei, com a voz doce, tentando administrar o leite e a calma ao mesmo tempo:
- Filhinho, tudo bem? O que aconteceu?
- Nada, mamãe. Caiu um papel no vaso e eu dei a descarga.
- Ah, tá bom. Então lava a mão e vem buscar seu leite.
Alguns minutos depois derrubei um pouco de café no chão e limpei com papel toalha. Cansada, pensei: ah, vou jogar no vaso mesmo, tá tão mais perto que a lixeira. Joguei.
Noé deve ter sentido a mesma angústia que senti vendo aquela enchente de água de privada se aproximando da borda do vaso. A diferença era que Noé sabia o que estava acontecendo porque deus avisou e quando tudo passou, ele não precisou pegar pano nenhum para limpar água de privada. Portanto, pensando bem, talvez eu tenha ficado mais nervosa e angustiada que Noé.
Felizmente, não transbordou, mas não restava qualquer dúvida de que o vaso estava entupido.
Ora, por mais que a tubulação aqui seja velha, uns pedaços de papel toalha não causam este estrago todo. Foi quando me lembrei das duas descargas que ouvi.
- Filho, lembra quando caiu o papel no vaso?
- Lembro.
- Que papel era esse?
Ele pega um dos milhares rolos vazios de papel higiênico que guardo para fazer brinquedinho reciclado.
- Aqui, ó.
Cogitei chorar. Cogitei fugir. Amaldiçoei minha vocação crafter.
Mas a água ainda fluía, por isso apenas pensei que papel se dissolve na água, né? Era, portanto, tudo uma questão de tempo.
Só que dois dias depois as coisas não iam mais bem. O papelão do rolo não se dissolvia e as muitas descargas que dei na esperança de fazer descer o cilindro, na verdade, devem tê-lo girado, e a água passou a não mais descer. Ou melhor, descia a proporções nanométricas. E paciência tem limite, sobretudo quando estamos falando do único vaso da casa.
Fui a uma loja de ferramentas e utilidades domésticas. O vendedor da loja acabou com as minhas esperanças de comprar uma coisa tipo o bom e velho diabo verde. Mas this is USA, minha gente, e não há problema, real ou inventado, crônico ou agudo que não tenha uma invenção revolucionária para exterminá-lo. O moço, então, me puxou para outro corredor da loja, apontou uma parafernalha estranha e me jurou de pés juntos que uma geringonça que parecia a mistura de uma vara de pescar com manivela para desenrolar cortina de estabelecimento comercial era o que eu precisava. Não tinha muita alternativa a não ser acreditar naquilo.
Voltei com o trambolho na mão, depois de um dia intenso, com direito a compras de supermercado e devolução de livros na biblioteca. Tudo que eu não queria era labutar no vaso. Mas fui eu lá, labutar, lá botar a geringonça no vaso.
Olhei descrente para a vareta. Arthur fez o mesmo. Perguntei:
- Será que vai funcionar, filho?
- Quero ajudar mamãe!
O troço tem uma mola meio brocha que sai de um tubo ligado a uma manivela que não entendi para o que servia. Um mistério que nem a tarja com instruções resolveu. Evoquei a lembrança do vendedor me explicando como deveria usar o aparelho e decidi arriscar. Primeira tentativa e eu achei que nada aconteceu. Nível de água nojenta preservado. Empurrei o cabo e dei uma girada discreta na manivela. Nada. Mais força, Arthur tentando me ajudar, eu tentando preservar meu filho da queda que parecia inevitável naquela água radioativa, mais força, filhinho chega mais para cá, até que... POFT! Funcionou. A água escoou. Puxei a descarga e, sim, o rolo desceu, que alegria! que júbilo!
Virei para Arthur:
- Ah, meu filho, olha, funcionou - dizia eu, visivelmente emocionada, como se o vaso tivesse cantado lindas músicas na festinha de dia das mães para mim.
Ao que meu rebento, igualmente animado, responde:
- Oba, mamãe! Agora eu posso jogar outro rolo lá dentro, porque o aparelho funciona!

4 comentários:

  1. HAHAHAHA
    Faz sentido.

    Tenho um trem desse aqui casa, peguei da casa do meu pai pra desuntipir o vaso também, e aqui antes do final feliz a coisa toda foi meio tragicômica já que o bendito aparelho agarrou em sabe a deusa o que é nem girava, nem entrava, nem saia...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Comecei as visitas aqui depois que deixou um link no blog da confeiteira tentante (acho que já li toda a sua gestação) estou amando!
    Parabéns!!!
    Beijos

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  4. kkkkk genial seu filho!!!!!!
    morri de rir
    bjss

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